segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O Brasil está morto! Viva o Brasil!

Fernão Lara Mesquita

Marcada pela ambiguidade a cena foi uma síntese do momento brasileiro. No “banco dos réus” o ministro Meirelles e a PEC 241 de salvação dos 22,7 milhões de desempregados, subempregados e “desativados” pela explosão do déficit que paralisou o país constrangido a uma espécie de “autocrítica”; na “cátedra” à volta, toda a cúpula do Judiciário, um dos grandes detonadores dessa explosão, exigindo dele a reiteração da vassalagem ao conceito de “autonomia dos poderes“, versão pervertida do princípio de “independência dos poderes” nas democracias sem cuja retificação não será possível desapertar o garrote do pescoço dos miseráveis do Brasil.

Foi na sexta-feira, 14, no gabinete da presidente do STF, ministra Carmen Lucia, e estavam lá, além da imprensa, os presidentes do TSE, Gilmar Mendes; do STJ, Laurita Vaz; do Superior Tribunal do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho; do Superior Tribunal Militar, William de Oliveira Barros e mais a Advogada Geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça. Mais de um entre eles fez questão de tomar posição a favor das reformas mas, como reagiam a um documento patrocinado pela Procuradoria Geral da Republica, pelo Tribunal de Contas da União e pelo Ministério Público assinado por vários juízes apedrejando a PEC 241 como “inconstitucional” e atentatória à sua versão de “democracia“, estavam entre a cruz e a caldeira. Botando panos quentes mas não sem, antes, reafirmar o “direito” dos privilegiados do Brasil aos privilégios que eles próprios se outorgam, inscrito na Constituição que ele está.

É um estranho interregno este que vivemos. É ilegal fazer justiça no país que a “Constituição dos Miseráveis” criou. Tudo nele é privilégio, discriminação e mentira e todo mundo sabe disso mas continua sendo proibido dizê-lo, sob as penas da lei que há, a escrita e a não escrita.
Em palestra recente a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, deu os últimos dados conhecidos da previdência pública, ainda de 2013. São 4,2 milhões, somados, os aposentados e pensionistas da União, dos estados e dos municípios. O déficit dessa conta correspondeu naquele ano a 3,8% do PIB. Aplicada a porcentagem ao PIB estimado para 2016, de R$ 6,2 tri, estaríamos falando de um rombo de R$ 237 bilhões. O déficit da conta dos 28,3 milhões de aposentados e pensionistas do resto do Brasil inteiro somados foi de R$ 85,8 bilhões no ano passado e de estimados R$ 148,7 bi este ano. 6,7 vezes menos gente custando 1,6 vezes mais dinheiro. Uma coisa multiplicada pela outra e temos que nós estamos valendo, na média, 10,7 vezes menos que eles.

Como chegamos a isso?
Raul Velloso, que assessora governadores do Sul e Sudeste para medir a catástrofe que têm nas mãos, conta que ha nos estados e na União cinco “donos do orçamento” que, invocando a tal “autonomia“, “agem como se tivessem indulgência divina para gastar”. São eles – bingo! – o Legislativo, o Judiciário, os Tribunais de Contas, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Nos estados esse grupo come sozinho 60% da receita líquida corrente, mas não é só. Junto com saúde e educação que também têm um pedaço do orçamento constitucionalmente garantido, ninguém nesses sete setores paga os direitos previdenciários de seus empregados. Saem contratando e empurram a conta para os tesouros estaduais que, por sua vez, não contabilizam essa despesa nas suas folhas de salário, o que faz da regra de ouro da Lei de Responsabilidade Fiscal (máximo de 49% das receitas para pessoal) letra morta. Para realmente “servir o público“, as migalhas e…o caríssimo dinheiro dos bancos. Assim cavado, o déficit atuarial das previdências estaduais está hoje acumulado em R$ 2,4 trilhões. Na União dá-se o mesmo piorado; cinco “donos” mais alguns associados adicionais relativos aos “gastos sociais” levam a apropriação do orçamento federal a 80%.

O Estado é, porém, um péssimo distribuidor de riqueza também dentro das suas fronteiras. Os funcionários recebem, em média, aposentadorias de R$ 5.108,00 enquanto o brasileiro que pagou todas as contribuições só R$ 1.356,00. Mas também lá a grande maioria está abaixo da média. Ganham muito, mas muito mesmo, mediante as gambiarras de sempre, um milhãozinho de pessoas, se tanto. E quase todos, é claro, vêm das cinco corporações + dois “sócios” que são “donas” dos orçamentos públicos.
Nem o “teto” da PEC 241, que terá de ser alcançado esmagando a fatia “sem dono” (ou seja, nossa) dos orçamentos, nem as alterações até aqui mencionadas para a previdência de todos nós, conquanto também necessárias pelas razões sócio-demográficas que todo mundo aceita, serão capazes de por o Brasil de volta nos trilhos sem tocar nos privilégios desse milhãozinho de “marajás” a quem a tal “Constituição Cidadã” entregou o país bem amarrado.

A reunião acima descrita ilustra vivamente porque um governo interino só pode ir até onde já foi na discussão desse problema. Mas não havendo mais como estabilizar qualquer governo no poder com o Estado reduzido à incapacidade de pagar os seus protegidos todos de tanto que deve a tão poucos, um valor mais alto se alevanta. Daí estar “o impensável” acontecendo bem diante dos nossos olhos. É o PMDB quem maldisfarçadamente puxa a “denuncia” da mazela mais radical do “Sistema”. Não é mais a imprensa que trabalha para nos mostrar o que os governantes gostariam de esconder, são eles que conspiram para levá-la a revelar os fatos que, até aqui, pouco tem feito para expor inteiros. E isto porque sabe que a verdade sobre os números e, principalmente, sobre os personagens da pontinha mais dourada da “privilegiatura” da previdência pública é uma daquelas que não se suporta a si mesma. A sua mera exposição precipitará o desmoronamento do “Sistema”.
Esse Brasil das tetas desbragadas acabou. Não cabe mais em si mesmo nem no mundo. E quem contribuir por ação ou por omissão para prolongar e aprofundar a miséria que custa mantê-lo insepulto, não vai ter lugar no próximo que vem vindo aí.

VESPEIRO

Alguns comentários à este artigo, no próprio blog do autor:

Otacílio Guimarães
Nasci em 1943 e nesses 73 anos tive uma vida trepidante que começou na ditadura Vargas, passou pela volta de “democracia”, a seguir pelos tumultos causados pelo suicídio de Vargas que culminou numa nova ditadura, desta vez militar e, 21 anos depois na redemocratização do país com direito a uma “Constituição Cidadã”, um tratado de direitos sem a contrapartida em obrigações que só poderia culminar nisso que ai está, pois a vida real é sempre diferente daquela que os utopistas de plantão pensam que podem alcançar impondo suas sandices que se resumem no forte desejo de que uma minoria trabalhe duro para sustentar uma maioria que não gosta de trabalhar mas que não admite que seus privilégios adquiridos sejam sequer olhados pelo lado da racionalidade, quanto mais reduzidos. Eis ai o resultado da tal “redemocratização” do país, qual seja, juntou-se a incompetência dos militares para governar com a ânsia dos esquerdistas para compor logo suas cestas de natal pagas por quem estava apenas querendo trabalhar e viver. No fim, acabarão todos mortos junto com o país.

Fernando Lencioni
Fernão, essa história começou pelas mãos de Cláudio Ferraz de Alvarenga um ex-promotor público paulista que foi Procurador-Geral de Justiça da instituição entre os anos de 1987 e 1990 e Secretário de Estado de Governo entre os anos de 1990 e 1993 durante a gestão de Luiz Antonio Fleury Filho do PMDB – também um ex-promotor publico de São Paulo – e que, depois, veio a ser indicado para o cargo de Conselheiro do TCESP que sempre teve as mesmas regalias que o de juiz. Lembro bem que naquela época era comum os que assumiam cargos como o de procurador-geral e de presidente da OAB/SP usavam tais cargos como trampolim para ocupar cargos de secretário de Estado. O que foi combatido com veemência pelo candidato a presidência da OAB da época e depois transformada em norma. Foi por ingerência dele e de outro colega dele junto a Ulisses Guimarães que eles conseguiram enxertar na CF/88 a equiparação de sua carreira com a dos juízes, passando a ter os mesmos salários e regalias, tais como vitaliciedade – que permite que mesmo que eles forem pegos se corrompendo, sejam aposentados compulsoriamente – irredutibilidade de salários e inamovibilidade conjugada com uma competência política mal copiada dos promotores americanos – pois esses são eleitos – que lhes permite atuar politicamente sem qualquer controle político, ou seja, sem qualquer interferência dos maiores interessados: a população. Me lembro de ter estado com ele uma vez e, numa conversa informal, ter me queixado da falta de controle sobre os promotores atuais em face das competências políticas copiadas de seus equivalentes americanos e de seus abusos costumeiros e de ter obtido a seguinte singela resposta: Um dia eles aprendem. A partir dessa situação criada pela CF/88, gerou-se o ambiente favorável para as outras carreiras também pleitearem privilégios. A despeito da ignomínia da situação de privilégios inaceitáveis e disfuncionais criada, uma coisa ela fez de bom: expôs os privilégios absurdos conferidos aos juízes em nosso pais e aos seus assemelhados. São, como costumo dizer, os príncipes de nosso usual Estado patrimonialista e usurpador.
Agora. Talvez você esteja sendo ingênuo, pois como alertava Bastiat em sua obra A Lei, não há forma mais cínica e eficaz de espoliação que a legal. Lembre-se, eles usarão a força do Estado contra todos aqueles que tentarem lhes negar seus “direitos” porque, nada obstante essa espoliação seja tão repulsiva quanto um roubo com arma, não é antijurídica como dizem os juristas e nem causa a mesma repulsa no populacho. Basta ver esse episódio da reunião no STF. Porque você acha que ocorreu a revolução americana?

José Silverio Vasconcelos Miranda
Tenho setenta e três anos e espero ver para crer a morte do Brasil dos
privilégios. Os ” abençoados” sempre esperam passar em um concurso
público, fazer carreira e levar o resto da vida sem preocupações financeiras e na mais rombuda mediocridade. Aliás, nos últimos treze anos os concursos públicos renasceram com uma opulência nunca vista. Somente a falência da ” velha porca” com sua fileira de tetas
decretará o fim dos privilégios e dos famosos direitos adquiridos.

Richard Petric
Quando Sarney foi presidente, um artigo do Joelmir Beting mostrava o enorme descompasso de déficit entre as previdências dos servidores públicos e a dos comuns, era tipo 10x mais. O q fez Sarney à época. Mandou juntar tudo. Assim o déficit passou a ser da previdência geral.. O jeitinho de governar pró castas.

Carlos Eduardo Stefanini
A imprensa brasileira, com raríssimas exceções, tem uma cumplicidade injustificável perante toda essa tragédia que assola a previdência e as contas públicas no Brasil. A chamada “constituição cidadã” provocou um verdadeiro suicídio da nação, que fatalmente ocorreria a médio/longo prazo, ao assegurar direitos insustentáveis e perversos aos integrantes do executivo, legislativo, judiciário, tribunais de contas, procuradores, ministério público, etc… Nossos constituintes cometeram um erro gravíssimo: acharam que o “bem estar social” se daria pela emissão de decretos e leis, e não, pelo trabalho e aumento da produtividade de nossos trabalhadores e desenvolvimento de nossa economia. Privilegiou-se “os direitos” em franco detrimento aos “deveres”, assegurou-se que todos teriam o “céu” na terra, bastaria para tanto, quando isso não ocorresse, que o cidadão acionasse o Poder Judiciário, como se ele, num passe de mágica, fizesse aparecer os recurso necessários para a realização desta utopia. A realidade, como era de se esperar, mostrou-se mais forte.



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