José Padilha
Sou cético acerca das ciências
sociais. Simplesmente não acredito que seja possível a formulação de uma
estrutura teórica (marxista, keynesiana, hayekiana, ou seja lá qual for a sua
preferência pessoal) capaz de explicar, mesmo que de forma rudimentar, os
processos econômicos, quiçá os processos sociais em geral. Os sistemas sociais,
além de muito complexos, não são fechados (interagem com outros sistemas) e são
caóticos (pequenas variações nas condições iniciais podem causar grandes
diferenças no resultado final).
Além disso, as ciências sociais não
dispõem de modelos teóricos que incorporem, ao mesmo tempo, variáveis
políticas, econômicas, tecnológicas, geográficas, climáticas e culturais. E é
óbvio que qualquer dessas variáveis pode alterar drasticamente a evolução de
uma sociedade. Os processos sociais são, pura e simplesmente, complexos demais
para serem modelados.
Logo, qualquer político que afirme
dispor de algum modelo teórico ou ideológico capaz de balizar políticas sociais
e econômicas de sucesso garantido, sobretudo no longo prazo, ou está mentindo
ou está seriamente equivocado. Tome o exemplo das empresas estatais. É verdade
que as empresas estatais tendem a ser ineficientes e que estão sujeitas ao
achaque de maus governantes (caso da Petrobras e da Eletrobras), mas isso não
significa que não existam contextos em que as empresas estatais sejam benéficas
ou mesmo necessárias para o desenvolvimento de um país.
Às vezes, o setor privado de um país
não dispõe de recursos para investir em infraestrutura e energia, e a formação
de uma empresa estatal é a única forma viável de resolver o problema. Por outro
lado, a privatização de empresas estatais ineficientes e caras pode impulsionar
o desenvolvimento de um país. A História está plena de exemplos nos dois
sentidos. Chavões do tipo “temos que
privatizar” ou “temos que estatizar” são exemplos de arrogância intelectual
injustificada ou sintomas de fanatismo.
A
verdade é que todos os grandes dogmas da esquerda e da direita são mitos.
Afirmações do tipo “só os empreendedores capitalistas irão inovar” são balela.
A internet, por exemplo, não foi inventada por empresas privadas buscando o
lucro. Foi inventada por cientistas e professores universitários trabalhando
para o setor público. E a Nasa, que inovou bastante, é uma agência do governo
americano. Por sua vez, a ideia de que “o Estado tem que redistribuir riquezas
para compensar os defeitos do sistema capitalista” sequer faz sentido. A que
sistema capitalista essa ideia se refere? Se a todos, trata-se de uma ideia
equivocada, posto que o sistema capitalista americano dos anos 50 e 60, por
exemplo, gerou crescimento com distribuição de riquezas.
A realidade é bem mais complexa do
que parece à primeira vista. O máximo que um administrador público pode fazer é
estar consciente da falibilidade das teorias sociais em geral, avaliar sem apego ideológico os modelos
teóricos e as políticas públicas que tiveram melhor resultado na História
recente de sociedades parecidas com a sua, e aplicá-los tentativamente, sempre
monitorando os resultados e reavaliando os rumos.
Sabendo que penso assim, o leitor
pode imaginar o quão estupefato fico face ao atual debate político brasileiro.
Os nossos formadores de opinião,
quase todos socialistas ou neoliberais convictos, travam um debate estúpido a
partir de posições ideológicas dicotômicas que, acreditam eles, explicam o
Brasil e o mundo. Como se a esquerda e a
direita radicais exaurissem todas as possíveis formulações teóricas das
ciências sociais.
Apenas para dar um exemplo: se você
acha que a teoria dos jogos é um bom ponto de partida para modelar um dado
processo social e emite opiniões a partir dela, as suas opiniões são de
esquerda ou de direita? Pois é, nem todas as ideias são reduzíveis às
ideologias dominantes...
Do ponto de vista socrático, de quem
busca conhecer a própria ignorância, o debate político no Brasil se transformou
em um festival inacreditável de besteiras gritadas em tom grandiloquente. O Brasil não precisa de neoliberais ou de
socialistas simplórios, polarizados e convictos; o Brasil precisa de uma liderança racional e honesta.
Infelizmente, não vejo ninguém assim
no horizonte. Sem exceção, não vi um único candidato a prefeito razoável nestas
eleições. Uma lástima. Estou tão cético quanto o Brasil quanto sou cético
acerca das ciências sociais.
O Globo
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