João
Cezar de Melo
A crença de que devemos confiar ao Estado a promoção do
bem-estar social sustenta-se numa idealização do “bom político”, do
representante popular modelo de honestidade e de competência, cuja sabedoria e
espiritualidade farão jus à confiança que a sociedade lhe conceder. Para
ajudá-lo na construção da justiça social, a maior parte da
sociedade idealiza um partido político diferente dos outros, cujos membros
seriam tão honestos, tão competentes, tão sábios e espiritualizados quanto o
seu líder – como o PT já foi visto um dia, como o PSOL é visto por muitos hoje.
A ingenuidade da massa atinge o mais alto nível ao acreditar que existem seres
humanos que dariam função social ao poder que tivessem em vez de
utilizá-lo em benefício próprio; e essas criaturas abnegadas seriam detectadas
a partir dos discursos lindos e bonitinhos que fazem – Lula noutros tempos;
Luciana Genro, Jean Wyllys e Marcelo Freixo tentam nos dias de hoje.
F.H. Hayek, em seu livro O Caminho da Servidão, explica não
apenas a impossibilidade de realização desse desejo, mas também a razão pela
qual a política é preenchida sempre pelas pessoas menos aptas à administração
do Estado e do poder. Para tanto, Hayek identifica três condicionantes
que se correlacionam através do sistema político mais admirado da humanidade, a
democracia.
Em primeiro lugar, ele nos lembra que quanto maior o nível de
instrução do ser humano, maiores serão suas divergências sobre a grande maioria
dos assuntos, afinal, a instrução amplia a visão sobre o mundo e sobre nós
mesmos. Diante disso, enxergamos que “se quisermos encontrar um alto grau de
uniformidade e semelhanças de pontos de vista, teremos de descer às camadas em
que os padrões morais e intelectuais são inferiores e prevaleçam os instintos
mais primitivos e comuns”, escreve Hayek, o que significa que é o menor
denominador comum que elege um representante do povo. Para se
comprovar o fundamento desse fenômeno, podemos correlacioná-lo à atenção que
determinadas pessoas e assuntos cativam.
Quanto mais superficiais forem as letras de um cantor, mais fãs
ele cativará. Entre um quadro de Romero Brito e um de Willys de Castro, a
grande maioria das pessoas optará pelo primeiro para se decorar a sala. Entre
uma entrevista com um atleta famoso e outra com um cientista qualquer, certamente
o povão preferirá ouvir o atleta. Um discurso sobre “justiça social” e
“redistribuição de renda” certamente atrairá a atenção de muito mais pessoas do
que uma palestra sobre a Curva de Laffer ou sobre o Princípio da Escassez.
A segunda condicionante identificada por Hayek diz que o
pretendente a líder terá necessariamente que conseguir o apoio dos “dóceis e
dos simplórios, que não têm fortes convicções próprias, mas que estão prontos a
aceitar um sistema de valores previamente elaborado, contando que este lhes
seja apregoado com bastante estrépito e insistência”.
Partindo do princípio de que boas ideias precisam de bons
cérebros para processá-las, enxergamos a razão pelas quais as ideias mais
insustentáveis são assimiladas pela maioria das pessoas com tanta facilidade −
de serviços gratuitos a intervenções econômicas. Socialistas de bandeiras
vermelhas e socialistas de gravatas azuis conquistam o poder com tanta
facilidade porque suas ideias refletem a debilidade intelectual das massas, o
que torna quase impossível que alguém de ideias construtivas seja eleito.
As primeiras filas dos partidos políticos sempre serão ocupadas
por aqueles cujas ideais vagas e imperfeitas influenciam com facilidade,
aqueles que não têm dificuldades para despertar paixões e emoções nas massas e
nos demais colegas.
Hayek finaliza esclarecendo sobre um comportamento comum à
grande maioria dos seres humanos: A propensão a aceitar com muito mais
facilidade programas negativos – “o ódio a um inimigo ou a inveja aos que estão
em situação melhor” – do que um plano positivo, por exemplo, a potência
individual. A ideia de destruição da riqueza para a eliminação da pobreza é
muito mais assimilável do que o princípio de que cada pessoa deve perseguir
seus objetivos a partir de seus próprios talentos e esforços. A antítese “nós”
e “eles”, o incentivo à desconfiança de um grupo em relação ao outro, a
distinção de classe, de raça e de inclinação sexual são os ingredientes
essenciais da liderança dos demagogos sobre os simplórios. Não houve na
história humana um líder que não tenha se erguido por meio da identificação de
inimigos e da distinção dos “bons” e dos “maus”, dos “justos” e dos “injustos”,
o que sempre lhes deu liberdade para pregar e agir em nome do “bem” e da
“justiça” desenhados a partir de seus próprios valores, para suprir seus
próprios interesses. Hayek, falando sobre seu tempo, observou este fenômeno
como o responsável pelo sentimento antissemita e anticapitalista na Alemanha
nazista, o que é evidenciado nas publicações de autores como Werner Sombart,
Johann Plenge, Paul Lensch e Oswald Spengler.
De fato, essa percepção é um tanto desmotivante, o que me leva a
crer que a redução do Estado e de seu papel na vida das pessoas se dará a
partir de algum “acidente político”. Se nos Estados Unidos foi um ator (Reagan)
e no Reino Unido foi uma “dona de casa” (Thatcher) que colocaram certa ordem na
casa, quem sabe surja por aqui alguém que preze apenas o resultado das ideias,
não as intenções das ideias. Quem sabe um dia, por algum capricho da vida,
surja alguém tão distante do ideal popular que acabe sendo transformado numa
farra democrática e por isso seja eleito.
Se pudesse desenhar um perfil, eu desenharia um empresário bem
sucedido − ou seja, alguém que já tenha conquistado tudo o que um homem pode
conquistar por meio do trabalho – e que por vaidade e nada além disso queira
ser o responsável pela maior proeza que um ser humano pode almejar: administrar
o Estado como se administra uma empresa, sem se importar com a vida privada dos
clientes, preocupando-se apenas em garantir a liberdade e a paz das pessoas.
Instituto
Liberal
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