Juan Koffler
Costumo afirmar que a sociedade é burra e alienada,
e sou penalizado por muitos com duras palavras em razão disso. Mas afinal,
tenho ou não tenho razão? Sim, porque vivemos uma eterna farsa política que se
arrasta desde tempos antigos, mais precisamente desde há quinhentos anos.
Saliento desde já que esta premissa serve não apenas para o Brasil, mas também
para a maioria das nações do planeta, independentemente do tipo de governo que
possuam. Daí o título da minha tese de 1976: "O homem: esse projeto
mal-acabado". Nada mais acertado, modéstia à parte. Tanto assim é que,
transcorridas quatro décadas da minha defesa desta tese, ela se revela tão
atual quanto o era nos idos de 1970 e, pelo andar da carruagem, promete
manter-se incólume por mais oitenta, cem anos, até que a espécie humana se
consuma de vez e para sempre, livrando todo o restante da natureza do seu sofrimento
e permitindo-lhe, aí sim, frutificar, prosperar, sobreviver.
Desde priscas eras e com a figura assentada
de ZoonPolitikon (homem político) como "um mal necessário",
a sociedade humana (em sentido amplo, geral e irrestrito) sofre diuturnamente
as insanas consequências dessa infame "criação" degenerada em sua
conceituação original, denominada"política". Que diferenciação
poderia se atribuir a certos indivíduos para que estes decidam os destinos de
milhares, milhões de gentes? Dirão os mais ingênuos: a sociedade os
escolhe pelo voto democrático. Será? Afinal, não são esses mesmos que votaram
em seus candidatos os que hoje também enchem as ruas para protestar contra quem
eles elegeram? Um curioso e paradoxal contrassenso, convenhamos.
Esta situação paradoxal se repete nos quatro cantos
do planeta, ano após ano, década após década, século após século, e o que é
pior, sem qualquer alteração, indicando que, decididamente, há algo
de muito errado no reino humano. Todo e qualquer governo está fundamentado
num conluio político. Montesquieu, ao imaginar e criar a tripartição de
poderes (Legislativo, Executivo, Judiciário) em 1748, o fez visando a
organização do Estado, a segurança do cidadão (contra o autoritarismo) e o
equilíbrio da nação (poderes independentes, autônomos, com seus próprios
deveres e direitos em prol do bem comum, i.e., da sociedade).
E onde foi parar esta famigerada divisão de
poderes? Logo que nascida a brilhante criação montesquiana, seu destino
imediato foi, literalmente, a lata do lixo. Letra morta, sem qualquer
efeito prático, sem eficácia e efetividade reais. Uma incômoda falácia
social que perdura até os dias atuais;mentira repetida zilhões de vezes e
defendida à exaustão até alcançar um falso patamar alçado à condição de verdade
insofismável.
Não está a se contestar a necessidade da figura
legal da representatividade social, até em razão da viabilidade organizativa de
um conjunto de indivíduos humanos agrupados em núcleos geográficos. O que sim
se refuta, veementemente, é a sistemática operativa e regulamentar dessas
representatividades, no concernente à ingente dificuldade em destituí-la quando
caracterizada e comprovada sua inépcia ou desvio funcional, caracterizando a
prática de um crime tipificado como de lesa-pátria. É a partir deste momento
que se inicia uma verdadeira “via crúcis” interminável, procrastinadora,
criminosa contra a sociedade.
A mentira política
Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do insano
Adolf Hitler, usava afirmar:"Uma mentira repetida mil vezes torna-se
verdade", no que, convenhamos, cabia-lhe total e indiscutível razão. E a
política se enquadra à perfeição no universo dessa histórica frase. A mentira é
a arma dos covardes, é a estratégia dos hipócritas, é o fundamento dos falsos,
é o esteio dos homúnculos.
A mentira, olhada por outro ângulo, é a expressão
fiel da falta de caráter, de moral e de personalidade do ser humano, pois que
dela se serve o homem para, dolosamente, prejudicar e submeter seu
semelhante, induzindo-o a erro e forçando-o a permanecer nele. É um crime de
altíssimo poder ofensivo, tanto quanto o é o homicídio (porque sua ação aniquila o
livre-pensar/viver do ser humano), o latrocínio (porque rouba e mata a
personalidade do indivíduo), o estupro (porque força-o e submete-o por puro
prazer, levianamente, amoralmente).
A política, dessarte, é o palco da mentira
institucionalizada. Nada do que exsurge da expressiva maioria dos homens
públicos (políticos), é digno de credibilidade. São tão poucas as figuras
políticas que merecem respeito e admiração em razão dos seus perfis idôneos e
ilibados, que acabam sucumbindo ante a multidão ignara e difusa da expressiva
maioria alienada de indivíduos que, literalmente, se prostituem por migalhas,
trocam sua honra e sua moral por vinténs, são
verdadeiros zumbis sociais; não vivem, apenas vegetam; passam por
suas miseráveis existências sem deixar qualquer legado honrado aos seus
descendentes e à sociedade. São a escória da espécie humana.
"Já não é tão evidente como antes que o homem
seja a criatura superior da natureza, que seu lugar deva ser o de dominador e
de rei. Já não parece tão evidente que toda evolução o seja realmente, isto é,
comporte um progresso. Não parece tão evidente que as diferenças de certas
ordens entre as espécies impliquem nalgum tipo de superioridade e autorizem a
dominação, a depredação, a aniquilação dos outros" (OSPINA, 2012).
Sábias palavras deste estudioso colombiano. A
destrutiva classe política, associada à alienação humana e à total ausência de
responsabilidade de grandes parcelas da sociedade egocêntrica, autorizam a
afirmar que o homem é, efetivamente, um projeto mal-acabado(KOFFLER,
1976), a despeito de toda sua inteligência, racionalidade, criatividade, que
para nada lhe servem quando sua cobiça, seu egoísmo, sua gana de poder, o cegam
a ponto de atentar contra seu próprio semelhante, sua própria família, seus
descendentes, amigos, colegas.
Dentre as mais de oito milhões de espécies
catalogadas no planeta, o ser humano é a única que possui as características
que o classificam (erroneamente) como "racional e inteligente":
egocentrismo, egoísmo, inveja, sede de destruição, autofagia, etc. E o político
encontra-se no topo desta pirâmide humana. Ocupa o ápice da maldade humana às
custas de sociedades inteiras, submissas, alienadas, irresponsáveis, desumanas.
Que esperar da nossa sociedade humana?
Preliminarmente e ocupando o primeiríssimo lugar,
sua autodestruição, lenta, mas inexorável, finalística. Que esperança possui a
espécie humana? Absolutamente nenhuma, pois tudo se resume a uma questão de
tempo para que a sociedade dos homensimpluda, liberando da grosseira e
ininterrupta tortura todas as demais espécies e a sobrevida do planeta. Isto é
insofismável e qualquer bom observador já deve estar percebendo a aceleração
crescente deste movimento humano autofágico. Não existe nenhuma outra saída,
nem sequer a religião, que, em suas promessas mirabolantes de um paraíso em
outra instância (espiritual?), já deu provas mais que cabais de ser uma
monstruosa enganação, ornada de pompas, de riquezas inimagináveis, de mentiras
grotescas, de comportamentos ignóbeis, dentre tantos outros adjetivos que a
denigrem em seu cerne.
Seria tão fácil mudar este cenário humano, bastando
para tanto que a maioria dos indivíduos se conscientizassem das suas próprias
responsabilidades e assumissem as rédeas do seu destino como espécie. Mas não!
Não há este desejo, muito menos esta intenção. E apenas por um único
motivo: o de ser um projeto mal-acabado, falho, pífio, grotesco, eivado de
defeitos que orbitam um universo monstruoso de maldade, desamor, ódio, egoísmo,
inveja.
Quem viver, verá...
Notas:
KOFFLER-ANAZCO, Juan Y. O homem: esse projeto
mal-acabado [tese de doutorado]. Madri: UCM, 1976.
OSPINA, William. Es tarde para el hombre. Bogotá:
Mondadori, 2012.
Prof. Dr. Juan Y. Koffler A. –
Jurisconsulto, cientista social, filósofo, professor-orientador de Doutorado
(livre docente), escritor e articulista, criminólogo, humanista.
Alerta Total – www.alertatotal.net
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