Sérgio
Malbergier
Eduardo
Cunha é a salvação da esquerda ingênua ou crente. O papel do indefensável
presidente da Câmara no processo de impeachment tornou-se o único argumento
palatável de defesa de Dilma para aquela zona cinzenta, antes vermelha, de
esquerdistas que não conseguem mais se assumir petistas, dadas as evidências,
mas seguem envergonhada e subconscientemente apoiando este desgoverno, apesar
das evidências.
A
crença socialista, afinal, é muito forte, religiosa. Trata os fatos como
manifestação do que acredita, não como fatos. Assim, o fato de a grande maioria
dos brasileiros estar indignada com um governo incompetente e corrupto e querer
o seu fim antes que ele acabe com o que resta do Brasil é uma afronta à
democracia. Não é.
E não fosse a lerdeza da investigação dos
políticos na Lava Jato (na outra ponta, a operação já condenou 58 réus a mais
de 680 anos de prisão), Cunha não estaria comandando esse processo.
A
carta dos autointitulados artistas e intelectuais contra o impeachment é uma
breve demonstração dessa cegueira religiosa e messiânica que sempre marcou a
esquerda, especialmente a sul-americana (a europeia tinha pretensões mais
científicas e intelectuais). Vale a leitura, até porque, feita para as redes, é
ligeira e rasa, como seu argumento.
O
único ponto da "Carta ao Brasil" é o de que o impeachment ameaça a
democracia e deve ser repelido. Obviamente, não há nada de antidemocrático no
processo, previsto na Constituição, tocado pelo Congresso democraticamente
eleito e agora devidamente escrutinado e balizado pelo Supremo Tribunal
Federal.
Mais
importante do que os signatários da carta, são seus não-signatários. O alto
escalão das artes e da intelectualidade se absteve olimpicamente. Do primeiro
time, apenas Chico Buarque entrou na jogada. Podemos —devemos— discordar de
Chico, mas ele pelo menos mostra a cara em momento tão importante.
O
atual ciclo político da esquerda sul-americana começou em 1999 na Venezuela com
o messiânico Hugo Chávez. Depois vieram, em diferentes tons de vermelho,
Kirchner, Tabaré, Lula, Morales, Correa. Todos surfaram na onda de prosperidade
capitalista que varreu o mundo neste século até o crash de 2008. A exuberância
consumista capitalista, baseada na exploração dos proletários chineses pelo
Partido Comunista, gerou, entre outros benefícios, o superciclo de commodities
que valorizou os principais produtos de exportação dos países sob o socialismo
sul-americano do século 21.
Chávez,
por exemplo, estava sentado em reservas monumentais de petróleo no pico de sua
valorização e faturou centenas de bilhões de dólares exportando para os EUA,
"o grande Satã", seu maior cliente.
Foi
com esse dinheiro que se financiou na região um assistencialismo populista que
não fez quase nada para elevar a capacidade produtiva (de gerar riqueza) desses
países. Por isso, agora que as commodities afundam, seus governos caem como
repúblicas soviéticas.
Duas
semanas depois da vitória da oposição na Argentina, a derrota do chavismo nas
eleições de domingo na Venezuela foi estrondosa. Isso apesar do regime
autoritário que prendeu opositores, censurou a imprensa, manipulou o Judiciário
e fez o diabo na campanha.
O superciclo da esquerda na América do Sul
está chegando ao fim. O socialismo do século 21 não sobreviverá à sua segunda
década.
Se
o justo, constitucional e necessário processo de impeachment terminar com a
vitória do governo, teremos mais três anos de Dilma e poderemos ser, mais uma
vez, o último país a virar a página da história, como fomos o último a abolir a
escravidão e a derrubar a ditadura militar na região.
O
Brasil é lento. 2015 parece uma década. Será que o país aguenta mais três anos?
Folha de
São Paulo
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