Jessé
Torres
A síntese que mais se ouve de brasileiros que
retornam de temporadas na América do Norte é a de que “lá tudo funciona”, o
oposto do que se vê na América do Sul. Um complexo de causas e fatores
contribui para esse resultado. Mas não seria exagero dizer que todos brotam da
mesma raiz: a estabilidade dos valores consagrados na Constituição americana,
que é a mesma, com menos de 30 emendas, desde o século XVIII. O Estado
brasileiro está na oitava Constituição. A última das quais com quase cem
emendas, instabilidade que retrata e alimenta crises recorrentes.
O desenho das constituições de estados que se
pretendam democráticos deve resposta a três perguntas: como reconhecer e
hierarquizar os valores tidos como fundamentais pela sociedade?; qual o teor de
consentimento que é necessário para alterarem-se tais valores?; qual a forma de
expressão idônea desse consentimento? Entendendo-se como Estado democrático
aquele em que o governo é instituído com poderes derivados do consentimento dos
governados.
A Constituição americana só pode ser modificada com
consentimento de dois terços do Congresso e de três quartos dos estados da
federação. Isso não significa um antídoto infalível contra a tirania da
maioria, porém ajuda a prevenir a tirania das minorias oligárquicas ou das
maiorias rasas e oportunistas, aristocráticas ou populistas.
A crise que ora se apresenta aos olhos do povo
brasileiro nada mais é do que o resultado de respostas insatisfatórias àquelas
três perguntas: o povo, desinformado ou mal formado, não se une em torno de
valores que reconheça como fundamentais. Se falta o consenso ético, torna-se
precário qualquer modelo de alteração do consentimento nacional para
respeitarem-se ou alterarem-se tais valores; a prevalência de tal ou qual pauta
é contingente e sujeita à engenharia de maiorias eventuais e comprometidas com
interesses egoísticos, se não escusos ou ocultos, ou ocultos porque escusos.
Como consolo (?!), recorde-se que interesses
egoísticos acompanham a natureza humana em qualquer tempo. Basta recordar que
Thomas Lefferson escreveu, na Declaração de Independência das colônias
americanas, que todos os homens são criados iguais, titulares de direitos
inalienáveis, entre os quais a liberdade e a busca da felicidade, e que, por
isso mesmo, sempre que qualquer governo se torne deles destrutivo, é direito do
povo substituí-lo por outro que os respeite. Mas Jefferson, contam os
historiadores, acordou com seus pares a permanência da escravidão como
manifestação legítima do direito de propriedade protegido pela Constituição,
sendo, ele próprio, dono de escravos.
A Constituição deve transparecer um pacto
consistente ou uma esperança manipulável? Que a nossa venha a estabilizar os
valores da nacionalidade e da convivência, consciente e sem exclusões. E,
então, tudo, ou quase tudo, poderá vir a funcionar bem nas relações entre a
sociedade, o estado e os poderes constituídos, que a cumprirão e farão cumprir.
Jessé
Torres Pereira Júnior
Desembargador
e professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
A Voz do Cidadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário