Denis Lerrer Rosenfield
O
governo petista desconhece o princípio lógico da não contradição. Suas atitudes
são contraditórias entre si. Não em poucos casos denotam completa falta de
sentido. Não é, pois, de estranhar que suas políticas primem pela desorientação
mais extrema. A ausência de pensamento é seu norte.
Os
argumentos utilizados contra o impeachment chegam a ser risíveis. Alardeiam
como sendo um golpe um instituto de nossa própria Constituição.
1.º
– Se o impeachment é golpe, os golpistas são os petistas, a começar pelo ministro-chefe
da Casa Civil, Jaques Wagner, que defendeu o impeachment dos presidentes Itamar
Franco e Fernando Henrique Cardoso. O mesmo vale para o ex-governador do Rio
Grande do Sul Tarso Genro, que até em artigo publicado na Folha de S.Paulo
também defendeu o impeachment de Fernando Henrique. Não sem razão os senadores
Lasier Martins e Ana Amélia Lemos demonstraram no Senado, ao divulgarem esses
fatos, a sua mais total indignação.
2.º
– Não faltam petistas disfarçados de intelectuais, ou vice-versa, que apresentam
como pretenso argumento a suposta ingovernabilidade resultante do processo de
impeachment. Só que a ingovernabilidade foi produzida pelo atual governo. Nela
já vivemos. Ora, o impeachment do presidente Fernando Collor terminou por
resolver um problema de ingovernabilidade, assumindo o seu vice, Itamar Franco,
que realizou um governo de unidade nacional. Lá se originou o Plano Real,
elaborado pela equipe de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso,
que o concretizou quando se elegeu presidente. Saiu um novo Brasil, que
assentou as bases, aliás, do primeiro mandato do presidente Lula.
3.º
– O Brasil vê-se diante de situação análoga à de Collor. O desgoverno Dilma já
chegou ao limite, levando o País a condição extremamente perigosa, com o PIB
afundando cada vez mais, o desemprego e a inflação aumentando, na ausência de
soluções e na quebra total de expectativas. A corrupção e o desvio de recursos
públicos estouram de todos os lados. Estão, nesse sentido, dadas as condições
para que assuma o vice-presidente Michel Temer, num governo de unidade
nacional, voltado para a pacificação do País. Uma nova equipe ministerial e uma
injeção responsável de esperança e mudança propiciariam o nascimento de outro
País.
4.º
– O impeachment é um instituto democrático, que faz parte da nossa
Constituição. Qualificar o impeachment como golpe significa considerar a
própria Constituição como golpista, o que não faz nenhum sentido. Contudo a
busca de sentido não parece fazer parte dos que sustentam tal posição. Primam
pela não aplicação do princípio de não contradição, fazendo-os assumir posições
francamente insensatas.
5.º
– Qualificar o processo de impeachment como viciado por ter sido iniciado pelo
deputado Eduardo Cunha é outra pérola de má-fé. O deputado agiu como presidente
da Câmara, no exercício de suas funções, no respeito à Constituição. Ele não
fez nenhum julgamento, apenas deflagrou o processo a partir de um pedido
assinado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. O
que está, doravante, em questão é a argumentação apresentada. Desviar o foco
para as atribulações do deputado na Comissão de Ética é somente a expressão de
um artifício político para distrair a atenção da questão central do desgoverno
Dilma.
6.º
– Note-se que não cabe ao presidente da Câmara nem à própria Câmara julgar, no
sentido estrito, o impeachment, na medida em que essa atribuição é exclusiva do
Senado. O juízo da Câmara não é propriamente de mérito, mas tão somente de
admissibilidade a partir de uma Comissão Especial, que passa a seguir seu
próprio procedimento. Nela, e depois no plenário, é que se desenrola, a rigor,
o jogo das forças políticas, em que os argumentos dos diferentes lados serão
esgrimidos. E esse jogo tem como base o pedido de impeachment apresentado pelos
juristas seus autores.
7.º
– O impeachment é um instituto do regime presidencialista, analogicamente
concebido como uma forma do voto de desconfiança que caracteriza os regimes
parlamentaristas. Em ambos, trata-se de um juízo sobre o mau governo, chamando
os que o exercem à responsabilização. Ou seja, o impeachment é aventado em
situações extremas de mau governo, com infrações, entre outras, à Lei
Orçamentária (Lei da Responsabilidade Fiscal, no caso das “pedalas fiscais” e
de decretos sem base orçamentária, não autorizados pelo Congresso) e à
improbidade administrativa (omissão no petrolão, por exemplo, independentemente
de a presidente ter aproveitado pessoalmente ou não da corrupção).
8.º
– Nesse aspecto, no impeachment é impropriamente nomeado o “crime”, por não se
tratar de crime no sentido penal, mas chamar a presidente à sua
responsabilização por atos cometidos em sua gestão. Frise-se que se trata da
responsabilização administrativa e política de nossa governante máxima, algo
que pode ou não estar conectado com um crime no sentido penal, que seria,
então, julgado pelo STF, e não pelo Senado. Ou seja, o motivo do impeachment é
apenas analogicamente considerado “crime” à falta de termo melhor, por não
compartilhar os elementos básicos do crime penal. Logo, o argumento de que a
presidente é “honesta” nada tem que ver com o crime de “responsabilidade”. É
mera distração política.
Em
suma, o impeachment é um julgamento eminentemente político, chamando, no caso,
a presidente à responsabilização por seus atos, que mergulharam o País nesta
enorme crise. Como bem pontuou o saudoso ex-ministro Paulo Brossard, em seu
livro Impeachment, “a ideia de responsabilidade é inseparável do conceito de
democracia. E o impeachment constituiu eficaz instrumento de responsabilidade
e, por conseguinte, de aprimoramento da democracia”.
Denis Lerrer
Rosenfield
Professor
de Filosofia na UFRGS.
Estadão: 14/12/2015.
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