Samuel Pessôa
A
primeira Guerra Mundial, iniciada em outubro de 1914, deu fim a longo período
de globalização no mundo, liderada pelo poder de polícia sobre os mares da
Inglaterra e por várias mudanças técnicas, como o telégrafo e o navio de metal
a vapor. Esses fatores impulsionaram o desenvolvimento de diversas periferias:
Sudeste brasileiro, Argentina, Chile, Austrália e Nova Zelândia, além das
economias americana e canadense. As periferias exportavam bens primários e
importavam bens manufaturados da Europa.
Em
seguida à Primeira Guerra, houve seis décadas de fechamento das economias. Em
meados dos anos 1970, inicia-se a segunda globalização pós-Revolução
Industrial.
Foi
somente no final dos anos 1980 e no início dos 1980 que os níveis de comércio e
mobilidade de capital ultrapassaram aqueles observados na "belle
époque". A grande diferença da atual globalização em relação a anterior é
a existência de comércio de bens em processo: as redes globais de valor
permitem que diferentes etapas do processo produtivo de um bem ocorram em
diferentes localidades.
A grande
globalização produziu inúmeros ganhadores. Os maiores foram os habitantes da Ásia,
continente com 1/3 da humanidade, que experimentou fortíssima queda da pobreza.
De fato, testemunhamos nas últimas décadas a maior redução de pobreza da
história.
Outro
grupo de ganhadores foram os ricos dos países do Atlântico norte. A enorme ampliação
dos mercados propiciada pela globalização aumentou a escala de diversas
empresas e explica em parte, ao menos, os ganhos exorbitantes de presidentes de
corporações e do mercado financeiro.
Também
há o fenômeno dos grandes ganhadores que levam tudo ("winner takes
all"), como é o caso do aumento dos rendimentos de artistas e esportistas
de primeira grandeza em razão do aumento do mercado propiciado pela
globalização: Neymar ganha muito mais do que ganhou Pelé, pois hoje o mundo
para e assiste quando o Barcelona joga.
O grande
perdedor da globalização foram os trabalhadores das classes médias dos países
desenvolvidos. Não conseguem competir com a produtividade do trabalhador
asiático. No setor de serviços desqualificado, sofrem com a competição dos trabalhadores
latinos.
O
sistema educacional americano, que até quatro décadas atrás era uma máquina de
equalizar oportunidades, não consegue mais preparar o filho desse trabalhador
branco de média escolaridade para competir com os filhos dos ricos por bons
empregos no Vale do Silício.
Resultado:
a renda mediana, isto é, a renda da família que está no meio da distribuição de
renda norte-americana, encontra-se estagnada desde meados dos anos 1970,
aproximadamente.
Como
notou meu colega João Manuel, que escreve quinzenalmente às sextas-feiras neste
espaço, a política não conseguiu produzir um pacote que compensasse os
perdedores da grande globalização. A melhor saída seria apostar na qualidade da
educação. Não ocorreu.
Certamente
trata-se de diagnóstico fácil de fazer e difícil de executar.
De
qualquer forma, a conta chegou. Os perdedores silenciosos elegeram presidente
bem rumoroso. Talvez uma nova era de fechamento dos mercados esteja começando.
O Brasil
escolheu ficar fora da festa da globalização. Talvez não dê mais tempo de
entrar.
Folha de S. Paulo
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