Cristiano Romero
(*)
Assim como Bush, Dilma destruiu legado e produziu supercrise
Quando em 2000, o então secretário do Tesouro americano Larry Summers anunciou um cronograma que, se devidamente cumprido, teria eliminado a dívida pública dos Estados Unidos em 2013, o mundo se viu diante de um novo paradigma. O outrora superendividado Tesouro da maior economia do planeta não deveria mais um centavo a ninguém. O Estado americano financiaria suas atividades apenas com o que arrecadasse em impostos dos cidadãos.
É desafiador pensar nas consequências - definitivamente, positivas! - que o plano de Summers teria para os EUA e o restante do mundo. Então no comando do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, Alan Greenspan, disse, em depoimento ao Congresso, que o fim da dívida pública criaria um belo desafio para a autoridade monetária: como calcular a taxa de juros de referência da economia?
Tanto nos Estados Unidos quanto aqui e alhures, a taxa básica de juros é calculada com base no custo de financiamento do Estado - é por essa razão que, toda vez que você considerar o juro alto demais, dirija sua reclamação ao Tesouro e não ao Banco Central (BC); quanto mais perdulário é o governo com o dinheiro arrecadado a partir de seus impostos, maior é a taxa de juros que você é obrigado a pagar.
No depoimento ao Congresso, Greenspan supôs que, sem ter como se referenciar nos prêmios oferecidos por títulos da dívida americana, o Fed teria que calcular os juros a partir dos prêmios pagos nos papéis emitidos por empresas privadas. Isso deflagraria uma corrida por governança, uma vez que as empresas, para participar da amostra, teriam que melhorar ainda mais seus padrões de gestão para convencer o Fed e o público de que são confiáveis. Haveria uma disputa por qualidade, base de uma competição por capital.
O resultado do novo paradigma seria luminoso: sem ter mais que financiar o governo americano, os investidores - não só os dos EUA, mas do mundo todo - aplicariam seu dinheiro em ações e títulos das companhias. Os juros cairiam e isso favoreceria os investimentos no setor produtivo. Haveria um incentivo a que mais empresas abrissem o capital, o que ajudaria a democratizar o acesso do cidadão comum aos rendimentos das boas empresas.
Os EUA, por decorrência, seriam copiados, do contrário, os fluxos de capital tenderiam a seguir apenas em sua direção. Desde sempre, quando o Fed eleva os juros, dinheiro do mundo todo bate em revoada para a dívida americana. Mesmo oferecendo juros muito baixos, os EUA atraem esses recursos porque os aplicadores julgam que título americano é o que há de mais seguro no planeta. Na hipótese de um país sem dívida, os investidores aplicariam em empresas americanas, obtendo retorno mais alto e provavelmente segurança comparável, uma vez que essas companhias estariam - já estão, a bem da verdade - sob rigoroso escrutínio das autoridades.
O plano de eliminação da dívida era o ápice de uma mudança mais profunda pela qual a economia americana atravessava naquele momento. Quando assumiu a presidência, em 1993, o democrata Bill Clinton foi convencido por seus assessores a mudar o paradigma de seu partido, que tradicionalmente patrocinou políticas de expansão fiscal, sob a justificativa de supostamente melhorar o bem-estar da população, especialmente dos mais pobres. Com o fim da Guerra Fria, criou-se uma oportunidade para um corte drástico no gasto militar, que à época consumia cerca de 4% do Produto Interno Bruto.
Clinton aumentou impostos, principalmente dos mais ricos, cortou gastos e começou a gerar superávits nas contas públicas. A estratégia facilitou a vida do Fed, que, diante de um governo que controlava seus gastos, não precisou aplicar hiperdoses de juros para controlar a demanda agregada. Os juros da economia recuaram e os EUA experimentaram o mais longo período de prosperidade de sua história - bastante favorecido também, registre-se, pelo boom tecnológico dos anos 90.
Se havia alguma dúvida de que ter as contas públicas em ordem é pré-condição para o crescimento sustentável - leia-se, constante, estável, por um longo período -, deixou de existir ali. O processo foi tão auspicioso que Larry Summers projetou o futuro imediato: naquele ritmo de geração de superávits fiscais, seria possível estabelecer um cronograma para eliminar de vez a dívida pública.
Mas eis que o republicano George W. Bush ganhou a eleição de 2000 de forma suspeita, tendo recebido menos votos populares que o oponente Al Gore, e, instalado no poder, mudou tudo. Diminuiu os impostos dos ricos, acabou com a política de geração de superávits e, pedindo motivo para atacar outros países, elevou o orçamento militar. Beneficiário dos juros baixos da política de Clinton, fez barbaridades que, ao fim e ao cabo, produziram, em 2007 e 2008, a mais grave crise financeira desde a Grande Depressão, de 1929.
Bush quebrou um paradigma dos republicanos, que, defensores de uma menor intervenção do Estado na economia, sempre propugnaram por uma carga tributária menor e pelo controle dos gastos públicos - é bom lembrar que Clinton só pôde fazer o que fez porque fechou acordo com os republicanos, curiosos com aquele democrata "fiscalista". Coube ao sucessor de Bush, Barack Obama, um democrata mais à esquerda, pôr as contas em dia e retomar algumas políticas de Clinton.
Deve-se esperar que o republicano Donald Trump mude tudo novamente, ressuscitando o bushismo gastador e irresponsável? Difícil saber, mas, sendo ele um "outsider", um republicano sem compromisso com as bandeiras históricas do partido, essa possibilidade é real, afinal, ele foi eleito com esse discurso. Por outro lado, a ampla vitória republicana nas duas casas do Congresso e o avanço nos Estados deverão atuar como um freio às pretensões mais lunáticas do presidente eleito.
O paralelo que se pode fazer com a realidade brasileira é que Lula, ao chegar ao poder em 2003, adotou a política econômica de seu antecessor, colocou a casa em ordem, ganhou credibilidade, permitindo que a economia tirasse vantagem do forte boom da economia mundial. Nunca o Brasil tinha crescido tanto e com a inflação razoavelmente sob controle quanto nos oito anos de Lula (retirados, claro, os efeitos de sua chegada e da crise mundial). Sua sucessora, Dilma Rousseff, como Bush, mudou e errou tudo, produzindo a mais longa recessão da história do país.
Valor Econômico
Assim como Bush, Dilma destruiu legado e produziu supercrise
Quando em 2000, o então secretário do Tesouro americano Larry Summers anunciou um cronograma que, se devidamente cumprido, teria eliminado a dívida pública dos Estados Unidos em 2013, o mundo se viu diante de um novo paradigma. O outrora superendividado Tesouro da maior economia do planeta não deveria mais um centavo a ninguém. O Estado americano financiaria suas atividades apenas com o que arrecadasse em impostos dos cidadãos.
É desafiador pensar nas consequências - definitivamente, positivas! - que o plano de Summers teria para os EUA e o restante do mundo. Então no comando do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, Alan Greenspan, disse, em depoimento ao Congresso, que o fim da dívida pública criaria um belo desafio para a autoridade monetária: como calcular a taxa de juros de referência da economia?
Tanto nos Estados Unidos quanto aqui e alhures, a taxa básica de juros é calculada com base no custo de financiamento do Estado - é por essa razão que, toda vez que você considerar o juro alto demais, dirija sua reclamação ao Tesouro e não ao Banco Central (BC); quanto mais perdulário é o governo com o dinheiro arrecadado a partir de seus impostos, maior é a taxa de juros que você é obrigado a pagar.
No depoimento ao Congresso, Greenspan supôs que, sem ter como se referenciar nos prêmios oferecidos por títulos da dívida americana, o Fed teria que calcular os juros a partir dos prêmios pagos nos papéis emitidos por empresas privadas. Isso deflagraria uma corrida por governança, uma vez que as empresas, para participar da amostra, teriam que melhorar ainda mais seus padrões de gestão para convencer o Fed e o público de que são confiáveis. Haveria uma disputa por qualidade, base de uma competição por capital.
O resultado do novo paradigma seria luminoso: sem ter mais que financiar o governo americano, os investidores - não só os dos EUA, mas do mundo todo - aplicariam seu dinheiro em ações e títulos das companhias. Os juros cairiam e isso favoreceria os investimentos no setor produtivo. Haveria um incentivo a que mais empresas abrissem o capital, o que ajudaria a democratizar o acesso do cidadão comum aos rendimentos das boas empresas.
Os EUA, por decorrência, seriam copiados, do contrário, os fluxos de capital tenderiam a seguir apenas em sua direção. Desde sempre, quando o Fed eleva os juros, dinheiro do mundo todo bate em revoada para a dívida americana. Mesmo oferecendo juros muito baixos, os EUA atraem esses recursos porque os aplicadores julgam que título americano é o que há de mais seguro no planeta. Na hipótese de um país sem dívida, os investidores aplicariam em empresas americanas, obtendo retorno mais alto e provavelmente segurança comparável, uma vez que essas companhias estariam - já estão, a bem da verdade - sob rigoroso escrutínio das autoridades.
O plano de eliminação da dívida era o ápice de uma mudança mais profunda pela qual a economia americana atravessava naquele momento. Quando assumiu a presidência, em 1993, o democrata Bill Clinton foi convencido por seus assessores a mudar o paradigma de seu partido, que tradicionalmente patrocinou políticas de expansão fiscal, sob a justificativa de supostamente melhorar o bem-estar da população, especialmente dos mais pobres. Com o fim da Guerra Fria, criou-se uma oportunidade para um corte drástico no gasto militar, que à época consumia cerca de 4% do Produto Interno Bruto.
Clinton aumentou impostos, principalmente dos mais ricos, cortou gastos e começou a gerar superávits nas contas públicas. A estratégia facilitou a vida do Fed, que, diante de um governo que controlava seus gastos, não precisou aplicar hiperdoses de juros para controlar a demanda agregada. Os juros da economia recuaram e os EUA experimentaram o mais longo período de prosperidade de sua história - bastante favorecido também, registre-se, pelo boom tecnológico dos anos 90.
Se havia alguma dúvida de que ter as contas públicas em ordem é pré-condição para o crescimento sustentável - leia-se, constante, estável, por um longo período -, deixou de existir ali. O processo foi tão auspicioso que Larry Summers projetou o futuro imediato: naquele ritmo de geração de superávits fiscais, seria possível estabelecer um cronograma para eliminar de vez a dívida pública.
Mas eis que o republicano George W. Bush ganhou a eleição de 2000 de forma suspeita, tendo recebido menos votos populares que o oponente Al Gore, e, instalado no poder, mudou tudo. Diminuiu os impostos dos ricos, acabou com a política de geração de superávits e, pedindo motivo para atacar outros países, elevou o orçamento militar. Beneficiário dos juros baixos da política de Clinton, fez barbaridades que, ao fim e ao cabo, produziram, em 2007 e 2008, a mais grave crise financeira desde a Grande Depressão, de 1929.
Bush quebrou um paradigma dos republicanos, que, defensores de uma menor intervenção do Estado na economia, sempre propugnaram por uma carga tributária menor e pelo controle dos gastos públicos - é bom lembrar que Clinton só pôde fazer o que fez porque fechou acordo com os republicanos, curiosos com aquele democrata "fiscalista". Coube ao sucessor de Bush, Barack Obama, um democrata mais à esquerda, pôr as contas em dia e retomar algumas políticas de Clinton.
Deve-se esperar que o republicano Donald Trump mude tudo novamente, ressuscitando o bushismo gastador e irresponsável? Difícil saber, mas, sendo ele um "outsider", um republicano sem compromisso com as bandeiras históricas do partido, essa possibilidade é real, afinal, ele foi eleito com esse discurso. Por outro lado, a ampla vitória republicana nas duas casas do Congresso e o avanço nos Estados deverão atuar como um freio às pretensões mais lunáticas do presidente eleito.
O paralelo que se pode fazer com a realidade brasileira é que Lula, ao chegar ao poder em 2003, adotou a política econômica de seu antecessor, colocou a casa em ordem, ganhou credibilidade, permitindo que a economia tirasse vantagem do forte boom da economia mundial. Nunca o Brasil tinha crescido tanto e com a inflação razoavelmente sob controle quanto nos oito anos de Lula (retirados, claro, os efeitos de sua chegada e da crise mundial). Sua sucessora, Dilma Rousseff, como Bush, mudou e errou tudo, produzindo a mais longa recessão da história do país.
Valor Econômico
(*)Comentário do editor do
blog-MBF: uma ressalva. Lulla não
manteve, no segundo mandato, a disciplina fiscal. Já sob os holofotes do “Mensalão”,
ele e sua quadrilha apelaram.
No mais, o texto mostra de forma
clara, as vantagens, em todos sentidos, da disciplina fiscal.
É isto que eu defendo com todas as
letras em Capitalismo Social. Com a carga de impostos que o trabalhador e as
empresas brasileiras enfrentam, os governantes não precisariam mais, em poucos
anos, de empréstimos, salvo para uma ou outra grande obra.
O principal problema, que nem sequer
foi enumerado no artigo, é o gasto público, em todos os níveis, com as folhas
de pagamento. O empreguismo é escancarado, vergonhoso.
Isto já deveria ser tratado crime,
mas como não é, dalí para os altos salários, benesses, roubo puro e simples, é
um passo.
Esperar que este Congresso, essas
Assembléias e Câmaras Municipais vão mudar este estado de coisas, com este
sistema político/eleitoral, é continuar acreditando em milagre.
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