Carlos Alberto
Sardenberg
• Voltamos ao final dos anos 90,
quando o governo FH liderou uma ampla renegociação de dívidas dos estados
Estados
precisam refazer o ajuste dos anos 90. Não foram todos os governadores
estaduais, claro, mas muitos deles tentaram empurrar a conta para o governo
federal. Pensaram mais ou menos assim: o presidente Temer precisa de apoio para
se segurar no cargo; nós, governadores, temos força junto às bancadas de
deputados e senadores; logo, por que não trocar apoio por dinheiro?
Dinheiro,
sobretudo, para colocar em dia os vencimentos do funcionalismo, ativos e
inativos. E também para aliviar as dívidas.
Em algum
momento, pareceu que iam conseguir. Há coisa de dois meses, o Congresso aprovou
um pacote de renegociação de dívidas bastante favorável aos governos estaduais,
na linha de um acordo que estava em andamento no governo Dilma. Na ocasião, o
ministro Henrique Meirelles tentou enfiar no pacote alguns compromissos dos
estados com o ajuste de longo prazo, como a proibição de aumentos salariais nos
próximos anos.
Nas
conversas, os governadores até toparam. Mas não fizeram nada na hora da
votação, não se empenharam com as “suas” bancadas. E os compromissos acabaram
sendo descartados por Meirelles e o presidente Temer, porque iam perder no
voto.
Até aí,
muitos governadores achavam que:
1 —
Brasília arranjaria dinheiro para a maior parte do ajuste (o Rio não conseguira
quase R$ 3 bilhões?);
2 — o
governo federal seria, perante os servidores e a população, o “culpado” pelas
amargas medidas de ajuste.
Enquanto
rolava essa história, o governo federal também aceitava alguns reajustes
salariais para categorias já bem remuneradas e, sobretudo, o presidente Temer
se via na obrigação de defender ministros e auxiliares de algum modo envolvidos
nas investigações da Lava-Jato e nas ações paralelas, que hoje se espalham por
varas da Justiça Federal.
O clima
piorou — e isso apareceu nos indicadores de confiança. Como é que o governo
conseguiria fazer o ajuste nas contas nacionais se não conseguia aplicá-lo para
os estados e ainda se desgastava defendendo políticos em atitudes, digamos,
duvidosas?
Pelo
menos no que se refere à relação com os estados, a situação mudou nesta semana.
O pacto firmado pelo governo federal e pelos estaduais tem um princípio básico:
os estados terão apoio se e quando se empenharem efetivamente em um ajuste
estrutural de suas contas.
O pacto
está no plano das intenções, precisa ser formalizado e aprovado em assembleias
legislativas e no Congresso, o que não é simples, mas as linhas do ajuste foram
especificadas: redução do gasto com pessoal e renegociação de dívida
condicionada à apresentação de garantias reais. Ou seja, os governos estaduais
terão que entregar ativos, estatais, por exemplo, em troca de dinheiro novo.
E assim
voltamos ao final dos anos 90, quando o governo FH liderou uma ampla
renegociação de dívidas dos estados, vinculada a um rigoroso programa de ajuste
fiscal. Os então ministros Pedro Malan e Pedro Parente trabalharam
pacientemente nesse pacto, hoje apresentado no mundo econômico como um modelo
de ajuste fiscal dos entes federados.
Isso
colocou os estados na linha por muitos anos. Eram obrigados fazer superávit
primário porque tinham de pagar prestações mensais ao governo federal. Se não
pagassem, não receberiam sua parte nos impostos federais.
O
afrouxamento começou nos governos de Lula (no segundo mandato) e de Dilma.
Neste último, o então ministro Mantega foi pródigo em abrir cofres para os
estados, assim como torrou o dinheiro federal, driblando regras para permitir
novos endividamentos.
Aconteceu
o mesmo em todo o setor público: a despesa cresceu acima da inflação e acima da
expansão das receitas. Claro que há estados razoavelmente ajustados, mas todos
precisam voltar a práticas mais rigorosas de controle das contas públicas,
depois do “liberou geral” da era Dilma.
Tem aqui
um lado positivo e outro negativo. O positivo é que dá para fazer. Sabemos
disso porque já foi feito uma vez.
O lado
negativo está aí mesmo: as finanças públicas estavam ajustadas, depois de anos
de esforço, e se jogou tudo fora.
Hoje,
como antes, a necessidade conta mais que virtude. Não é que políticos dedicados
a ampliar gastos de repente tenham se convertido à austeridade. Simplesmente
acabou o dinheiro. E não dá para colocar a culpa em Brasília, no FMI ou nas
elites.
Temer e
Meirelles ganharam pontos nesta semana. Mas isso está apenas começando. Há uma
complicada engenharia financeira pela frente, mas é disso que depende a
recuperação da economia brasileira.
E,
claro, de como o presidente Temer vai lidar com uma situação provável, a de
seus auxiliares sendo apanhados na Lava-Jato.
Por ora,
pode-se perdoar o presidente Temer por tolerar Renan e outros. Ele precisa
disso para votar a PEC do teto dos gastos antes do recesso parlamentar. Pode-se
dizer: Renan tem vida útil de apenas mais um mês na presidência do Senado. Se
ajudar na votação...
Mas a
tolerância com Temer, de parte da sociedade, também é provisória.
O Globo
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