Ives Gandra da Silva Martins
Criada pelo Senado Federal, sob a
presidência do ministro Mauro Campbell e relatoria do ministro Dias Toffoli, a
Comissão de Desburocratização, que conta com participação de ilustres
personalidades do meio acadêmico e administrativo, após inúmeras reuniões
físicas e virtuais, aprovou texto de anteprojeto que será encaminhado aos
senhores senadores.
A proposta da comissão, elaborada por
Aristóteles de Queiroz Câmara, é de real simplificação, em nível de princípios
gerais e normas cogentes, do emaranhado legislativo que torna a burocracia
brasileira das mais complexas e ineficientes em todo o mundo.
A desconfiança do “administrador
público” em relação ao “administrado”, expressões que já demonstram um
preconceito aristocrático dos detentores do poder, foi, através do tempo,
criando mecanismos cada vez mais complicados para controlar a vida do cidadão,
ao ponto de hoje ser preciso, para conseguir qualquer autorização
governamental, de um especialista para orientá-lo.
O cidadão brasileiro deixou de ser o
verdadeiro destinatário dos direitos e garantias constitucionais para, por
força do confuso direito administrativo, tornar-se um autêntico escravo, ou
como diria Diogo Leite de Campos, um “cidadão objeto”.
À evidência, o excesso de controle e
de desconfiança do poder público gera também maior corrupção, pois muitos
agentes públicos usam do poder de dizer sim ou não, no prazo que desejarem,
para obter vantagens indevidas. Quando se fala em “corrupção”, de rigor, a
figura correta seria “concussão”, pois se trata de crime praticado pelo
servidor público e não pelo cidadão.
O que se pretende no anteprojeto da
comissão, da qual tenho a honra de participar, é simplificar a vida do
brasileiro, a fim de que possa não ser um escravo de exigências burocráticas,
mas o verdadeiro destinatário das normas constitucionais. O princípio dominante
é que a administração nele confie e não, como atualmente, dele desconfie em
todas as suas atividades.
A administração pública deve ser
orientadora das condutas do cidadão, e não seu gendarme orwelliano.
Todo o anteprojeto é simplificador.
Não se tira à Administração Pública o direito de administrar e ter no cidadão
um participante, mas como colaborador e não, como atualmente, servidor não
remunerado de obrigações inúteis.
O anteprojeto é denominado de
“Estatuto da Desburocratização” e, nos seus 56 artigos, descomplica
consideravelmente a vida da “pessoa não governamental”, sem desguarnecer o
poder público de instrumentos de controle não multiplicados inutilmente, mas
instituídos em sua essencialidade.
Entre os princípios, o artigo 3º
consagra a presunção de boa-fé do administrado (preferiria a expressão de
cidadão ou residente) e valoriza a arbitragem nas divergências administrativas.
Certidões, declarações e documentos
comprobatórios que, na atualidade são inumeráveis, para mostrar que o cidadão
existe, são consideravelmente reduzidos, e o custo desta documentação, por ser
bem menor, não representará mais pagamentos de emolumentos multiplicados,
principalmente nas exigências de apresentação de documentos idênticos em locais
diversos.
Os direitos da cidadania poderão ser
exercidos com eficácia e não mais subordinados a uma rotina de indiferentes
procedimentos burocráticos.
Da mesma forma, os bancos de dados,
registros, assim como os processos e procedimentos, serão simplificados para
facilidade de administração e do administrado. As sanções serão tanto
aplicáveis a administrado como a administrador, que violem o estatuto ou as
condutas nele postas.
Trata-se, pois, de uma proposta a ser
examinada pelo Senado, depois de um longo trabalho da comissão. Espera, a
comissão, que o Senado, que a criou, seja sensível ao trabalho pro
bono de seus componentes, nesta busca de tornar a nação um país mais
competitivo, com o Estado mais servindo ao cidadão, do que dele se servindo
para manter estruturas de há muito ultrapassadas.
Ives Gandra da Silva Martins
Jurista.
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