ANDRÉS MOURENZA
(*)
Retaliação a tentativa de golpe
prejudica familiares dos demitidos, condenados a trabalhar para sempre
Como se
explica a um filho o que é um expurgo? O turco Yimaz Yildirimci,
é claro, não sabe como fazer isso. Em 22 de novembro seu nome apareceu em uma
lista do Boletim Oficial do Estado e, da noite para o dia, perdeu seu emprego
como cartógrafo na Prefeitura de Mamak (Ancara), onde trabalhou por 26 anos.
“Não dá para explicar aos meus filhos. O menor, de 5 anos, me perguntava:
Papai, por que você não vai trabalhar?”, conta: “E o que eu ia dizer? Se nem eu
mesmo sabia a razão. Então, o menino começou a pensar que eu tinha sido
demitido porque leio muitos livros. E ele começou a ter medo dos livros”.
Ninguém
deu nenhuma explicação ao cartógrafo Yildirimci, nem aos mais de 130.000
funcionários demitidos ou suspensos do trabalho desde que o expurgo começou após o golpe de
Estado fracassado no verão passado.
Trata-se
de uma decisão administrativa contra a qual também se proibiu qualquer recurso
judicial, de acordo com um recente decreto-lei aprovado pelo Governo islâmico
do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), que impede também que recorram
ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. “Isso
vai contra a Constituição, as leis do estado de emergência e todos os
acordos internacionais assinados pela Turquia”, denuncia o sindicalista Sinan
Ok, ex-funcionário do Escritório Nacional de Emprego, de onde também foi
demitido: “Não é uma sanção legal. É uma punição coletiva”.
Perguntando
entre seus companheiros, o cartógrafo de Mamak conseguiu descobrir que na ficha
de trabalho enviada ao Ministério do Interior aparecia sua participação em
várias atividades como delegado do sindicato TÜM BEL-SEN, todas realizadas
dentro do marco legal e que nada têm a ver com o que, nas palavras do
Executivo, deveria ser o objetivo do expurgo: limpar da Administração os
membros da irmandade de Fethullah
Gülen, que é acusado de ser o responsável pelo golpe militar. “Está
claro que a Prefeitura não gostava das nossas atividades sindicais, mas durante
todos esses anos nunca reclamaram de mim. Além disso, o prefeito, que é do AKP,
me deu dois prêmios pelo meu bom trabalho “, diz Yildirimci.
Como foi
fechado o caminho legal de apelação, o Governo estabeleceu um “comitê imparcial
que vai rever todos os casos”, diz a deputada governista Ravza Kavakçi. Mas,
segundo o sindicalista Ok, este comitê, composto por 7 pessoas das quais 5
serão nomeadas pelo Governo e cujo mandato será de dois anos, “não vai
funcionar”: “Se tiverem que examinar 200.000 reivindicações nesse período, não
poderão gastar mais do que cinco minutos em cada caso. É um processo pouco
transparente. “
Os
funcionários demitidos se queixam de terem sido condenados à “morte civil”. Os
40.000 professores e acadêmicos demitidos são proibidos de ensinar nas
escolas e universidades públicas ou privadas. Os 4.000 juízes e promotores
expurgados não podem trabalhar como advogados. Os médicos estão impedidos de
continuar sua formação nas instituições do Estado. Os policiais e militares não
podem trabalhar em empresas de segurança privada. A emigração não é uma opção,
porque retiraram os passaportes da maioria.
O
cartógrafo Yildirimci se candidatou a um emprego em seis empresas depois de
perder seu posto, mas ao explicar que tinha sido expurgado, as portas se
fecharam para ele. “Na última, me ofereceram o trabalho sem contrato. Porque se
me contratavam legalmente, a Seguridade Social seria notificada e isso poderia
significar que o Governo cancelaria todos os contratos com essa empresa por ter
contratado um expurgado”, diz ele: “Imagine, toda a minha vida lutei contra o
emprego ilegal, e fui obrigado a aceitá-lo, porque a sensação de estar em casa
sem trabalhar é horrível”.
A Anistia
Internacional elaborou um relatório sobre os expurgos de funcionários
no qual garante que muitos dos demitidos não conseguiram encontrar trabalho ou,
se encontraram, foi de forma irregular. De acordo com uma fonte diplomática
vinculada à UE, entre os funcionários demitidos, empregados de instituições
fechadas por ordem do Governo, familiares dos afetados que também sofrem as
consequências e dependentes, o número de vítimas do expurgo supera um milhão.
Mas para o polêmico
presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, não é suficiente. “As
demissões são uma necessidade. Mesmo se atingirem as pessoas mais próximas a
vocês, devem apoiar esta luta”, disse aos deputados do seu partido.
O expurgo
criou uma atmosfera de enorme desconfiança na Administração, pois em
muitos casos a acusação de gülenista foi usada para resolver rixas pessoais e
profissionais, algo reconhecido até mesmo por membros do Governo. E os
demitidos são submetidos à marginalização porque seus nomes foram divulgados.
“Meu filho não quer ir à escola porque as outras crianças o insultam e dizem
que sua mãe é uma terrorista e uma traidora”, lamenta uma mulher entrevistada
pela Anistia Internacional.
O
sindicalista expurgado Ok trabalha em uma investigação sobre os casos de 5.000
demitidos e descobriu que a violência doméstica e os divórcios aumentaram
nessas famílias por causa da “perda do status, a sensação de discriminação e a
ansiedade pelo futuro.” Além disso, já contaram 37 casos de suicídios
diretamente relacionados com os expurgos, como o de Mustafa Sadik Akdag,
professor de odontologia da Universidade de Ordu que deu um tiro na própria
cabeça após ser acusado de gülenista e demitido.
Yildirimci
finalmente foi resgatado por KESK, a confederação à qual pertence seu
sindicato, que ofereceu um emprego remunerado. Seu companheiro Fikret Çaglayan
garante que os membros do sindicato são “mais afortunados”. “O sindicato não
pode apoiar materialmente todos os demitidos, mas pelo menos nos dá algum apoio
moral. É muito importante não se sentir sozinho no meio de uma situação que
ninguém pode explicar”, argumenta. Ou talvez tenha explicação, acrescenta
imediatamente: “O AKP está usando o choque do golpe de Estado para se livrar da
atividade sindical, limpar a Administração de pessoas que não o apoiam e encher
com seus militantes”.
EXPURGOS AFETAM SERVIÇOS PÚBLICOS
ANDRÉS MOURENZA
Os
expurgos afetaram o funcionamento da administração pública em todos os níveis.
A Prefeitura de Mardin (sudeste da Turquia), por exemplo, ficou praticamente
sem funcionários durante três meses, relata uma fonte sindical: “Por fim, as
demandas foram atendidas por meio de empresas subcontratadas, mas não dá para
comparar o serviço prestado anteriormente pelos funcionários públicos que
trabalhavam lá há anos, conheciam a região e os problemas enfrentados".
Os
setores mais afetados são Previdência e Educação. O fechamento de universidades
e escolas privadas vinculadas aos gülenistas e a demissão de servidores públicos
deixaram estudantes sem professores durante meses. E, posteriormente, levaram à
massificação das salas de aula e a uma perda da qualidade do ensino. “Antes
tinha uma grande cultura intelectual e de debate. Tinha muita gente boa,
inteligente e trabalhadora que tratava de mudar as coisas para melhor. Agora só
ficaram aqueles que dizem que sim a tudo e pessoas que tem medo (de se
expressar)”, relata um professor universitário citado pela Anistia
Internacional. Não é a toa que a produção de artigos acadêmicos na Turquia teve
queda de quase 28% segundo um estudo.
Na
Previdência pública, cerca de 10.000 empregados perderam o cargo, segundo
estimativas de Fikret Çaglayan, antigo servidor público do Ministério de Saúde:
“O setor viu-se severamente afetado, porque foram fechados mais de 50 hospitais
privados, há menos pessoal e aumentou muito a carga de trabalho”.
EL PAÍS
(*) Comentário do editor do blog: isto sim é que é ditadura. No Brasil não se
consegue demitir do setor público, nem aqueles comprovadamente sem trabalho, e
que entraram pela porta dos fundos, ou, por apadrinhamento político.
E olhe que estes, no Brasil, somam
pelo menos uns 5 milhões de contracheques. Aqui, preferimos pagar 10% de juros
ao ano pelo dinheiro que pedimos emprestado para pagar a folha desses
parasitas. Dez por cento agora. Há pouco tempo estava em 14% a.a.
Pode faltar dinheiro para tudo:
estradas, educação, hospitais, segurança, mas não pode faltar para a folha de
pagamento desse pessoal desnecessário e também, é claro, para encher os bolsos
dos políticos e seus financiadores.
E quando um Presidente procura dar
um basta nessa esbórnia, ou, pelo menos, diminuí-la, os marajás do setor
público, em comum acordo, derrubam o mesmo. Já fizeram com o Jânio Quadros, com
o Collor e agora com o Temer. Mexeu com o empreguismo desvairado e criminoso e
com suas mordomias, é expurgado do setor público, nem que tenha sido eleito.
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