Ingrid Fagundez
Desde o
início de seu governo, o presidente Michel Temer deixou claro um de seus
principais objetivos: reconquistar o mercado. O otimismo dos empresários,
estimulado por uma agenda de reformas, seria o início da recuperação econômica.
De fato,
os índices de confiança atingiram patamares altos neste ano. No entanto, as
expectativas de uma retomada sofreram um baque com as acusações que Joesley
Batista, um dos donos da JBS, fez contra Temer. O choque foi seguido pelo
julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, que pode decidir pela cassação da
chapa Dilma-Temer e, consequentemente, pôr um fim no mandato do presidente.
O que
pensa, nesse cenário, o empresariado cativado pelo governo?
Em
entrevista à BBC Brasil, executivos de grandes companhias, investidores e representantes
de entidades patronais disseram que o futuro do presidente não é sua maior
preocupação. Eles querem é garantir as reformas - com ou sem Temer. Pregam o
"descasamento" entre o econômico e o político.
"O
país e os brasileiros são muito maiores do que uma pessoa. Quem é o presidente
do país fica em segundo plano. Queremos que as regras do jogo fiquem definidas,
que as reformas continuem", diz o panamenho Antonio Dominguez, CEO no país
da Maersk Line, maior operadora mundial de transporte de contêineres por
navios.
Empresários
ouvidos pela reportagem concordam com a saída de Temer caso sua força não seja
suficiente para passar as mudanças nas leis trabalhistas e no regime de
Previdência. Já instituições como a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil) e CNI (Confederação Nacional da Indústria) não se posicionam
explicitamente sobre a queda do presidente, mas ressaltam a primazia das
reformas em todas as circunstâncias.
Em nota,
a CNA afirmou que "qualquer resultado que retarde ou venha a inviabilizar
a conclusão das reformas é contrário ao interesse dos produtores rurais" e
que esse "destino" seria inaceitável.
"A
permanência dele está vinculada à aprovação das reformas, não à gestão dele em
si", diz o dono de uma grande rede alimentícia que não quis se
identificar.
Mesmo
com a indiferença em relação à sorte do presidente, os empresários apostam na
manutenção do seu mandato no TSE, como já indicaram os ministros, e num ganho
de fôlego do mandatário. Segundo eles, o cenário provável deve ser de Temer a
frente das ações econômicas - mas poderia ser outro.
Elogios e decepção
O
executivo do varejo citado acima deixa claro que não vê Temer com simpatia, a
exemplo de seus pares, que citaram características como "falta de
carisma" e "alguém que nunca seria eleito" para descrever o
mandatário.
"Como
pessoa física, está todo mundo enojado. Mas como pessoa jurídica, a gente quer
segurança. E ele é um exímio negociador", diz.
É uma
forma prática de lidar com a situação, explica o CEO da Engebanc Real Estate,
consultoria imobiliária que trabalha com grandes empresas brasileiras, Marcelo
da Costa Santos. Ele afirma que, apesar de desgostosos com as denúncias de
corrupção, os representantes do mercado não deixam de pensar na falta de
alternativas para o cargo.
"Não
tenho 'bandido de estimação', todos os envolvidos em corrupção têm que ir para
a cadeia mesmo. Por outro lado, tem que ser pragmático: quem vai tocar o país
agora? Se vamos prender todo mundo, não sobra ninguém. Ou alguém que não tem
capacidade nenhuma de negociar".
O
pragmatismo se reflete também nos elogios à condução da economia feita por
Temer e, especialmente, à formação da equipe comandada pelo ministro da
Fazenda, Henrique Meirelles, conhecido por ser "queridinho do
mercado".
Ações
articuladas pelo governo, entre elas a aprovação da PEC dos gastos, que
estabelece um teto para os gastos públicos, são aplaudidas pelos entrevistados.
Mas eles não escondem a decepção com o atraso das medidas após o estouro da
crise política.
Horas
antes de o jornal O Globo revelar a delação de Joesley Batista, Temer
se reuniu com senadores para discutir o texto da reforma trabalhista. O
projeto, que flexibiliza as relações de trabalho, já havia passado na Câmara e
o Planalto queria sua aprovação rápida no Senado.
Após a
divulgação da conversa entre Batista e Temer, o cronograma foi paralisado.
"Temer
entrou com boa intenção, avançou em agendas importantes, mas está envolvido na
velha política. Ele era o líder desse grupo, mas atrapalhou muito, foi
decepcionante. É como se viesse um vento novo, gostoso, e de repente parasse
tudo", diz o CEO da holding de negócios PA Glocal, Allan Pires.
O
diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI),
José Augusto Fernandes, usa outra analogia: "comparando à tempestade de um
ano atrás, já começávamos a ver raios de sol, mas esse episódio criou uma
neblina".
Em maio,
o Índice de Confiança do Empresário Industrial, medido pela confederação,
chegou a 53,7 pontos, o maior patamar desde o mesmo período em 2013. Espera-se
que o número caia nas próximas sondagens.
A
delação e as dúvidas que começaram a surgir sobre uma condenação no TSE
afetaram não só as expectativas dos executivos, mas o andamento de seus
negócios.
O dono
da Centauro Sports, Sebastião Bomfim Filho, diz que as vendas nas mais de 150
lojas da rede caíram 15% no dia seguinte à reportagem do jornal O Globo.
"A
partir das 19h30 da noite, o Brasil mudou. No primeiro dia, foi um susto
enorme, mas depois recupera. O importante é que a economia continua dando
sinais de que está caminhando."
Calmaria e força política
Os
sinais identificados por Bomfim também são apontados por CEOs de outros
setores. Eles falam em uma "calmaria" e uma recuperação da crise
política que já estaria em curso - mesmo com o TSE ainda por decidir se cassa
ou não o mandato do presidente.
"É
uma guerra. Você acha que o mundo vai acabar e de repente não tem mais tiro. (O
governo) conseguiu colocar em pauta o Refis (novo parcelamento de débitos
tributários, por uma Medida Provisória). O Congresso está trabalhando e é isso
que Temer faz questão de deixar claro: a ideia de normalidade em meio a uma
crise", diz o dono de uma grande rede alimentícia que não quis se
identificar.
Um
indício recente de que o cronograma de medidas econômicas não está
completamente congelado, dizem os empresários, foi a aprovação do texto da
reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado na
terça-feira.
Segundo
os executivos, tais articulações mostrariam que o peemedebista ainda possui
alguma força política. A manutenção do PSDB na base aliada e as dúvidas sobre
uma possível manipulação da gravação feita por Joesley Batista teriam
contribuído para fortalecer o presidente - e descartar sua saída por meio da
Operação Lava Jato, na qual é investigado. Um impeachment também seria difícil.
"Tenho
a sensação de que o governo já acionou tentáculos para se proteger das
denúncias contra ele", diz Luiz Barsi, um dos maiores investidores da
Bovespa. "Acredito que (Temer) vai conseguir reunir forças para aprovar as
reformas. Mas quem vai conquistar apoio não é ele, são as reformas propriamente
ditas. Passadas as medidas, vamos ver se os outros seguirão apoiando um
presidente não legítimo."
O
cenário otimista se estendeu também às expectativas sobre o julgamento no
Tribunal Superior Eleitoral.
"Vejo
uma mudança de tom nas duas últimas semanas: talvez ele ganhe no TSE, ele está
se articulando para ficar. Logo depois (da delação) dizia-se que provavelmente
seria cassado", diz o CEO da Engebanc Real Estate.
Barsi,
que tem experiência de décadas na Bolsa, diz que no mercado aventa-se a
possibilidade de um julgamento político, no qual a estabilidade do governo será
levada em conta. Nesse caso, a chance de cassação seria baixa.
"Se
for jurídico, provavelmente a chapa será cassada. Se for político, outros
fatores serão analisados, os impactos para o país. Acredito que alguém vai
pedir a vista do processo, a coisa vai se arrastar por mais três ou quatro
meses, e nesse ínterim haverá numa fase de esquecimento por parte da opinião
pública."
Apostando
na memória curta do brasileiro e em processos lentos sem impacto para Temer, o
investidor vê no presidente a pessoa mais propícia para tocar as reformas. Não
por preferência, ressalta, mas por falta de opção.
"Acho
que vamos chegar num bom termo mesmo que não seja um governo legítimo. É o que
todos os brasileiros desejam: aprovação das reformas, e que o Brasil se torne
competitivo."
Assim
como o investidor, a maioria dos entrevistados encara a aprovação desses
projetos como inevitável, porque já seriam uma prioridade não só do governo,
mas do Legislativo.
"Qualquer
que seja o cenário, as reformas são inevitáveis. É a cola que impede uma queda
maior. A reforma trabalhista, por exemplo, foi um produto do Congresso. Foi uma
iniciativa do Executivo, mas muito mais tímida do que a versão do Congresso,
que fez um modelo moderno", diz o diretor da CNI.
Mesmo
que parlamentares resistam a passar as alterações, haverá pressão do mercado,
diz o sócio-diretor do Grupo De Biasi, companhia de consultoria e auditoria,
Luciano Lucci De Biasi
"Os
deputados e os senadores do primeiro escalão do governo sabem que não têm
alternativa. Porque se não for aprovado, o Brasil entra numa recessão profunda.
O que haverá no Congresso é pressão dos próprios empresários. As grandes
associações, os representantes, vão pressionar pela aprovação."
Da BBC Brasil
em São Paulo
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