Rodolfo Borges
Modesto Carvalhosa lidera movimento
sem partido para "quebrar revezamento de facções corruptas"
Campanha quase quixotesca quer
correr por fora na intrincada disputa de um eventual pós-Temer
"Queremos
mais Brasil, e menos Brasília", resume Modesto Carvalhosa. Aos 85 anos, o
advogado que se formou na área de direito societário, militou na preservação do
patrimônio histórico e acabou se especializando no combate à corrupção encabeça
um movimento que tem a pretensão de governar o Brasil sem partidos políticos.
Nascida do incômodo com a interminável
crise política brasileira, a mobilização começa a partir de um influente
mas pequeno grupo de advogados de São Paulo, que pretendem expandir o clamor em
torno de uma "candidatura da sociedade civil" à presidência da
República para todo o país nos próximos meses.
A
candidatura de Carvalhosa é apresentada como opção para uma eleição indireta,
que só será realizada pelo Congresso Nacional caso Michel Temer não termine o
mandato, uma opção que o Planalto quer evitar a todo custo ainda no comando de
uma cambaleante coalizão que exibe lastro no Legislativo. O advogado, que
apesar da idade avançada apresenta uma vitalidade impressionante, se baseia no
Pacto de São José — mais precisamente no seu artigo 23 — para defender a
possibilidade de se candidatar sem ter filiação partidária. O pacto, fruto da
Comissão Americana de Direitos Humanos (1969), prevê que "a lei pode
regular o exercício dos direitos e oportunidades [de votar e ser eleito]
exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma,
instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em
processo penal".
Como não
há previsão de limite por conta de situação partidária no pacto internacional,
não haveria impedimento para uma candidatura "civil", avaliam os
apoiadores de Carvalhosa, apesar de a legislação eleitoral brasileira dizer que
"para concorrer às eleições, o candidato deverá (...) estar com a filiação
deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição".
Independentemente da viabilidade da tal candidatura civil — que depende da
queda do presidente — Carvalhosa enxerga no movimento uma forma de abrir
perspectivas para o país, cujos partidos e políticos perderam seja lá o que
ainda tinham de admirável após aOperação Lava Jato.
"A
decisão do Tribunal Superior Eleitoral [que
absolveu a chapa Dilma-Temer] não melhora a estabilidade do Temer. Ela
aprofunda sua ilegitimidade", avalia Carvalhosa, que enxerga o Judiciário
arrastado para uma crise que já reunia o Executivo, o Legislativo e o
Ministério Público, ferido pela forma como o acordo
de delação da JBS foi fechado — a cúpula da empresa ganhou perdão
judicial mesmo após confessar crimes. "É preciso restabelecer a honra do
país, que está afetada em todos seus segmentos institucionais, e a autoestima
da população, que está humilhada." Para o advogado, só "gente de
fora" pode "quebrar esse revezamento de facções corruptas que se
sucedem".
Propostas
A
proposta, que soa quase quixotesca na intrincada crise política com tantos
interesses na mesa, é baseada, diz ele, numa avaliação de cenário
internacional. Emmanuel Macron se elegeu na França por
um partido criado meses antes da eleição, desbancando as legendas
tradicionais. Nos Estados Unidos, Donald Trump se
impôs como outsider ao Partido Republicano. Carvalhosa defende que a
sociedade civil brasileira tem nomes para assumir o país, "três ou quatro
de alto nível para cada cargo", e sua candidatura já teria inclusive o
apoio de renomados economistas e políticos, entre eles ex-ministros, mas que
ainda não se sentem confortáveis para expor seus nomes.
Por
enquanto, os nomes de maior vulto são os de Hélio Bicudo, um dos signatários do
pedido de impeachment de Dilma Rousseff, o ex-ministro da Justiça José Carlos
Dias e o ex-ministro do Superior Tribunal Militar Flávio Bierrenbach. Os
defensores de sua candidatura, que têm se articulado em busca de apoio para
divulgar a ideia, também esperam o engajamento de movimentos como o Vem pra
Rua, entre outros surgidos durante o período de ocaso doGoverno Dilma Rousseff.
Além de
escantear os partidos políticos, o movimento em torno de Carvalhosa se
estrutura em cima de bases como a diminuição de cargos de confiança para no
máximo 100 (hoje são cerca de 100.000) e reformas política e da administração
pública, por meio de uma constituinte. O advogado defende o teto para limite de
gastos e a reforma trabalhista, mas acha que a reforma previdenciária tem de
voltar a seu leito inicial, para afetar estados e municípios, "mas não com
aquela aberração de que você tem de trabalhar 450 anos para ter um salário
mínimo". "A ideia é restaurar a confiabilidade do Governo e recuperar
o papel do chefe de Estado", sintetiza.
Militância
O homem
que hoje pleiteia liderar a sociedade civil contra um mundo político-partidário
em crise começou a atuar como advogado em 1958, no ramo do direito societário.
Na década de 1970, liderou um movimento para impedir a destruição do edifício
histórico do Colégio Caetano de Campos, em São Paulo. A partir de então, se
engajou na defesa do patrimônio histórico, e presidiu o Condephaat (Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São
Paulo) de 1984 a 1987. O tema da corrupção entraria em sua vida na década
seguinte, quando participou de uma comissão especial do Governo Itamar Franco
para verificar as ramificações do escândalo dos Anões do Orçamento, sobre
fraudes no Orçamento da União.
O
advogado conta que trabalhou durante todo o ano de 1994 "dentro do Palácio
do Planalto", de onde tirou a inspiração para seu Livro negro da
corrupção (Paz e Terra), agraciado com o Prêmio Jabuti. Uma das conclusões
daquela comissão de notáveis foi de que deveria haver uma quebra das relações
entre o agente público e o contratante da obra, o que ocorreria por meio da
implantação de um sistema chamado performance bond, "Se isso tivesse
sido adotado em 1994, talvez nós tivéssemos um novo quadro no setor de obras
públicas." Mas nada daquele diagnóstico foi aplicado — o que Carvalhosa
põe na conta do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso.
Desde
então, o advogado diz que houve uma evolução na organização da corrupção no
país sob o PT, ainda que as delações premiadas apontem para um azeitado esquema
de desvios funcionando bem antes de 2003. "Havia na tradição corruptiva
brasileira a questão de sempre dar 10% do valor das obras para os políticos e
altos funcionários, mas não era uma coisa organizada. O que ocorreu no governo
petista foi a organização do crime da corrupção", critica um bem humorado
senhor de cabelos e bigodes brancos em seu escritório no bairro de Pinheiros,
em São Paulo. Carvalhosa recebeu o El PAÍS na tarde de sexta-feira em que o TSE
absolveu a chapa Dilma-Temer. No dia anterior, tinha ido dar uma entrevista —
das muitas que tem concedido — no Rio de Janeiro. Na semana seguinte, iria para
Brasília.
A
disposição preocupa a esposa, Claudia Correa, mas Carvalhosa não demonstra
cansaço. E está atento a tudo, questiona a toda hora sobre o andamento do
julgamento do TSE. Algum político o agrada? "[A deputada federal Luiza]
Erundina é a mulher mais correta que eu já conheci na minha vida em matéria de
política", responde. Carvalhosa trabalhou com a então prefeita de São Paulo
entre 1989 e 1993. Ele conta que, à época, "o Tribunal de Contas do
Município era dominado pelos malufistas, que reprovavam as contas dela, como se
fosse uma criminosa". O advogado trabalhou na defesa da hoje deputada do
PSOL, "uma exceção em matéria de integridade", mas que teria perdido
o rumo.
Carvalhosa
também poupa o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) e o ex-senador Pedro Simon. E
enxerga com bons olhos uma possível
candidatura do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa,
"um doido do bem, uma metralhadora giratória". Talvez a mesma
descrição, feita de forma carinhosa pelo advogado, coubesse ao próprio
Carvalhosa, que, assim como Barbosa, não tem poupado quase ninguém em suas
entrevistas e, aos 85 anos, se dispõe a liderar a abertura de novas
perspectivas para um país que não parece capaz de encontrar saídas no mundo
político-partidário.
EL PAÍS
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