Stephen Kanitz
O Brasil
não é um país intrinsecamente corrupto.
Não
existe nos genes brasileiros nada que nos predisponha à corrupção, algo herdado, por exemplo, de
desterrados portugueses.
A
Austrália que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de
corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário.
Nós
brasileiros não somos nem mais nem menos corruptos que os japoneses, que a
cada par de anos têm um ministro que renuncia diante de denúncias de corrupção.
Somos,
sim, um país onde a corrupção, pública e privada, é detectada somente quando
chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém
botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria.
As
nações com menor índice de corrupção são as que têm o maior número de
auditores e fiscais formados e treinados.
A Dinamarca e a Holanda possuem 100
auditores por 100.000 habitantes.
Nos
países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou quando
ainda é pequena.
O
Brasil, país com um dos mais elevados índices de corrupção, segundo o World
Economic Forum, tem somente oito
auditores por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total.
Se
quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda precisaremos
formar e treinar 160.000 auditores.
Simples.
Uma das maiores universidades do Brasil possui hoje 62 professores de Economia, mas só um de auditoria.
Um único
professor para formar os milhares de fiscais, auditores internos, auditores
externos, conselheiros de tribunais de contas, fiscais do Banco Central, fiscais da CVM e analistas de
controles internos que o Brasil precisa para combater a corrupção.
A
principal função do auditor inclusive nem é a de fiscalizar depois do fato
consumado, mas a de criar controles internos para que a fraude e a corrupção
não possam sequer ser praticadas.
Durante
os anos de ditadura, a auditoria foi literalmente desmontada.
Para
eliminar a corrupção teremos de redirecionar rapidamente as verbas de volta ao
seu devido destino, para que sejamos uma nação que não precise depender de
dedos duros ou genros que botam a boca no trombone, e sim de profissionais
competentes com uma ética profissional elaborada.
Países
avançados colocam seus auditores num pedestal de respeitabilidade e de
reconhecimento público que garante a sua honestidade.
Na Inglaterra,
instituíram o Chartered Accountant.
Nos
Estados Unidos eles têm o Certified Public Accountant.
Uma mãe
inglesa e americana sonha com um filho médico, advogado ou contador público.
No
Brasil, o contador público foi substituído pelo engenheiro.
Bons
salários e valorização social são os requisitos básicos para
todo sistema funcionar, mas no Brasil estamos pagando e falando mal de nossos
fiscais e auditores existentes e nem ao menos treinamos nossos futuros
auditores.
Nos últimos nove anos, os salários
de nossos auditores públicos e fiscais têm sido congelados e seus quadros,
reduzidos – uma das razões do crescimento da corrupção.
Como o
custo da auditoria é muito grande para ser pago pelo cidadão individualmente,
essa é uma das poucas funções próprias do estado moderno.
Tanto a
auditoria como a fiscalização, que vai dos alimentos e segurança de aviões até
os direitos do consumidor e os direitos autorais.
O capitalismo remunera quem trabalha e
ganha, mas não consegue remunerar quem impede o outro de ganhar roubando.
Há quem
diga que não é papel do Estado produzir petróleo, mas ninguém discute que é sua
função fiscalizar e punir quem mistura água ao álcool.
Não
serão intervenções cirúrgicas (leia-se CPIs), nem remédios potentes (leia-se
códigos de ética), que irão resolver o problema da corrupção no Brasil.
Precisamos
da vigilância de um poderoso sistema imunológico que combata a infecção no
nascedouro, como acontece nos países considerados honestos e auditados.
Portanto,
o Brasil não é um país corrupto. É apenas um país pouco auditado.
Publicado na Revista Veja, em 1999, e a USP continua com um único Professor de Auditoria.
Publicado na Revista Veja, em 1999, e a USP continua com um único Professor de Auditoria.
Blog do Kanitz
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