terça-feira, 20 de junho de 2017

Nosso vício é a dependência do Estado

Alexa Salomão
(*)

Para economista, maior problema do País não é inflação, mas a incapacidade de equilibrar as contas públicas

Entrevista com André Lara Resende, economista
No início do ano, o economista André Lara Resende levantou uma polêmica em torno da relação entre taxa de juros e inflação. A regra prega que juro alto é como a Novalgina: um remédio eficiente para baixar a inflação. Mas o artigo de Lara ia contra esse princípio: taxas de juro altas por muito tempo - como ocorre no Brasil - teriam o efeito inverso e sustentariam a inflação. E mais: a taxa de juros não cede porque o Estado gasta demais. Haveria aí um ciclo vicioso.

Nesse contexto, a reforma da Previdência é essencial. Agora, Lara lança o livro Juros, Moeda e Ortodoxia, em que aborda o tema de maneira mais extensa e mantém a posição: “Nosso vício não é a inflação, mas a dependência excessiva de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso”.

A seguir, trechos de sua entrevista:

P: O sr. poderia explicar o princípio de sua teoria sobre juros e inflação que tanta polêmica causou entre os economistas?

R: Antes de mais nada, não se trata de uma teoria, mas de uma conjectura. A teoria sempre postulou a existência de uma relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Ou seja, que a elevação da taxa de juros reduz a inflação e vice versa. A teoria monetária predominante - que pauta os bancos centrais - está baseada em metas para a inflação e uma regra para a fixação da taxa de juros. 

Simplificadamente, se a inflação sobe acima da meta, o banco central deve elevar a taxa de juros mais do que proporcionalmente a aceleração da inflação. É uma espécie de regra de bolso, que parece funcionar na prática. Acontece que com a ameaça da deflação nos países avançados depois da grande crise financeira de 2007/2008, os bancos centrais se viram impossibilitados de continuar baixando a taxa de juros quando elas chegaram a zero. A teoria levaria a crer que, diante das mãos atadas dos bancos centrais, a deflação se aceleraria. Não foi o que ocorreu. A inflação, assim como a taxa de juros, se estabilizou perto de zero.

P: E o que isso quer dizer?

R: Inverte a convencional relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Por isso é tão polêmica. Abre-se a possibilidade de que seja a alta taxa de juros que sustente a inflação. As razões para isso seriam basicamente duas. Primeiro, altas taxas de juros mantidas por longo tempo, sobretudo quando a dívida pública é alta, agravam o desequilíbrio fiscal e levantam dúvidas sobre a solvência a longo prazo do Estado. Segundo, a taxa de juros funcionaria como sinalizador das expectativas de inflação.

P: O fato de a inflação ter sido tão resistente no início da recessão é um sinal de que talvez essa “conjectura” possa estar acontecendo no Brasil: taxa de juros funciona como sinalizador de inflação?

R: Sim, é uma possibilidade. Não apenas no Brasil, mas em toda parte hoje, há sinais de que o efeito da recessão e do desemprego sobre a inflação é muito mais fraco do que parecia.

P: O Brasil, então, no que se refere a inflação é como um alcoólatra: não pode cheirar um copo de álcool que tem recaída?

R: A inflação não é um vício, mas o sintoma de vícios. Que vícios seriam esses? O principal deles é a incapacidade de garantir o equilíbrio a longo prazo das contas públicas, a tentação permanente de levar o Estado a gastar mais do que ele é capaz de extrair via impostos da sociedade. Nosso vício não é a inflação, mas a dependência de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso.

P: E por que a taxa de juros é tão resistente no Brasil? Desde o Plano Real, nunca foi abaixo de 7%.

R: Essa é a pergunta que há anos, desde a estabilização do real, tem causado perplexidade e levado os analistas a quebrar a cabeça. A possibilidade de que na raiz da questão esteja um desequilíbrio fiscal estrutural, diante do qual a alta taxa de juros contribua para agravar o problema. É justamente a tese da dominância fiscal.

P: Mas existe mesmo a chamada “dominância fiscal”: a perda de efeito da taxa de juros sobre o controle da inflação quando o Estado gasta mais do que pode?

R: Dominância fiscal é uma situação anormal, que se torna tão mais provável quanto mais alta for a percepção da probabilidade de insolvência do Estado e de calote na dívida pública. O Estado brasileiro é muito deficitário, sua dívida como proporção do PIB é alta e cresce rapidamente. Reunimos portanto as condições para o caso de “dominância fiscal”.

P: “Reunimos” em que sentido? Podemos vir a sofrer dessa anormalidade ou já estamos nela?

R: Reunimos, no sentido de que as condições para a dominância fiscal estão aí. Se estamos ou não em dominância fiscal é algo que não se pode afirmar categoricamente. Só uma análise aprofundada, a mais longo prazo, pode ajudar a responder à pergunta.

P: Há uma defesa incondicional da reforma da Previdência para equilibrar as contas e a dívida pública. Qual seria o efeito da reforma sobre os juros?

R: Como está, o sistema previdenciário é insustentável. O problema não é novo. Quando destacado para estudar a questão no governo FHC, já estava claro que o sistema iria explodir antes de 2020. Algumas modificações foram feitas na idade mínima e chegamos até aqui, mas a queda brusca da taxa de natalidade e o rápido envelhecimento da população tornaram a previdência insustentável. O desequilíbrio é grave e afeta todo o sistema, mas é na Previdência dos funcionários públicos onde a crise é mais aguda. Grande parte do desequilíbrio das contas públicas, sobretudo estaduais e municipais, vem da Previdência dos servidores. Sem dúvida, a aprovação de uma reforma coerente, que garantisse a saúde e a solvência das contas públicas no longo prazo, é fundamental para viabilizar a queda da taxa básica de juros.

O Estado de S.Paulo

(*) Comentário do editor do blog-MBF: sempre defendi que o aumento das taxas de juros para conter a inflação em tempos onde a demanda é fraca, é uma heresia. Entendo que se possa aumentar os juros para conter o excesso de demanda, que causa naturalmente inflação pelas regras não escritas do livre mercado, se nada for feito - importações, por exemplo -  para a suprir a falta de produtos.
Mas ainda no caso de falta de produto que leva os detentores do mesmo a aumentar seus preços, uma alternativa, antes do aumento dos juros, é a diminuição das parcelas do crediário. O brasileiro não analisa o custo do produto, com ou sem juros, e sim se a parcela a pagar mensalmente cabe no seu bolso. Se cabe, ele compra. E quando a oferta é boa demais, compra até sem caber.
O aumento das taxas de juros – SELIC – sem haver demanda aquecida, serve apenas para manter os rentistas aplicando seu dinheiro num país de gestão irresponsável, onde por mais que se prove que o custo do Estado está fora do controle, se algum governante tentar sanar o problema, é saído do seu posto.
Jânio Quadros que recebeu a herança maldita da construção de Brasília.
Fernando Collor que recebeu a herança maldita do desgoverno Sarney.
Temer que recebeu o país quebrado pela incompetência lullopetista, vulgo bolivariana.
Todos que tentaram corrigir o descalabro do custo da máquina pública, saíram antes do tempo.
Jânio Quadros pela atuação de forças nem tão ocultas assim.
Fernando Collor pela reforma na casa da mãe.
Michel Temer vai ter abreviado seu período pela reforma na casa da filha.

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