Mario Sabino
Vou tentar fazer uma tipologia do
barnabé. Não é simples. Sei que podemos fazer várias. Farei a minha,
idiossincrática.
Existe o barnabé mesmo, aquele
constantemente um coitado, criatura dos pequenos municípios, que arranjou uma
boquinha depois de ficar horas balançando uma bandeira para algum político em
época de eleição. Lotado em algum gabinete de Deputado ou Senador ou alguma
repartição, não consegue acessar sequer o word e escreve gato
com j e saudade com c (como no samba). Ganham um salário baixo, têm pouquíssima
influência em assuntos relevantes, ficam por ali, meio deslocados, não são
sequer acostumados com o chamado trabalho de escritório. Pode-se até dizer que
ganham uma “bolsa” qualquer coisa, isto é, fazem parte daquela parcela que os
estudiosos da desigualdade gostam de chamar de vulneráveis. Mas em épocas de
eleição são aguerridos, às vezes tornam-se fanáticos e violentos.
Tem o barnabé baixo clero, uma
turma que se subdivide em duas categorias: os que não tem jeito mesmo, pré-Constituição
de 88 e não fizeram concurso e tiveram sua permanência assegurada pelo decurso
de prazo. Eram faxineiros, copeiros, motoristas, que prestavam serviço ao
Estado. Alguns são semianalfabetos que vagam pelos departamentos de escadas e
corredores e somente causam prejuízo ao erário. Outros são os que entraram
pela janela felicidade, como a famosa turma do trem da alegria do Moacyr
Dalla de 1983, ex-presidente do Senado que efetivou mais de 1.500 pessoas
naquela Casa Legislativa e ganham uma fortuna. Mais espertos, tem gente desse
calibre que atingiu o ápice em suas respectivas carreiras e até se tornaram
parlamentares ou Ministros de Tribunais Superiores.
Acreditem! Não nominarei. A maior
parte, todavia, não faz nada atualmente, pois tem adicionais diversos embutidos
em suas remunerações. Nesse grande grupo o que se espera é a aposentadoria e o
contribuinte brasileiro vai ajudá-los ainda durante muito tempo. São criaturas
lacustres: habitantes dos Lagos sul e norte. Frequentam o Iate Clube (melhor
clube de Brasília), tem o filho estudando na UnB de graça (aquele bônus do rent-seeking de
que nos falava Mancur Olson e o Marcos Lisboa no Brasil não se cansa de
repetir) e já matricularam o rebento em algum cursinho preparatório para
concurso público.
Finalmente tem o barnabé alto
clero, que, me perdoem, também pode ser dividido em categorias. Ambos têm
uma característica em comum: passaram num concurso público! Por isso se julgam
importantes. Concurso público que somente verifica a capacidade do sujeito para
responder questões de muitas disciplinas de direito, o idioma pátrio, algum
inglês, alguma informática e quase nada de economia. Concurso público que os
chamados cursinhos preparatórios os adestram com milhares de questões
recorrentes das chamadas bancas examinadoras. Nesses concursos passam, é claro,
os loucos de todos gêneros. Também os cínicos e os perversos. Mas vamos lá para
não confundir as criaturas.
Dos concursados, há aqueles que
fazem atividades não típicas do Estado. Ganham muito para o que fazem. Poderiam
ser perfeitamente terceirizados. Numa reforma do Estado vão perder a chamada
estabilidade. São estafetas, amanuenses, escriturários de toda ordem, técnicos
de nível médio. Hoje em dia, muitos são sobrecapacitados (em razão da
atratividade da remuneração) para as atividades mecânicas, rotineiras,
repetitivas que realizam. Os mais atilados continuam estudando para outros
concursos na repartição.
Os cínicos da categoria estão
constantemente em licenças de saúde e não agregam muito valor ao trabalho.
Repito: ganham bem. Modo geral, acima do mercado. Fazem parte da chamada
“área-meio” das repartições. Mas não são a parte pensante. Apenas a executiva.
E há os de carreira de Estado. Cardeais.
Topo da remuneração. Um belo espécime do Planalto Central. Habitante típico do
Plano Piloto. Pode ser daqui mesmo, seguindo uma tradição familiar carioca ou
oriundo de outros estados da federação.
São ótimos partidos. Devem fazer
sucesso no Happn e no Tinder, quando solteiros ou descasados.
Salário garantido. Férias no exterior também.
Mas nessa fauna, em grande parte
dela, encontramos os perversos. São os caras que, depois de anos debruçados
sobre as apostilas, os livros, a jurisprudência, depois de anos com a bunda
amassada pelos bancos das bibliotecas e dos cursinhos preparatórios, depois de
anos de finais de semana sem as festas com os amigos, finalmente entendem que
podem ir à forra!
Essa turma entende que o cargo (o locus)
lhes pertence. A premissa é a seguinte: agora chegou a minha vez!
A partir daí o roteiro é bem
conhecido. Fazer o menos do mesmo.
Dedicar-se com afinco ao tênis, à
academia de ginástica, ao misticismo, àquela viagem ao Butão (e outras viagens
exóticas para contar aos amigos). Alguns talentosos se tornaram Vinícius de
Morais. Mas isso é outro tema, outra história e questão de genialidade. São
pessoas com grande remuneração que não contribuem para a melhoria do Estado
brasileiro. Ou porque não querem mesmo ou porque perderam o entusiasmo, pois a
máquina burocrática, com suas “hidras regulamentaristas” et caterva, normalmente
ancorados nos burocratas do direito administrativo mais pé de chinelo, não
deixam.
Volto em outro momento para falar um
pouco mais dessa turma.
O Antagonista
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