quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Intervenção e revolução

Roberto DaMatta

O século passado está permeado das carcaças de revoluções fracassadas

São conceitos originários do triunfo do campo político e econômico e, não por acaso, dominam o nosso pensamento e permeiam os valores da chamada “modernidade ocidental”, hoje globalizada. Aprimorados sob a égide do indivíduo-cidadão como motor da vida social, o político e o econômico estão interligados. Vale observar, porém, como “intervenção” e “revolução” estão ausentes ou são raros no campo religioso. Essa esfera que, ao lado da economia e da política, possui primazia na nossa visão de mundo.

Fizemos muito mais revoluções (e intervenções) políticas e econômicas do que religiosas, um campo no qual – no nosso sistema cultural – predominam as “reformas”. Reformar é promover uma modificação relativa situada aquém daquilo que a nossa cosmologia ainda figura no espaço de redentoras transformações sociais. De um certo ponto de vista, a ideia de revolução com “R” maiúsculo, enfeixaria todos os campos sociais menos, é óbvio, o do paradoxal interesse ou vontade popular de realizá-la e dirigi-la. 

Seriam as revoluções alérgicas ao religioso porque prometem uma transcendência histórica enquanto a religião garante uma eterna salvação? Ou revolução e religião não combinam também porque o ponto de partida revolucionário seria construir (ou reconstituir, como queriam os pensadores radicais vitorianos) um paraíso neste mundo e não no outro? 

O materialismo iluminista e burguês afirma que tudo (inclusive as ideias) vêm da realidade física e biológica. Neste universo sem ironia, paradoxo, liminaridade, ambiguidade e incoerência, o elo entre a matéria e o espírito é de ordem mecânica – menos, é claro – a utopia revolucionária a qual promove sem saber um inconsciente retorno ao religioso.

O século passado – como diz o harvardiano Nur Yalman – está permeado das carcaças de revoluções fracassadas. Lenin, Stalin, Mao, Mussolini e Hitler tentaram todos controlar a modernidade – para detê-la ou acelerá-la – e falharam. Mustafa Kemal Pasha, o famoso Atatürk tendo como inspiração o materialismo burguês, buscou acomodar soberania popular com islamismo nas décadas de 20 e 30 do século passado, mas, como diz Yalman (que é turco), tal tentativa fracassou no atual regime de Erdogan.

Fizemos muito mais revoluções políticas e econômicas do que religiosas e, no entanto, a Reforma que, pelo credo revolucionário, seria uma mera rebelião, agenciou uma irônica mudança sem precedentes. A crer em Max Weber e Karl Polanyi, ela estilhaçou o centralismo, reinventou a racionalidade, o capitalismo e o mercado...

Tivemos também o nosso momento revolucionário com Getúlio Vargas, em 1930, e até hoje persiste dúvida na classificação do movimento militar ocorrido em 1964. Para quem diz que o movimento ocorreu no dia 1.º de abril, todo mundo caiu num golpe. Para quem se refere a um romano fim de março, teria sido revolução.

A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, determinada por imoralidade administrativa, a perda de controle da rotina tomada por bandidos e a mais absoluta ausência de competência têm suscitado reações.

Grande parte da elite brasileira se diz revolucionária, mas não chega a ser reformista. E, menos ainda, protestante. Há, agora, o receio da intervenção no sistema de (in)segurança do Rio de Janeiro. Reformar mete menos medo do que intervir, que fica mais ao lado do protesto. 

Primeiro, porque sempre fizemos as reformas apropriados a um Estado republicano cuja função sempre foi a de canibalizar a sociedade a ele profundamente entrelaçada, mas sempre visto como sendo uma entidade independente e, quando interessa, onipotente. 

Segundo, porque as reformas requerem uma densa aprovação política e têm amplos objetivos e múltiplas consequências. Para muitos, elas correm o risco de realizar o que tememos: igualar e regular privilégios. 

Terceiro porque, nas reformas, as responsabilidades podem ser dissolvidas. Rejeitadas ou modificadas numa instância política, pode-se culpar uma outra e se ninguém decide coisa alguma, vão para o centro de nossa hierarquia: o STF.

O contraste com a intervenção é nítido. Nela, há a figura de um interventor. Personificada num responsável, corre-se o risco de erro ou acerto – ou seja: daquilo que os políticos escondem, já que são capazes de tudo, menos de admitir culpa ou admitir erros. Em suma: a intervenção é um protesto, tem uma autoria e permite atribuir responsabilidade, dimensões que o sistema, regido pela sua matriz aristocrática, tem horror.

Finalmente, mas não por último, intervenção rima com revolução.

O Estado de São Paulo


Só o instinto nos salva

BOLÍVAR LAMOUNIER

As reformas virão. Pelo caminho da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência

A ideia é aterradora e absurda, mas, no momento, tudo indica que o Brasil está perdendo a capacidade de equacionar seus problemas de maneira racional e civilizada, pela via da política. Nessa marcha, só o instinto de sobrevivência nos salvará.

No falatório sobre a intervenção, sobre as candidaturas presidenciais, sobre o funcionamento das instituições, o tom predominante é um desânimo furibundo, e até mais que isso, uma vontade meio doida de achar uma solução fácil, rápida e definitiva, ainda que o preço seja a quebra da ordem civil. No limite, é como se todos quisessem que metade (sua metade) da população matasse a outra, presumindo que a metade sobrante se dedicaria sinceramente à realização dos valores que elegeu como os mais altos. Isso vem por todos os lados, não é privilégio de nenhum partido ou grupo ideológico.

E o pior, infelizmente, é que por trás dessa fumaça realmente há muito fogo. Tal desorientação não chega a surpreender, pois estamos mal e mal saindo da pior recessão de nossa História e tomando consciência da metástase de corrupção que se difundiu por quase todo o sistema institucional do País. Dispenso-me de elaborar este ponto, limitando-me a observar que o cartel das empreiteiras botou no bolso praticamente toda a estrutura partidária de que dispúnhamos: quatro ou cinco organizações com algum potencial e umas trinta obviamente inúteis. Hoje vemos esvair-se até aquele elementar sentimento de lealdade sem o qual a vida interna de um partido se torna inviável. Na mais alta Corte de Justiça do País, salta aos olhos que alguns juízes trabalham sorrateiramente para livrar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um corrupto notório, já sentenciado a 12 anos e um mês de prisão. No Senado e na Câmara, só quem mantém as estatísticas em dia sabe quantos parlamentares estão indiciados, acusados ou já na condição de réus.

A intervenção federal no sistema de segurança do Rio de Janeiro pôs em alto-relevo a questão da corrupção nos corpos militares e policiais, que inclui a entrega de armas potentes ao narcotráfico e à bandidagem em geral. Noves fora, então, a ressalva que se há de fazer diz respeito à competência e à seriedade da equipe econômica, da equipe liderada pelo juiz Sergio Moro e pela Polícia Federal, graças às quais o País não descarrilou por completo.

No culto da irracionalidade, a esquerda ganha por duas cabeças. Na questão da intervenção no Rio de Janeiro, por exemplo, ela aposta no fracasso com base em seus tradicionais cálculos eleitorais, ou num requintado cinismo, “esquecendo”, por exemplo, no tocante à concessão de mandados coletivos, as posições que a ex-presidente Dilma Rousseff defendeu em 2016. Não só a esquerda, mas ampla parcela do Congresso recusou-se a aprovar a reforma da Previdência, embora consciente da precariedade fiscal em que nos encontramos e de que o sistema brasileiro de seguridade é campeão mundial em transferir renda dos pobres para os ricos.

Não me sinto no direito de aborrecer os leitores me estendendo sobre a deterioração em que se encontra nossa capacidade de conduzir racional e civilizadamente as operações de governo, mas há uma questão mais ampla, que transcende todas as já mencionadas, para a qual me vejo obrigado a chamar a atenção. Refiro-me ao médio prazo, ou seja, ao futuro de nosso país dentro de uma ou duas décadas. Nessa referência de tempo, se não recuperarmos a capacidade de raciocinar e colaborar, realmente, só o instinto de sobrevivência nos salva.

O quadro que me esforcei por esboçar é em si mesmo sinistro, mas é brincadeira de criança se o colocarmos num horizonte de 20 anos. Já me referi outras vezes a esse ponto e temo ter de voltar a ele muitas vezes nos próximos meses, ainda mais em se tratando de um ano eleitoral. A incapacidade da política acarreta uma progressiva liquefação do próprio Estado. O País perde sua stateness, ou seja, a presença efetiva da máquina de governo. Ninguém ignora que diversas áreas do Rio de Janeiro já há muito tempo se tornaram inacessíveis à autoridade pública. O que muitos talvez não saibam é que os Correios já não entregam correspondência em quase metade dos endereços da Cidade Maravilhosa. Refiro-me a ela porque é lá que a perda da “estatalidade” se tornou mais perceptível, mas em maior ou menor grau o processo se manifesta no País inteiro. Com um fator agravante: temos agora um vizinho, a Venezuela, onde o Estado atingiu um estágio avançado de putrefação, forçando centenas de milhares de cidadãos a buscarem refúgio em Roraima.

Com a contração causada pela recessão engendrada pelo lulopetismo, nossa renda anual por habitante deve ser atualmente metade da correspondente à Grécia e bem inferior à de Portugal. Se, recuperando a economia, lograrmos crescer 3% ao ano, o que não é trivial, precisaremos de mais de 20 anos para alcançar os dois países citados, e lá chegaremos com uma distribuição de renda muito pior, com uma situação educacional claramente inferior, com as condições de saneamento que conhecemos e possivelmente com índices ainda muito mais altos de violência. Isso significa que o debate público dos últimos anos nem sequer arranhou a superfície dos verdadeiros problemas, que são a velocidade do crescimento e a profundidade das reformas de que necessitamos.

Escusado dizer que não me estou referindo à antiga ladainha do “governo forte”, pedra de toque da retórica fascista, que por aqui vicejou vigorosamente à época da ditadura getulista. Refiro-me ao óbvio: o imperativo de quebrar a resistência dos grupos corporativos e encetar um esforço reformista muito maior. As reformas virão, de um jeito ou de outro: pelo caminho mais ou menos civilizado da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência.


ESTADÃO

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Partitocracia e reeleição

Hélio Duque

Impedir a chegada de novas gerações ao poder e consolidar o clientelismo patrimonialista e oligárquico, após a redemocratização, vem sendo a grande agenda da política brasileira. Mudam a lei eleitoral com frequência garantindo o continuísmo, desestimulando novos nomes que possam renovar os partidos políticos. A criação, em tempos recentes, do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário é um exemplo. Nesse ano abocanharam aproximadamente 2,6 bilhões de reais para as agremiações partidárias.Ressalte-se que, no passado recente, essas entidades privadas (os partidos políticos) não contavam com o dinheiro público. Passamos a viver o tempo da "partitocracia" que na imensa maioria não representa os interesses nacionais, mas unicamente os interesses pessoais e oligárquicos. Consolida a profissionalização da atividade política em todos os níveis. No futebol vende-se o passe do jogador, agora surgiu o mercado da compra de deputados. Para mudar de partido o valor varia de R$ 1 milhão a R$ 2,5 milhões. Tudo bancado pelo Fundo Eleitoral.

Quando relator da sepultada reforma política na Câmara, o deputado Vicente Cândido produziu uma frase lapidar: "A única coisa que unifica o Congresso é a vontade de se reeleger". O agora descaracterizado MDB (no passado com sólida história de redemocratização), presidido pelo senador Romero Jucá (no passado defensor dos governos autoritários), na última reunião da executiva nacional ao ter o seu mandado prorrogado por mais um ano, oficializou os privilégios das oligarquias partidárias.

Cada um dos 59 atuais deputados federais da legenda receberá R$ 1,5 milhão e os 14 senadores ganharão para as suas reeleições R$ 2 milhões, totalizando R$ 116 milhões. A "bonificação partidária" será unicamente para os detentores de mandato. Os candidatos novos não contarão com ajuda financeira. Nos demais partidos e arremedos de partidos que operam no mercado de legendas não deverá ser diferente.

Aqui vai, por dever histórico, um testemunho pessoal: exerci por três mandatos a missão de deputado federal, na quarta eleição não disputei. Fui um dos vice-presidentes da executiva nacional do PMDB e nunca recebi um centavo para as minhas campanhas. Igualmente Ulysses Guimarães que era o presidente nacional do partido. Não existia o Fundo Eleitoral. A deformação eleitoral foi a partir de 1997 quando, por emenda constitucional, o governo de Fernando Henrique Cardoso teve aprovada a reeleição para os cargos executivos. A Constituição de 1988, ao vetar a reeleição agia com prudência e equilíbrio, impedindo que o "mercado persa" eleitoral fosse tônica na política brasileira.

Em 2016, o deputado federal CarlosNajar apresentou projeto de lei acabando com a reeleição para o poder executivo. E limitava a três mandatos consecutivos no mesmo cargo no poder legislativo da União, dos Estados e Municípios. Proposta parlamentar amparada em sólido fundamento democrático. Nos EUA, em 17 Estados, as Constituições estaduais limitam ao mínimo de 2 e o máximo de 4 mandatos para deputados e senadores estaduais. A advogada Olívia da Silva Telles, graduada na Faculdade de Direito da USP e pós-graduada pela Universidade de Partis é autora do livro "Direito Eleitoral Comparado - EUA, França e Brasil". Nele se constata o atraso político brasileiro em relação à representação popular. Em função disso o projeto de lei do deputado federal Carlos Najar foi remetido para o arquivamento.

No México, o artigo 59 da Constituição estabelece: "Lossenadores y diputados al Congreso de la Unión no podrán ser reelectos para el periodo inmediato". Longe de defender a legislação mexicana que é radical, mas sem uma verdadeira reforma política o Brasil continuará a ter no caciquismo, no populismo, a sua militância política parlamentar divorciada dos interesses públicos.

catve.com

Opinião

Depois das catástrofes da era maoísta, a China parecia farta dos regimes autocráticos perpétuos. Mas o atual presidente prepara o terreno para se eternizar no poder, opina o jornalista Matthias von Hein

Xi Jinping era visto como um inexpressivo candidato de transição em 2012, quando assumiu as principais funções de liderança da República Popular da China: a presidência do todo-poderoso Partido Comunista, a chefia da Comissão Militar Central e o cargo de presidente do país. Mas logo se descobriu que o chefe de Estado chinês, atualmente com 64 anos, tinha sido grandemente subestimado.

Desde domingo (25/03), sabe-se que a ambição de Xi ultrapassa até mesmo os limites da Constituição chinesa. A agência local de notícias Xinhua informou sobre a apresentação de emendas constitucionais na próxima sessão do pseudoparlamento, o Congresso Nacional do Povo. Além de prosa partidária inofensiva, como a descrição mais detalhada do sistema socialista como "excelente", "moderno" e "belo", esconde-se uma outra mudança constitucional de potencial explosivo.

Na linguagem da agência Xinhua: "O Comitê Central do Partido Comunista da China propõe eliminar o trecho da Constituição que limita a cinco anos o mandado do presidente e do vice-presidente." Não há dúvida de que o Congresso do Povo aceitará essa proposta – afinal, ele nunca rejeitou nada.

Com isso, o Partido Comunista da China rompe oficialmente com uma prática de décadas de transferência ordenada de poder, o mais tardar após dez anos. Tal sistema foi introduzido pelo arquiteto da reforma na China, Deng Xiaoping, que tirou lições dos excessos cometidos na era do fundador da República, Mao Tsé-tung. Com poder concentrado e irrestrito, o líder comunista desencadeou catástrofes como o Grande Salto Adiante – campanha de aceleração do desenvolvimento do país que resultou na maior onda de fome provocada pelo ser humano – ou a Revolução Cultural.

A imagem de Mao permanece imponente sobre a entrada do Palácio Imperial, em Pequim, com o olhar voltado para a Praça da Paz Celestial – conhecida como centro simbólico do país e pelos protestos estudantis em 1989. Mas sua autocracia abriu feridas tão profundas, que até mesmo oficialmente a herança política maoísta é avaliada em apenas "70% boa, 30% má". Nunca mais uma só pessoa deveria ter tanto poder em suas mãos. O culto ao líder onipotente ficou mal visto. O coletivo deveria liderar.

Sob o trunfo da descentralização, experimentos eram bem-vindos.
Xi coloca um fim a isso. Ele eliminou rivais políticos com uma campanha contra a corrupção sem precedentes, que possui a vantagem de ser bem recebida pela população. Recentralizou estruturas e assumiu tantas responsabilidades em tantos grupos de liderança que numa edição passada a conceituada revista britânica The Economist  estampou a manchete "O chefe de tudo".

Desde a posse de Xi, adotaram-se medidas mais duras contra dissidentes, ativistas e a sociedade civil do que nas décadas anteriores. As pequenas liberdades vigentes foram revertidas. Por fim, em outubro, Xi se certificou que seu "pensamento Xi Jinping" fosse incorporado como teoria política nos estatutos do Partido Comunista – uma honra que até então só coubera ao próprio Mao.

Na prática, isso significa que ninguém no partido pode ter mais autoridade do que Xi. "Seja governo, Exército, sociedade ou escolas, seja norte, sul, leste ou oeste, o partido governa tudo", está descrito no estatuto partidário. Ou seja, Xi reina automaticamente sobre tudo. E esse aumento de poder é acompanhado por um crescente culto a sua personalidade.

Com a planejada reforma constitucional, Xi garante agora também institucionalmente a possibilidade de exercer esse poder de forma vitalícia. O mundo terá que se preparar para o líder chinês mais poderoso em décadas – por mais algumas décadas.

E isso, num momento em que a China cada vez mais se torna um centro geoestratégico, um país que levanta questões de concorrência sistêmica com as democracias do Ocidente e que busca reavivar o brilho da China imperial. O novo projeto One Belt – One Road, de uma Rota da Seda abrangendo todo o continente euroasiático, é apenas um gostinho prévio da ambição da China e, consequentemente, de seu presidente Xi Jinping.

DW – Deutsche Welle

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A casta de toga

Fernando Limongi

Nada justifica os privilégios do Poder Judiciário

No início de fevereiro, a revista "Isto é" festejou "o novo tom da justiça". Para a revista, "o Supremo não se dobra a pressões" e rejeita "acomodações". Posando com caras de durões e trajando capas, os Ministros foram retratados como heróis, membros da Liga da Justiça.

Na abertura do ano judiciário, 'Os Onze Supremos' foram recepcionados pela FRENTAS (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público). Os juízes e promotores não saudavam o estrelato de seus líderes. Estavam ali para pressionar, defender o seu. De lá para cá, a pressão só cresceu e, no final dessa semana, circularam rumores de que magistrados estariam dispostos a entrar em greve.

Não é a primeira vez que juízes pressionam o Supremo e ameaçam paralisar atividades. Fizeram o mesmo em 2000, ano da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da imposição de tetos salariais. Cortes e austeridade fiscal para todos, menos para os magistrados.

Nelson Jobim, em seu depoimento à História Oral do Supremo, desce aos detalhes, narrando peripécias de fazer inveja a Pedro Malasartes. Jobim manipulou pauta do Supremo, blefou, ameaçou, fez acordos com líderes do movimento grevista e muito mais. Tudo para escapar dos limites impostos pelo teto constitucional sem parecer que o Supremo cedera ao 'sindicato'. Para tanto, contou com a anuência do Presidente Fernando Henrique e fez tabelinha com o então Ministro Chefe da Casa Civil, Pedro Parente --a quem define como um 'craque' -- e com Gilmar Mendes, à época na Advocacia Geral da União.

Eis o resumo da ópera: "Aí você via as coisas mais malucas.(...) Tinha gratificação por... curso superior [risos]. Sabe disso? Tinha gratificação não sei do quê...,tinha o diabo de gratificação. (...) Eu absorvi tudo isso dentro do valor, então legalizei... E o Pedro Parente teve uma figura muito importante. (...) Todos aqueles penduricalhos que tinham, tudo ficou legalizado (...). Percebeu a lógica? Em vez de dizer que era ilegal, eu dizia que aquilo ali que tu recebeu passou a ser legalizado, porque passou a ser integrante do salário."

Não há quem não perceba a lógica. Jobim, Ministro do Supremo, guardião da Constituição, desenhou e implementou uma operação para 'legalizar' 'gratificações malucas'. Montou uma lavanderia, não de dinheiro, mas de penduricalhos. A operação foi longa e só se completou no governo Lula, em negociações diretas com o ministro Palocci e membros do STJ, para garantir que abono não fosse taxado. A íntegra do depoimento é de tirar o fôlego e vale o acesso ao portal do projeto.

Assim, quando afirmam que não há nada de ilegal em seus contracheques, que seus salários acima do teto não ferem a lei, os juízes não estão faltando inteiramente com a verdade. Está tudo 'legalizado'.

Mas os magistrados voltaram a inventar novos 'adicionais malucos'. O para moradia, garantido por Luís Fux em 2014, é só um deles. Isto para não falar das ações cobrando dívidas e adicionais não pagos no passado. Por isto, os contracheques chegam à estratosfera. Tudo legal. Tudo decidido e autorizado pelo próprio judiciário que julga as ações que move contra o Estado.

A desculpa que recebem o que a lei autoriza é esfarrapada. A lei em questão fere lei maior. Os subterfúgios encontrados agora não passam de modos espertos de contornar a legislação em benefício próprio. São reedições da lavanderia do Jobim. Como observou Ribamar Oliveira (Valor, 8/02/2018), a Lei de Diretrizes Orçamentárias em vigor veda explicitamente o pagamento do auxílio-moradia para o agente público que possui imóvel no município em que exerce o cargo. Bretas, Moro e Gilmar Mendes e tantos outros, portanto, desrespeitam a lei. Simples assim.

Os magistrados estão dispostos a tudo para preservar e justificar seus privilégios. O exemplo mais acabado ocorreu no início de 2016, significativamente, no Paraná. A Gazeta do Povo noticiou que juízes e promotores do estado recebiam salários acima do teto constitucional. A corporação recorreu à tática introduzida pela Igreja Universal: abrir processos individuais contra os jornalistas em 40 municípios espalhados pelo Estado. Eram citados em Curitiba em um dia, Maringá em outro e assim por diante, forçados a viajar pelo Estado para responder as citações, impedidos de trabalhar e arcando com os custos da defesa e as despesas dos deslocamentos. Que outra organização recorreria a uma estratégia tão requintada de vingança?

Ainda assim, em uma primeira decisão, a Ministra Rosa Weber não viu nada de errado na retaliação coletiva orquestrada pelos paranaenses. Demorou meses para se convencer do óbvio e acatar a medida cautelar do jornal.

O mais incrível é que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) não se deu por vencida e entrou com pedido para que a ministra revisse sua decisão, alegando que "não houve abuso do direito de ação por parte dos magistrados paranaenses, pelo simples motivo de que a Associação de Classe não tem legitimação para propor ação coletiva visando à obtenção de indenização que decorre da violação de direito personalíssimo (ofensa à honra e intimidade)." Quando a questão é garantir seus salários, os membros da casta se comportam como intocáveis.

Desde a aprovação da LRF, juízes e promotores defendem seus privilégios com voracidade incomum, sem respeito à ética e à lei. Nada justifica os privilégios com que contam e só querem fazer crescer. Austeridade, só para os outros. Pode faltar dinheiro para educação e para a saúde, mas não para o Judiciário.

Não por acaso, na Lava Jato, não é segredo, delações envolvendo os membros da Liga foram evitadas. Moro e Dallagnol sabem das retaliações de que seus pares seriam capazes, afinal moram no Paraná e, no frigir dos ovos, são beneficiários dos penduricalhos 'lavados' por Jobim. Os castos predam o erário que dizem defender.

Nada mudou. A Liga da Justiça traja toga cinza. Austeridade, só para os demais.

Valor Econômico


Dentro da fábrica russa de mentiras

PILAR BONET

Centenas de pessoas trabalham desde 2014 em um conjunto de escritórios de São Petersburgo. Sua missão é espalhar boatos pela comunicação na Internet, favoráveis ao Kremlin

A guerra e o “fascismo” na Ucrânia, a “decadência” da Europa, os problemas financeiros da Grécia; o presidente dos EUA, Barack Obama, e a chanceler alemã Angela Merkel. Todos esses assuntos eram alvo dos comentários críticos que a “fábrica de mentiras” de São Petersburgo gerava quando Marat Mindiarov, de 43 anos, passou por aquela engrenagem, de 15 e dezembro de 2014 a 15 de fevereiro de 2015.

Em um café de São Petersburgo Mindiarov contou nessa semana sua experiência ao EL PAÍS. Poucos dias antes, o departamento de Justiça dos EUA publicou o relatório do promotor especial Robert Mueller sobre as supostas ingerências russas nos processos políticos norte-americanos de 2014 até hoje, incluindo as eleições de 2016.

O relatório Mueller denuncia a Agência de Investigação da Internet (AII) pela criação e uso de contas com identidades falsas e de fora do país para comprar anúncios e pagar serviços nos EUA, mediante recursos técnicos localizados naquele país e também de utilizar cidadãos norte-americanos que não sabiam de sua participação na trama criminosa arquitetada na rua Savuchkina número 55, em São Petersburgo.

O principal envolvido na lista de 13 pessoas do promotor Mueller é Yevgeny Prigozhin, fundador de um poderoso império de catering graças às suas boas relações com a classe dirigente russa. Prigozhin é acusado de financiar através de várias empresas as ingerências na política norte-americana e nas eleições presidenciais de 2016.

Mindiarov, que trabalha atualmente como carteiro, diz estar muito satisfeito com o relatório de Mueller e acha que após sua publicação “nada será como antes”. Na chamada “fábrica de mentiras”, nosso interlocutor foi somente uma pequena peça em uma máquina de propaganda que, de acordo com investigações do serviço RBK, evoluiu e se diversificou com o tempo até chegar a criar um verdadeiro império da informação no qual estão pelo menos 16 veículos de comunicação de orientação “patriótica”. Esses veículos, segundo o RBK, se aglutinam em torno da chamada Agência Federal de Notícias e ocupam posições de liderança nos buscadores russos.
Em seu formato original, puramente propagandístico, a fábrica é parte de uma reação às manifestações de protestos contra as irregularidades nas eleições parlamentares e presidenciais de 2011 e 2012.

“O Kremlin percebeu à época que havia abandonado a Internet nas mãos da oposição e dos setores liberais pró-ocidentais e começou a sanar esse problema”, diz um diretor da área da comunicação muito bem informado, que prefere não ser citado. A fonte afirma desconhecer qual é o mecanismo de ligação entre a “fábrica de mentiras” e as estruturas estatais russas e lembra do pouco interesse demonstrado por Putin em relação à Internet no passado.

Mindiarov chegou à “fábrica de mentiras” quando estava prestes a ficar desempregado, pois o hotel em que trabalhava iria fechar. Um dos clientes escrevia comentários para o estabelecimento da rua Savuchkina e o encorajou a tentar a sorte. Após um exame de fluidez verbal e ortografia e uma pesquisa sobre sua orientação ideológica, o colocaram para escrever textos. Trabalhava 12 horas por dia (dois dias seguidos e dois livres), por um salário que variava entre os 40.000 e 50.000 rublos (2.300 a 2.875 reais). Segundo ele, fazia parte de uma “brigada” de 20 pessoas instaladas em um escritório. Em cada um dos quatros andares do edifício existiam de oito a dez escritórios com número análogo de funcionários. De modo que, segundo Mindiarov, no local trabalhavam várias centenas de pessoas.

Seguindo as diretrizes por e-mail dos tutores, a brigada desenvolvia o assunto da vez. Obama era “um filão inesgotável”, segundo nosso interlocutor. Às vezes, “ocorriam situações absurdas”, como tirar proveito do momento em que Obama tirou o chiclete da boca em uma cerimônia oficial durante uma visita à Índia. A brigada de Mindiarov “inventou quatro ou cinco personagens” que interagiram na Rede, um deles a favor do líder norte-americano e o restante, contra. O resultado foram 135 comentários sobre a “degradação dos costumes na América”, diz. “Às vezes, os noticiários da televisão estatal reproduziam os assuntos nos quais nós trabalhávamos com a mesma ordem e orientação”, diz.

Uma empresa paramilitar
Mindiarov lembra da visita natalina à uma Igreja feita pelo presidente. “Putin era constantemente elogiado e tanto elogio se tornava chato. Era um trabalho monótono e exaustivo. Não havia condições para ser criativo”, afirma. Os comentaristas colocavam suas mentiras em páginas da Internet de províncias russas. Mindiarov diz não ter entrado em contato com outros comentaristas do escritório internacional, dirigido a uma audiência fora da Rússia. No recrutamento de pessoal para agir no Facebook, um trabalho que oferecia um salário melhor do que sua seção, não foi aceito por seu nível baixo de inglês.

Dzheijun Nasimi Ogly Aslanov, que dirigiu aquele recrutamento de funcionários para o Facebook, está agora na lista do promotor Mueller e pode ser extraditado se viajar a países com os quais Washington tem convênio de extradição. Segundo Mindiarov, Aslanov se diferenciava humanamente no grupo de “personagens indiferentes” – estudantes, pessoas que não finalizaram os estudos –, concentrados na “difusão de mentiras” nas quais só “alguns loucos” acreditavam e que proclamavam suas ideias na cozinha, quando interrompiam seu trabalho para comer.

Enquanto ingeriam o conteúdo de suas marmitas, “frequentemente brincávamos sobre como era possível que nas estruturas do “cozinheiro do Kremlin” [Prigozhin] não existia nem mesmo uma cantina”, diz. Mindiarov não assinou nenhum contrato, não tinha documentos que comprovavam sua função como colaborador da agência e recebia o salário em espécie. Uma vez foi repreendido por confundir o presidente da Ucrânia Víktor Yanukóvytch com seu sucessor, Piotr Poroshenko, e criticar o primeiro no lugar do segundo. Esperou o dia do pagamento e saiu sem se despedir.

A experiência de Mindiarov é anterior ao envolvimento da AII na campanha eleitoral norte-americana. Em uma investigação do RBK, publicada em outubro, afirma-se que a tarefa de desacreditar a imagem dos candidatos norte-americanos foi designada no começo de 2015.

Entre as estruturas ligadas a Prigozhin está a empresa paramilitar privada Wagner, agora centro de atenção pública pelas incógnitas sobre seus efetivos mortos na Síria. Essas duas instituições – a fábrica de mentiras e a Wagner – podem ser consideradas como um exemplo da tendência do Estado de praticar ooutsourcing (externalização) de operações arriscadas para sua própria legitimidade, segundo a cientista política Yekaterina Schulman. Na emissora O Eco de Moscou, a especialista alertou sobre o preço de tal “deslocalização”, que pode ser traduzida como uma erosão desse mesmo Estado.

DA BANQUINHA DE CACHORRO QUENTE AO IMPÉRIO GASTRONÔMICO
Yevgeny Prigozhin, mais conhecido como “o cozinheiro do Kremlin”, começou sua carreira em Leningrado (hoje São Petersburgo) vendendo cachorros quentes, como contou em 2011 em uma entrevista ao site Gorod-812.ru.

Sem terminar seus estudos superiores como químico farmacêutico, Prigozhin fundou vários restaurantes na cidade do rio Neva. Um deles, o “Staraya Tamozhnya”, se transformou no local de encontro entre políticos russos e clientes estrangeiros. O empresário, então, passou a alimentar os participantes de eventos como as reuniões do G-8 (a reunião das maiores potências mundiais da qual a Rússia foi excluída em 2014).

Prigozhin disse ter conhecido Putin quando este foi a um de seus restaurantes acompanhado pelo primeiro-ministro japonês Isiro Mori (em 2000). Posteriormente, Putin voltou ao restaurante em companhia de George Bush, que viajou a São Petersburgo em 2006.

Após seu sucesso como restauranteur, Prigozhin empreendeu a aventura do “catering” dirigido a instituições de ensino, do funcionalismo púbico e militares. O empresário se orgulha de ter fundado a primeira fábrica de refeições pré-prontas embaladas a vácuo da Rússia, que contou com a participação de Putin na inauguração em outubro de 2010.

“Putin viu como fiz negócios desde a banquinha de cachorro quente e como não me incomodo de levar pessoalmente os pratos a pessoas importantes, quando chegam a mim como clientes”, explicou.

As empresas alimentícias de Prigozhin agem como um cartel, diz o jornalista Alexandr Gorshkov, diretor do site de informações Fontanka.ru, que cita o Comitê Antimonopólio da Rússia. “Sempre ganham todas as concorrências das quais participam e os contratos com a administração dão bilhões de rublos a eles que são gastos na manutenção das empresas militares privadas”. “A fábrica de mentiras é parte de um enorme iceberg”, afirma Gorshkov, que atribui os mais de mil artigos críticos contra o Fontanka.ru que surgiram nas redes sociais russas desde agosto às informações sobre a empresa Wagner fornecidas por sua agência.

EL PAÍS - San Petersburgo


domingo, 25 de fevereiro de 2018

Escola Sem Partido

Parecer sobre a constitucionalidade do Programa Escola sem Partido



Clique AQUI para ler o parecer sobre a constitucionalidade dos anteprojetos de lei estadual e municipal do Movimento Escola sem Partido, de autoria do advogado Miguel Nagib.

Salário mínimo congelado pode virar realidade em menos de dois anos

Flávia Pierry
(*)

Margem de gastos está muito apertada para os próximos anos e é preciso adotar medidas de corte de gastos estruturais, como reforma da Previdência, diz Instituição Fiscal Independente

Quem respirou aliviado ao ver que o governo pode ter jogado a toalhasobre a reforma da Previdência, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, pode começar a ficar preocupado com a possibilidade de um congelamento no salário mínimo em 2020. Projeção da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado aponta que há risco de não cumprimento do teto de gastos já no ano que vem, o que obrigaria o governo a cortar despesas e congelar novos gastos, inclusive com aposentadorias e pensões. 

Na segunda-feira (19), os técnicos do IFI anunciaram novas projeções econômicas, que sinalizam que a margem de gastos que o governo pode cortar está muito comprimida para os próximos anos, indicando que é possível que já em 2019 o governo tenha de realizar cortes mais profundos nos gastos para cumprir o teto fiscal. 

Pela regra do Teto de Gastos aprovada em 2016, caso o governo não consiga cumprir com seu limite de gastos ano a ano (que é limitado ao crescimento registrado no ano anterior mais a inflação), fica proibida qualquer medida que aumente a despesa governamental. Dentre elas, a concessão de aumentos salariais, novas contratações pelo serviço público, realização de concursos, novos auxílios e bônus e até mesmo a criação de despesas obrigatórias, o que se aplica ao salário mínimo. 

“Em 2019, a margem fiscal já vai ficar inviável de ser cumprida”, afirmou Felipe Salto, diretor-executivo do IFI. 

Segundo o especialista, da parte do Orçamento que pode ser cortado, a chamada margem fiscal, ficará muito comprimida já no ano que vem, o que pode indicar que caso ocorra qualquer imprevisto, o governo pode não conseguir cumprir o teto. Este ano, a parte de gastos que pode ser cortada é aproximadamente R$ 40 bilhões, passando a R$ 24 bilhões em 2018 e R$ 8 bilhões em 2020. Esses valores já retiram da margem cerca de R$ 75 bilhões que, apesar de poderem ser cortados por lei não são cortadas ou implicariam a interrupção de funcionamento dos prédios públicos do Poder Federal. 

Atualmente, quase 70% das despesas do governo são com gastos de pessoal e transferência de renda, rubricas que são dependentes do valor do salário mínimo, atualmente em R$ 954 para 2018. 

Apesar do cenário sombrio, o IFI melhorou sua projeção para outros indicadores econômicos. A produção industrial cresceu mais que o esperado no ano passado e há dados que mostram que o trabalho sem carteira assinada cresceu 5,7% em dezembro do ano passado, o que sinaliza que o emprego com carteira assinada também deve mostrar melhora este ano.

Gazeta do Povo

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  como sempre, a corda rebenta no lado mais fraco. Mesmo assim, esse Congresso nada faz para reestruturar o Estado. Quando muito, algumas reformas e remendos, mas o essencial fica para as calendas gregas, ou, dia de são nunca.
Sacanear com os da base da pirâmide é uma especialidade Liberal.


sábado, 24 de fevereiro de 2018

Impunidade no forno

ELIANE CANTANHÊDE

Como o Congresso fracassou e teve de recuar em suas tentativas de “estancar a sangria” da Lava Jato, esse papel pode ser exercido, nada mais, nada menos, pelo Supremo Tribunal Federal. Basta o plenário tomar duas decisões: restringir o foro privilegiado dos políticos com mandato e acabar com a prisão após condenação em segunda instância.Essas duas decisões, somadas, significam que muitos criminosos de colarinho branco já presos serão soltos e muitos dos que estão na bica para ser presos já não serão mais. Uma equação perfeita cujo resultado tem nome: impunidade.

Como funciona? Assim: 1) o Supremo formaliza o fim do foro privilegiado e empurra os políticos para a primeira instância, em seus redutos eleitorais; 2) o processo praticamente recomeça do zero e pode demorar anos até o acusado ser julgado e condenado pelo juiz e depois pelo TRF; 3) e, com a revisão simultânea da prisão em segunda instância, pelo próprio Supremo, não acontece nada com o réu. Ele vai continuar entrando com recurso atrás de recurso, livre, leve e solto.

Isso tudo com um efeito colateral bastante forte na Lava Jato ou em qualquer investigação, em qualquer tempo, sobre corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Sabem qual? O fim, objetivamente, das delações premiadas que foram fundamentais para desvendar esquemas complexos como o do saque na nossa Petrobrás. Qual envolvido vai fazer delação, sabendo que não corre o risco iminente de prisão?

O fim da prisão após a segunda instância beneficia diretamente o ex-presidente Lula. O fim (ou revisão) do foro privilegiado interessa a todos os políticos com mandato e investigados pelo Supremo. As duas coisas, somadas, dizem respeito a todos eles. Logo, já há especialistas fazendo a seguinte conexão: os antipetistas salvam a cabeça de Lula para salvar todos os aliados; os petistas salvam todos os adversários para salvar a cabeça de Lula. Um “acordão” ou, numa linguagem mais polida, uma “convergência” das forças políticas e dos grandes partidos.

Pode até ser, mas não parece pura coincidência o movimento dos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli. Fachin, relator da Lava Jato, delegou ao plenário o pedido de Habeas Corpus preventivo para Lula não ser preso, criando condições para a previsão de prisão após segunda instância. Ato contínuo, Toffoli anunciou que está pronto para julgar a revisão do foro privilegiado, já virtualmente definida, por 7 dos 11 ministros, mas nunca proclamada porque Toffoli pediu vista mesmo após formada a maioria do plenário.

Uma peça-chave é o ministro Gilmar Mendes, que reúne duas condições curiosas: a de principal anti-Lula do Supremo, mas pronto a mudar seu voto e salvar o petista da prisão. Gilmar não tem proximidade com Fachin, mas Toffoli foi advogado do PT, indicado por Lula para o STF e tem bom diálogo com Gilmar e com Fachin.

Especialistas estranharam detalhes fora da praxe quando Fachin despachou o HC de Lula para o plenário: a rapidez (recebeu, despachou); não esperou a análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ); não pediu informações para os juízes do caso; não solicitou parecer da Procuradoria-Geral da República (que se manifestou apesar disso).

No mesmo embalo, Fachin liberou para o plenário também dois outros pedidos de HC para os quais tinha pedido vista no ano passado na segunda turma. Soou assim: não estou privilegiando o HC de Lula...

Diferentemente da revisão da prisão em segunda instância, o fim do foro privilegiado é bem popular. Mas aos dois, juntos, significam que os processos dos poderosos vão rolar, rolar e rolar, de recurso em recurso, e acabar justamente no Supremo. Só que 20 anos depois...

O Estado de São Paulo


Considerações sobre o plano do economista Paulo Guedes para o candidato Bolsonaro - 3ª parte – “Previdência”

Martim Berto Fuchs

3 - Previdência
“Realização/ampliação da reforma do atual sistema previdenciário e criação de sistema de capitalização, com contas individuais, para novos participantes.”

Considerações sobre a proposta de Paulo Guedes
“Realização/ampliação da reforma do atual sistema previdenciário ...”
Um tanto genérica esta primeira parte. Propõe que se realize a reforma do atual sistema, sem entrar em detalhes. Fazer tem que fazer, mas a questão é justamente como fazer.
Todos querem o fim dos privilégios. Dos outros. Os seus são direitos adquiridos. Dessa forma, não reformarão nada, nunca. É isto que tem que ser enfrentado, claramente, doa a quem doer. O que não pode mais, é descarregar o ônus sobre os contribuintes celetistas-CLT, única conta superavitária.

Senão vejamos:
1.Quando havia dinheiro, no início de todo esse programa da Previdência, o governo gastou boa parte dos recursos com obras públicas, e este dinheiro nunca retornou. Construção de Brasília, p.ex.. 
2.Da mesma forma usou o dinheiro para atender os idosos do campo, sem que esses contribuíssem. Este é o segundo maior furo nas contas da Previdência.
3. O primeiro furo são as aposentadorias do funcionalismo público. O que está emperrando a reforma é a atuação orquestrada dos sindicatos ligados a eles, e, não menos, a atuação individual de muitos deles, em postos chaves, como foi o caso do já esquecido Rodrigo Janot.

Não adianta, p.ex., culpar empresários pelo não recolhimento das contribuições, de uns anos para cá, alegando que é isto que faliu a Previdência. Se estes empresários que deixaram de contribuir - para fazer caixa e enfrentar as crises geradas pela “administração” pública -  continuassem contribuindo, apenas teríamos a CLT superavitária encobrindo os déficits gerados pela aposentadoria rural e do funcionalismo. O que tem que ser enfrentado são esses déficits e estes até agora os nossos políticos não tem coragem de encarar. Em parte, porque toda sua grande família (cabos eleitorais, parentes, amantes e amigos) está encostada nas folhas de pagamento do funcionalismo. Por outro, tem medo de perderem votos, pois estes funcionários e suas famílias se voltariam contra eles. E o receio, quase certeza, de serem patrulhados e sacaneados pelos funcionários no seu dia a dia de trabalho, pois dependem deles para suas demandas internas.

“Ampliação ... da reforma com a criação de sistema de capitalização, com contas individuais, para novos participantes.”
Esta capitalização se daria através dos bancos particulares, como toda e qualquer proposta Liberal. Os trabalhadores teriam descontados do seu rendimento, em primeiro lugar, o lucro distribuído aos acionistas.  Em segundo lugar, os pró-labores exorbitantes que os banqueiros se auto-concedem. O que sobrasse seria do investidor. Se o gerenciador não falisse antes.
Segundo. a).Esta capitalização seria paga pelo empregador, b).ou ficaria a critério e por conta do trabalhador ? Na segunda hipótese, já sabemos de antemão que poucos iriam capitalizar regularmente, ou quase nunca, pois não sobra dinheiro para tanto. Logo, é uma proposta que pouco vai resolver, sem contar o fato de que não é a CLT que é deficitária.

Proposta Capitalismo Social-MBF:
Tenho comigo que toda e qualquer reforma ou remendo que se faça no atual sistema de Previdência, manterá as duas classes existentes no Brasil. Os trabalhadores da iniciativa privada de um lado, abaixo, e o funcionalismo público do outro, acima. Isto tem nome: chama-se castas.
A proposta de Capitalismo Social é a passagem já a partir do próximo ano para um sistema único de capitalização: FIPS – Fundo de Investimento e Previdência Social, para todos brasileiros, onde todo resultado seja canalizado para o contribuinte.
Detalhes no link abaixo.


Observação: primeiro vamos definir a proposta, como sendo de todas a melhor; depois se discute como implementá-la. Se ela não servir para a maioria, não adianta discutir sua implementação.
E analisem o outro importante aspecto: - Além da aposentadoria, o investimento nas empresas nacionais, ou seja, desenvolvimento sem dívida, sustentável.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Sem juízo

Editorial

Apego de magistrados a penduricalhos dá ideia de como será a batalha para reformar o Orçamento

Entre a desfaçatez e o ridículo, magistrados federais tentam fazer avançar a ideia de uma paralisação da categoria —movimento cujo propósito, embalado em retórica jurídica e sindical, limita-se à defesa do indefensável.

O alvoroço decorre da decisão do Supremo Tribunal Federal, já tardia, de marcar para 22 de março o julgamento que pode acabar com a concessão generalizada de auxílio-moradia a juízes, incluídos os que residem em imóvel próprio na cidade onde trabalham.

Essa benesse, de R$ 4.377,73 mensais, está amparada em decisão provisória de 2014 do ministro Luiz Fux, e apenas afinidades corporativas parecem explicar a delonga do STF em deliberar de modo definitivo sobre o assunto.

Basta o bom senso mais elementar, afinal, para entender que tal modalidade de remuneração extra só faz sentido nos casos de profissionais deslocados para regiões distantes de sua residência habitual.

Entretanto a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) faz o que pode para desafiar a lógica. Em nota pública, a entidade reclama que outras vantagens, a exemplo das pagas na Justiça estadual, não serão examinadas —como se um privilégio justificasse outro.

Já em mensagem aos associados, a Ajufe repete a cantilena de que o Judiciário não tem recebido reajustes salariais —e o auxílio-moradia, presume-se, seria uma forma tortuosa de compensação.

É espantoso que o argumento venha de uma categoria instalada no 1% mais bem pago da população nacional, além de protegida do elevado desemprego que aflige os brasileiros há três anos.

Em média, cada um dos 18 mil magistrados do país custa R$ 47,7 mil mensais aos cofres públicos. O montante, bem superior ao teto do funcionalismo (R$ 33,8 mil), evidencia que o auxílio-moradia é apenas um de muitos mimos custeados pelo contribuinte.

O apego mesquinho de uma corporação de elite a penduricalhos desse tipo dá ideia de como serão árduas as batalhas para reformar o Orçamento público. Privilegiados pelas garantias do Estado, no mais das vezes, refugiam-se às lamúrias no papel de vítimas para manter seus ganhos ou reivindicar novos.
Uma eventual paralisação dos juízes, por sinal, acrescentará mais um período de folga aos dois meses de férias a que eles têm direito.

Folha de São Paulo

Insegurança Jurídica e Irresponsabilidade Política

Luiz Eduardo da Rocha Paiva

A Procuradora Geral da República defende o "reconhecimento da imprescritibilidade dos crimes de tortura, a reflexão a respeito do alcance da anistia [e que] a natureza permanente do crime de ocultação de cadáver [-] afasta por completo qualquer cogitação de prescrição". Pretende, certamente, a revisão da anistia de 1979, para punir agentes do Estado que combateram a luta armada.

Quanto à prescrição, a Constituição Federal de 1988 (art.5º, XLIV) considera imprescritíveis apenas os crimes de “racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Tortura continuou prescritível, mas deixou de ser anistiável (art.5º, XLIII), embora tal restrição não possa retroagir contra os anistiados em 1979, conforme o mesmo artigo, nos incisos XXXVI (direito adquirido) e XL (irretroatividade da lei penal).

O art.5º é cláusula pétrea e, por isso, não pode ser alterado nem por emenda constitucional. A Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Contra a Humanidade (ONU-1968) não foi ratificada pelo Brasil e a competência da Convenção Interamericana de Direitos Humanos foi ratificada por nosso país para julgar apenas violações cometidas após 1998. Por isso, sua condenação ao Brasil, em 2010, por supostos crimes no Araguaia nos anos 1970, é inválida.

Se a Procuradora Geral, equivocadamente, evoca instrumentos internacionais não ratificados pelo Brasil até 1979, propondo repensar a anistia, por coerência, deveria evocar, também, os que implicariam repensar a anistia dos militantes da luta armada. A Assembleia Geral da ONU (2005) aprovou os Princípios e Diretrizes Básicas sobre o Direito [-] à Reparação para Vítimas de Violações de DH [-], em que os Estados se obrigam a: investigar e tomar providências contra os responsáveis por violações, incluindo indivíduos e entidades; garantir a reparação das vítimas; e revelar a verdade, incluindo-a em documentos de ensino (artigos 15 a 22). Por que a Comissão (da omissão) da Verdade não cumpriu essa legislação?

Pela Lei de Anistia (art.1º), foi “concedida anistia a todos quantos, no período [-] cometeram crimes políticos ou conexos com estes [-]” e foram considerados conexos, para efeitos deste artigo, “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política” (§1º do art.1º). O limite da anistia não estava nem mesmo na natureza do crime e sim na sua motivação. Sepúlveda Pertence, representante da OAB na elaboração da lei, disse: “nenhuma voz se levantou para pôr em dúvida a interpretação de que o art.1º; §1º implicava a anistia da tortura e dos assassínios perpetrados por servidores públicos”.

A anistia ampla e geral era condição para redemocratizar o país sem retrocessos e os legisladores, cientes do anseio de pacificação da sociedade, tiveram essa intenção. Assim, esse é o espírito da lei, que não admite reinterpretação fora do contexto histórico. Para completar, a anistia foi reafirmada na Emenda Constitucional Nr 26/1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte e estabeleceu no art.4º; §1º: “É concedida [-] anistia aos autores de crimes políticos ou conexos [-]”. É a própria Constituição de 1988 acolhendo a anistia.

Em 2010, a mesma OAB, que participara e concordara com o texto de 1979, entrou no STF com um pedido que visava a reinterpretação da norma, para que fossem julgados agentes do Estado supostamente envolvidos em crimes no combate à luta armada. A petição foi derrotada por sete votos a dois, sendo contrários ao pleito da OAB o voto do relator e os pareceres da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República. Ora, a justiça mudaria conforme a crença (ou ideologia?) do Procurador(a) Geral de plantão? E como fica a segurança jurídica?

A anistia não foi unilateral como a esquerda ilude a sociedade, mas sim ampla, geral e irrestrita, com negociação aberta entre governo, oposição e sociedade civil e com o Brasil em plena redemocratização, pois o AI5 fora revogado. Os militantes da luta armada receberam tudo que precisavam para voltar à vida normal. Que mais queriam? Que o vencedor lhes desse os meios de vingança?

O crime de desaparecimento forçado, por não estar tipificado à época, só podia ser enquadrado como sequestro, um delito continuado. Contudo, a Lei de Indenizações (Nr. 9.140/1995) reconheceu “como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas [-] detidas por agentes públicos, achando-se, [entre 1961-1988], desaparecidas, sem que delas haja notícias” (art.1º). A Lei teve o apoio das famílias de desaparecidos, interessadas em se habilitar às indenizações.

Ora essa, pessoas desaparecidas, mas reconhecidas como mortas para todos efeitos legais, não podem estar sequestradas e assim tem decidido a justiça. Há controvérsia jurídica quanto à caracterização do crime de ocultação de cadáver. Existem decisões judiciais reconhecendo sua prescritibilidade, por ser um crime instantâneo, concretizado no ato do desaparecimento do corpo, quando inicia a contagem do tempo de prescrição. Os efeitos seriam permanentes, mas não o crime.

Anistia é instrumento político de pacificação e não jurídico, extinguindo o crime e a punibilidade. Não defendo terrorismo, tortura, sequestro e execução por militante da luta armada nem por agente do Estado, mas a sim a anistia ampla, geral e irrestrita acordada em 1979. As anistias pacificaram o Brasil nos conflitos de nossa História, assim, se a sua credibilidade for comprometida, nunca mais será eficaz em futuros confrontos entre irmãos.

O STF será um veículo de insegurança jurídica, se voltar a julgar questões já decididas, cedendo à pressão de grupos ideológicos socialistas revanchistas, cujas ações fraturaram a coesão nacional. Será irresponsabilidade política com risco à paz social.

Luiz Eduardo da Rocha Paiva
General de Divisão, na reserva. O artigo foi enviado a um jornal que recusou a publicação. Ou seja, o artigo do General foi devidamente censurado...

Artigo no Alerta Total


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Rebelião sindical contra a reforma trabalhista

Editorial

A resistência à modernização das relações de trabalho leva sindicatos a desrespeitarem o Congresso e a agirem como se o imposto sindical ainda existisse

O momento por que o país passa, com necessidade de ajustes nos gastos públicos, apresenta vários exemplos de como grupos de privilegiados na sociedade, dentro e fora do Estado, reagem com vigor ao risco de perdas necessárias à estabilização da economia e à modernização do sistema produtivo.

A reforma da Previdência é caso evidente, pelo tamanho e características do problema, bem como pelas resistências corporativistas. O sistema como um todo precisa ser atualizado para uma nova realidade demográfica, de crescente parcela de idosos, com expectativa de vida em ascensão — uma boa notícia —, sem que o fluxo de entrada de jovens no mercado de trabalho, novos contribuintes do INSS, financie o aumento dos gastos com aposentadorias e benefícios. Resultado, déficits.

Há, ainda, a enorme disparidade entre a aposentadoria do assalariado do setor privado e do servidor público, em favor deste, injustiça que grupos organizados do funcionalismo não admitem que seja eliminada. É o que está à espera do novo presidente.

No âmbito das relações trabalhistas, a resistência de castas é mais grave, porque sindicatos driblam a reforma no que se refere à extinção do imposto sindical, uma excrescência, substituído por contribuições espontâneas. Os dirigentes sindicais cometem uma ilegalidade.

Sancionada a reforma em julho, desde então chegou formalmente ao fim a tunga daquele imposto, equivalente, por ano, a um dia de trabalho, fosse a pessoa sindicalizada ou não.

Era um dinheiro fácil — em 2016, R$ 2,9 bilhões —, gasto sem qualquer controle, um convite à roubalheira. E casos de desvios já foram relatados pelo jornalismo profissional.

Quando surgiu no sindicalismo e na política, no final da década de 70, o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva combatia essa ordem varguista: era contra o imposto sindical e o monopólio regional. Ou seja, a impossibilidade de haver dois sindicatos por base. Eleito presidente, mudou de ideia e ainda reservou milhões do imposto para as centrais (CUT, Força Sindical etc.).

A reforma — como desejava o Lula dos anos 1970 — força o sindicato a prestar bons serviços aos filiados, para que eles aceitem contribuir. Os sindicatos precisam ter de fato representatividade.

Mas, em vez disso, como revelou reportagem do GLOBO, têm realizado assembleias de quórum desconhecido e aprovado “contribuições” que, em alguns casos, chegam a ser mais elevadas que o extinto imposto sindical. Na representação dos metalúrgicos de São Paulo, por exemplo, ela corresponde a 3,5 dias de trabalho, mais que o triplo do imposto.

É nisto que deu este aparato corporativista monstruoso instituído no getulismo da ditadura do Estado Novo, com pedigree fascista. Sindicatos de trabalhadores e patronais estão ligados ao Estado, eterno tutor, e têm até Justiça própria.

Os interesses criados por esta máquina são tão fortes e autônomos que sequer obedecem ao Congresso, como demonstra esta resistência inconcebível a seguir as novas regras trabalhistas. O Ministério Público e a Justiça precisam agir.

O Globo


Como vai funcionar a jornada de trabalho de 28 horas por semana que será implantada na Alemanha

Clarissa Neher

A partir de 2019, os trabalhadores da indústria metalúrgica e eletrônica na Alemanha poderão reduzir temporariamente sua carga horária de trabalho para até 28 horas semanais. Em contrapartida, as empresas poderão aumentar a jornada daqueles que desejam trabalhar além do atual limite de 35 horas por semana.

A flexibilização temporária da carga horária no setor, alcançada por meio de negociações sindicais, está sendo vista no país com um projeto piloto, cujo resultado pode promover uma pequena revolução nas atuais jornadas de trabalho estáticas. O sucesso deste experimento pode ainda impulsionar uma futura reforma trabalhista e servir de modelo para outros países.

"A ideia principal deste modelo, ou seja, a criação de um corredor de variantes de cargas horárias entre 28 horas e 40 horas semanais, é nova e tem um potencial de exportação", avalia o economista Alexander Spermann, especialista em mercado de trabalho e professor associado na Universidade de Freiburg.

Já a socióloga Ursula Stöger, da Universidade de Ausburgo, é mais cautelosa. Segundo ela, como a tendência é que a redução temporária da jornada seja solicitada principalmente por mulheres com filhos, a exportação do modelo dependerá muito das características dos mercados de trabalho de cada país.

"Em países onde há uma grande parcela de mulheres trabalhando em período integral, este pode ser um bom modelo. Também é importante que a renda seja relativamente alta, pois o exemplo alemão implica numa redução salarial", argumenta a especialista em socioeconomia do mercado de trabalho.

O grande diferencial do modelo acordado na Alemanha, em relação aos debatidos em outros países até agora, é a flexibilidade para o ajuste temporário de jornadas com a garantia ao empregado do retorno ao período integral, sem enfrentar restrições do empregador, após o tempo máximo estabelecido para a diminuição da carga horária, que é de dois anos.
Assim, a redução para até 28 horas semanais não é permanente ou imposta a todos. É uma opção oferecida àqueles que desejam trabalhar menos durante um período específico, por no máximo dois anos, e que, para isso, estão também dispostos a receber menos neste tempo.

Já as empresas conquistaram com o acordo a possibilidade de aumentar a jornada de trabalho das 35 horas semanais, em vigor há mais de três décadas no setor, para até 40 horas em casos de funcionários que desejem trabalhar mais.

No Brasil, uma lei de 1965, a 4.923, permite redução da jornada de trabalho com diminuição proporcional dos salários. Apesar de valer para todos os setores, ela é bem mais limitada do que a alemã: precisa ser negociada pelo sindicato e vale para um grupo específico de trabalhadores por um prazo máximo de três meses, prorrogáveis, com redução dos salários de até 25%.

Na prática, é um instrumento para que as empresas tentem evitar demissões em períodos de crise.

Em 2015, o governo Dilma Rousseff ampliou a medida através do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), em que a redução de jornada pode se estender por até um ano, com corte de até 30% e possibilidade de ajuda financeira do governo para complementar a remuneração dos trabalhadores afetados. Em 2016, Temer reeditou a medida por mais dois anos.

Modelo para o futuro?
Para Werner Eichhorst, do Instituto Economia do Trabalho (IZA), o modelo da indústria metalúrgica e eletrônica alemã vai ao encontro do futuro do trabalho, que não estaria na redução geral das atuais jornadas, mas sim na possibilidade de flexibilizações temporárias, com cargas horárias mais curtas ou mais longas, além de suas reduções e aumentos, dependendo das necessidades de funcionários e empresas.

"Não sabemos qual é o melhor modelo de jornadas de trabalho. Essa é uma questão em aberto", diz Spermann. O especialista destaca, no entanto, que no passado reduções gerais das jornadas com manutenção dos níveis salariais se revelaram ineficazes.

A França foi um dos países pioneiros nesta redução. Adotada em 2000, a carga horária de 35 horas semanais prometia criar cerca de 700 mil postos de trabalho, meta que nunca foi alcançada, apesar de altos índices de desemprego no país. A jornada mais curta também não reduziu as horas trabalhadas. Por isso, em 2016, uma reforma trabalhista aprovada pelo governo de François Hollande voltou atrás na mudança e flexibilizou a regra.

Na Alemanha, o modelo 35 horas semanais adotado na indústria metalúrgica e eletrônica também está longe de ser uma realidade, apesar da regra estabelecida em 1984 para os Estados da antiga Alemanha Ocidental - nos Estados da antiga Alemanha Oriental, a carga horária semanal no setor é de 38 horas.

"Isso vale praticamente somente no papel, pois há bastante flexibilidade, com horas extras e outras variações. Ao todo, no período integral, empregados trabalham cerca de 40 ou 41 horas por semana", observa Eichhorst.

Stöger pondera, porém, que o modelo de 28 horas adotado pela indústria metalúrgica e eletrônica pode polarizar ainda mais o mercado de trabalho na Alemanha, devido à possibilidade de aumento da carga horária. "As jornadas vão se diferenciar muito e isso é um desenvolvimento negativo para a sociedade. Essa polarização aumenta a desigualdade social."
Mais atratividade às empresas

Diferente das reduções para 35 horas, a flexibilização atual não está sendo promovida com uma forma de criar mais empregos no setor - até porque a Alemanha enfrenta dificuldade em ocupar vagas que já estão abertas.
Segundo dados da associação patronal do setor, Gesamtmetall, em setembro de 2017, cerca de 290 mil vagas em aéreas de matemática, informática, ciências naturais e técnicas não puderam ser preenchidas.
Essa lacuna atinge de maneira especial a indústria metalúrgica e eletrônica, que emprega 25% destes especialistas. Além disso, com a redução da população no país, esse déficit pode aumentar ainda mais.

Para o sindicato dos trabalhadores da indústria metalúrgica e eletrônica, IG Metall, que promoveu o acordo, a mudança pode contribuir para diminuir esse déficit e ainda atrair mais mulheres para o setor, onde atualmente somente 20% das vagas são ocupadas por mulheres. "As empresas ganharão atratividade ao oferecer modelos de trabalho modernos", ressalta.
Eichhorst também acredita que o modelo flexível adotado pode ser um incentivo a mais para mulheres trabalharem nestes setores.

Possível impasse
O caminho para a conquista da flexibilização no setor foi longo e encontrou resistência entre os empregadores. O acordo neste ano só foi possível depois que o sindicato dos trabalhadores cedeu e permitiu o aumento da jornada de trabalho de 35 horas em outros casos.

"Já temos, com 35 horas, a jornada de trabalho mais curta do mundo. Não conseguiremos defender a prosperidade alemã trabalhando menos. Por isso, foi essencial que a mudança não conduziu a uma nova redução da carga horária, mas sim a uma solução na variante da jornada semanal regular de alguns funcionários, para menos ou para mais", ressalta Sabine Glaser, diretora do departamento de política tarifária da associação Gesamtmetall.

O maior desafio para as empresas implementarem a mudança será organização das reduções de modo que essa diminuição no volume trabalhado não afete os resultados. Entre as possibilidades para alcançar um equilíbrio estão, além do aumento da jornada de funcionários que desejam trabalhar mais, a contratação de mão-de-obra temporária.

A nova regra permite ainda a empregadores negarem a redução, caso não seja encontrado uma solução para essa compensação. Essa autorização prévia pode gerar um impasse no modelo acordado.

Para Eichhorst, grandes empresas não terão muitos problemas em se organizar nesse sentido, mas as de pequeno e médio porte podem ter mais dificuldades. O especialista avalia que a mudança pode gerar conflitos internos, pois é possível que nem todos os funcionários recebam autorização para reduzir as jornadas como desejam.

Quem deve se beneficiar?
O IG Metal, o maior sindicato metalúrgico do mundo, acredita que a mudança deve beneficiar principalmente trabalhadores que têm filhos pequenos e aqueles que possuem pessoas doentes na família ou, ainda, os que desejam trabalhar menos por um período. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas poderiam requerer a redução na carga horária.

Porém, especialistas acreditam que a redução será não será uma opção cogitada por muitos devido ao seu impacto salarial negativo. De acordo com Eichhorst, o abate no salário seria de cerca de 20% no valor bruto.

Stöger acrescenta que a redução será uma opção apenas para aqueles que possuem salários mais altos e melhores condições de vida, pois pessoas de baixa renda não têm como suportar o peso da redução salarial do modelo no orçamento familiar.

A expectativa sobre o modelo flexível que será testado pela indústria metalúrgica e eletrônica na Alemanha nos próximos anos é grande. Os primeiros resultados deste experimento devem ser apresentados somente daqui a cerca de dois anos. Até lá, o debate sobre o futuro do trabalho continua em aberto.

De Berlim para a BBC Brasil