Mario Sabino
A "autoridade” é uma criatura
comum para o sujeito que mora em Brasília. O brasiliense natural ou de adoção
entende a “autoridade” e se acostumou a ela da mesma forma que está conformado
com os 6 meses de seca, à falta de calçadas nas ruas, ao lixo aberto nos
contêineres e à feiura dos fundos das quadras comerciais da asa sul e à solidão
da Esplanada nos domingos e feriados.
A “autoridade” brasiliense tem
assento cativo nos chamados Tribunais Superiores. Tem também no Congresso, no
Executivo, mas isso é assunto para outro momento. Os Tribunais Superiores são
bem mais interessantes. E têm uma correlação muito estreita com nossa história
e a história de nossas elites. Aliás, os Tribunais Superiores são muitíssimos
ligados ao Congresso e, poucos entendem, são cara e coroa.
A “autoridade” de um Tribunal
Superior, qualquer que seja ele, pensa, parafraseando um ditado argentino, que
o dinheiro vem do contracheque. A partir dessa premissa, para essa “autoridade”
tudo é pouco. Seu senso de poder e de direito é muito maior que o de obrigação.
Essa criatura do Planalto Central
adora mordomias. Aliás, não entende como mordomias, entende como um direito
natural, quase divino. A revista Veja publicou, em suas páginas amarelas, uma
entrevista com uma Justice da Corte Suprema norte-americana. Ela
relatou, sem maiores problemas, que não possuía carro oficial nem motorista.
Disse, acreditem, que o único benefício que possuía era uma garagem definida.
Meus caros, em Brasília, todas,
absolutamente todas as “autoridades” possuem carro do ano (ou quase), com
motoristas à disposição. Na Suprema Corte americana, somente John Roberts, o
Presidente, tem essa regalia. Bem, se isso acontece na Suprema Corte americana,
deve ser assim no resto dos Tribunais daquele pobre país.
Mas, se o carro com motorista é algo
tão natural como a gravata, saibam vocês que existem inúmeros auxílios que
fazem com que o chamado teto constitucional seja uma piada para criança.
Existem auxílios para todos os gostos: e moradia para quem possui imóvel no
local, de paletó, de cursos de inglês, de cursos diversos, médico -- uma
miríade que mostra a inventividade dos legisladores.
Acabou? Não, há os chamados
“atrasados”. Nesses Tribunais, administrativamente, de vez em quando se
encontra sobra orçamentária substantiva para pagar os chamados “atrasados” a
essas “autoridades”. E naturalmente não faltam assessores dedicados,
conhecedores do direito para lhes dar uma mão nessas verbas, não poucas vezes,
astronômicas. Coisa de 3 a 4 anos de remuneração bruta como já pude ver.
Ah, então tem também os assessores!
Sim, o assessor da “autoridade” é uma criatura formidável nestas terras. Ele é
o sujeito que sempre adivinha o que a “autoridade” quer e pensa. Isso é bem
interessante. Para se manter no cargo, o assessor é o anjo da guarda da
“autoridade”. Ele não é um servidor do Estado, é o servidor da “autoridade” e
por isso entende os seus desejos e necessidades antes daquele. Criatura
pitoresca, ele sente um prazer existencial em servir, às vezes em ser capacho
(nesses casos replica o modelo aos seus subordinados) e em ser “competente”. A
referida competência, frise-se, é para os desígnios da autoridade, e não do
Estado. Há assessores, por exemplo, que são hábeis na preparação do power
point daquele cursinho Walita que a “autoridade” “ministra” toda semana,
normalmente para servidores públicos e pago com o dinheiro do contribuinte.
Aliás, essa é mais uma fonte de renda da “autoridade”, o cursinho Walita,
recheado com as últimas jurisprudências desses mesmos Tribunais Superiores, que
lhes rende, seguramente, duas ou três remunerações a mais no final do mês.
José Murilo de Carvalho em seu ótimo
“A Construção da Ordem” (sua tese de doutorado em Stanford), descreve com
precisão a elite do Império no Brasil. Ao reler o livro é muito interessante
notar que nossa elite atual, especialmente a elite da burocracia, mudou pouco.
Ainda podemos dizer que no Brasil,
ao menos em qualidade, existe uma elite de letrados num mar de analfabetos
funcionais. E, em Brasília, entre as “autoridades” e seus cuidadosos
assessores, a socialização ainda se dá por intermédio dos cursos de Direito, da
mesma forma que Carvalho descrevia aquela antiga elite do Império que se
formava em Coimbra.
Quando se questiona o motivo de o
brasileiro médio amar o Estado e odiar seus políticos, talvez aqui esteja a
chave de interpretação. O emprego público, o sonho de uma vaga de assessor e,
quem sabe, um dia tornar-se “autoridade” povoa as mentes nessas terras. Aliás,
o emprego público favorece a orientação estatista. E nada melhor do que emprego
público ancorado no Direito e na perspectiva de se tornar um “magistrado”.
O burocrata bacharel em direito é um
ator de manutenção de toda essa ordem que descrevi, muito canhestramente,
acima.
Esse burocrata bacharel assessor é a
tal “hidra regulamentarista, lagarta tramitadora, rei do papel timbrado, ” que
nos falava Don Rigoberto, um louco com método que quer, a todo custo, tornar a
vida do cidadão e do contribuinte um inferno para dar o paraíso na Terra a seus
assemelhados e para a “autoridade” que ele serve.
O
Antagonista
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