Arnaldo
Jabor
O povo brasileiro está aparvalhado diante da gigantesca
roubalheira no país. Mas, para além do escândalo da opinião pública, precisamos
entender por que nossos políticos ladrões são tão vorazes e boçais. Como se
formaram, em que escola de picaretagens estudaram, o que os move com tanta gula
assaltando a Petrobras e fundos de pensão, roubando merendas escolares e
remédios contra o câncer? Por que tanta sordidez? Há muitas razões
socioeconômicas para explicar sua formação, sua evolução, mas há neles a
prevalência da volúpia do Mal. A sedução do Mal.
Sinto nesses parlamentares o prazer de ir contra o senso comum,
contra o que a maioria pensa. Há uma ética sádica, de contrariar a população,
de proteger uma obscuridade secreta, de defender o direito ao roubo, o direito
à mentira como um bem precioso, um direito natural. Eles mentem com gargalhadas
cínicas ou arranjam razões que os explicam: se vingam e roubam por uma infância
humilhante, com mães lavadeiras ou prostitutas que trabalharam duro para eles
subirem na vida.
Eles se banham na beleza de um “baixo maquiavelismo”, na lábia
dos conchavos e atribuem uma destreza de esgrima às chantagens e manipulações.
“Esperteza” é um elogio muito mais doce do que “dignidade”. Eles curtem o
“frisson” de se sentirem superiores aos medíocres honestos que se sentem
“dignos”; eles acham que a mentira é um dom de seres superiores e a
honestidade, uma fraqueza de servos.
A resistência espantosa de Eduardo Cunha em enfrentar o óbvio de
queixo erguido se explica como um “bastião quase heroico” em defesa do
personalismo colonial mais sujo. Cunha retrata em nível violento e quase épico
as práticas tradicionais que eram mais matreiras, cheias de vaselina,
comandadas por homens como o Sarney e seus seguidores das hostes oligárquicas
que desejam a continuidade do atraso brasileiro, para manter nossa paralisia no
pântano colonial.
Eles sabem, como ninguém, como é doce uma quadrilha, como é bela
a confiança no fio do bigode, o trânsito cordial entre a lei e o crime. Eles se
refazem como rabo de lagarto; vejam Renan, Collor, Roriz, Lobões, Maluf. São
hábeis em criar um labirinto de “falsas verdades”, formando uma rede de
desmentidos, protelações que desqualificam investigações. Por isso, descobrir a
verdade hoje em dia é simples: a verdade está sempre no avesso do que eles
negam.
A estupidez lhes fornece uma estranha forma de inteligência, uma
rara esperteza para golpes sujos e sacos puxados. Eles foram fabricados entre
angus e feijoadas do interior, em pequenos furtos municipais, em conluios
perdidos nas veredas dos grandes sertões. Vivem de sobras de campanha, de
canjica de aniversários e água benta de batismos. E comemoram o maná que lhes
caiu do céu: a milagrosa multiplicação de propinas em todos os entes do Estado.
A tempestade de gorjetas que o lulopetismo nos doou.
Para eles, “interesse nacional” não existe. Quase todos vieram
para lucrar; se não, qual a vantagem da política? Eles têm um tempo diferente
do nosso. Eles são contra qualquer urgência, emergência, pois isso os faria
servidores da sociedade, tudo que eles não querem ser. Para eles a sociedade é
muito apressadinha, por isso come cru. Detestam “governar”. Não é apenas
preguiça — é por amor ao fixo, ao eterno.
É doce morar lentamente dentro daquelas cúpulas redondas verdes
e azuis; eles querem viver seus mandatos com mansidão, pastoreando eleitores,
sentindo a delícia dos ternos novos, dos bigodes pintados, das amantes nos
contracheques, das imunidades para humilhar garçons e policiais.
Para eles, a única “democracia” é a poética camaradagem
congressual, a troca de favores, sempre com gestos risonhos, abraçando-se pela
barriga, na doce pederastia de uma sociedade secreta. A amizade é mais
importante que esta bobagem de interesse nacional! A democracia é para eles
apenas um pretexto para a zorra absoluta.
Para explicar suas mentes brasílicas, precisamos entender que em
nossa história o atraso sempre foi um desejo, uma torta ideologia. Se a
democracia se impusesse, se a transparência prevalecesse, como iriam ser
felizes as famílias oligárquicas, com suas fazendas imaginárias, os rituais das
defraudações, as escrituras e contratos superfaturados? Que seria da indústria
da seca, não só da seca do solo, mas a seca mental, onde a estupidez e a miséria
são cultivadas para o conforto da burguesia política?
O que seria dos almoços gordurosos, das cervejadas de bermudão e
gargalhadas? Que seria do “sistema” cafajeste e careta que rege o país?
Eles pouco se lixam ao serem chamados de “canalhas”, pois adoram
o orgasmo de se sentirem “superiores” a xingamentos, superiores à ridícula
moralidade de classe média. Sua única moralidade é vingar-se de inimigos,
cobrar lealdade dos corruptores ativos, exigir pagamentos de propina em dia.
Eles cultivam a secular beleza do clientelismo, onde um amigo vale mais que a
dura impessoalidade dos cruéis saxões.
Por vezes, alguns fracotes têm uns “frissons” de honestidade, de
responsabilidade política e berram discursos mais acesos no Congresso, mas tudo
se dilui na molenga rotina dos quóruns, nas piadas dos cafezinhos, nas coxas de
uma secretária que passa. Parecem defender conscientemente uma cultura e
preservam 400 anos de patrimonialismo.
Para eles, país não se governa apenas por novos slogans da moda;
são séculos de hábitos e cacoetes sagrados onde vicejam as cópulas entre o
público e o privado, desde as capitanias hereditárias que existem até hoje —
vejam o Maranhão ou Alagoas.
Na calada das noites de Brasília, nos goles de uísque do
Piantella, eles sussurram euforicamente entre si: “Grande Lula! Que bem que ele
nos fez! Nunca fomos tão sólidos e cínicos nesse país, desde Cabral!”
Arnaldo Jabor
Cineasta e Jornalista.
O Globo
23 de fevereiro de 2016.
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