Claudia Safatle
A inescapável discussão sobre a
redução do Estado
Depois
da desastrada gestão de Arno Augustin na Secretaria do Tesouro Nacional, foi
preciso dar um banho de boa governança e injetar autoestima na instituição. As
mudanças, que migram de um modelo de administração autárquico para o de
diretoria colegiada, começaram com Marcelo Saintive, que chefiou a STN durante
o periodo de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, e continuam com a atual
secretária, Ana Paula Vescovi.
Hoje o
Tesouro completa 31 anos. A comemoração será austera, com uma palestra do
economista Samuel Pessoa e nada de champanhe. A casa está em fase de
recuperação da credibilidade perdida.
"Houve
um misto de falta de transparência e de pouca preocupação em ter conformidade
com a lei. Isso fez o Tesouro perder credibilidade. Foi uma coisa gradual. A
instituição foi sendo levada e acabou com perda de autoestima", disse Ana
Paula.
A
mudança da política econômica e fiscal, com a troca de governo, imprimiu um
"compromisso firme com a transparência, com as metas e com o cumprimento
da lei. Enfim, com a consolidação fiscal", explicou ela. Isso significa
ter uma gestão voltada para a queda da relação dívida bruta/PIB. Como o estrago
foi muito grande, vai demorar anos para colher resultado. Por ora a dívida
bruta ainda vai crescer, pode atingir a casa dos 90% do PIB, para só então se
estabilizar e cair. A meta de longo prazo é deixa-la entre 50% a 60% do PIB.
A
aprovação da lei do teto para o gasto leva ao inexorável debate sobre o tamanho
do Estado brasileiro. A pergunta que está posta, segundo ela, é: " Qual o
tamanho do Estado que vamos ter para conseguir uma tributação mais simplificada
e justa?".
Ao mesmo
tempo que prepara a STN para subsidiar as escolhas que deverão ser feitas para
que as despesas caibam nas receitas e reorganiza a política fiscal, Ana Paula
persegue o fortalecimento da instituição para que "fatos que ocorreram no
passado não voltem a acontecer no futuro. Estamos investindo na governança e na
institucionalidade da STN".
Na era
Augustin "a questão técnica ficou relegada a segundo plano",
comentou. A instituição operava em ilhas, explicou Líscio Camargo,
sub-secretário de Assuntos Corporativos da STN, que acompanhou a conversa de
Ana Paula com a coluna. Cada um fazia o seu papel e não havia conversa entre
si. Para estabelecer interlocução entre as áreas foram criados os comitês de
programação financeira, de planejamento estratégico, da dívida e o de concessão
de garantias. Mais recentemente, institui-se o comitê de gestão, que paira
sobre os demais e funciona como uma diretoria colegiada.
Foram
fixadas alçadas até então inexistentes. Camargo contou que hoje tem alçada para
contratar gastos de até R$ 1,5 milhão. Acima disso, só com a aprovação da
secretária. Os comitês reportam a ela as suas recomendações técnicas. Eventuais
discordâncias são debatidas com as respectivas áreas até se chegar a um acordo.
Nesse
modelo não há espaço, por exemplo, para a festa de concessão de garantias aos
governos estaduais, que no governo passado estimulou o endividamento e colocou
vários Estados em situação falimentar. "Isso não ocorreria porque os
comitês tem suas decisões documentadas em atas e essas são acessíveis aos
órgãos de controle, com os quais temos hoje uma proximidade maior. Inclusive
criamos a diretoria de controle de riscos e conformidade, que faz a
interlocução com os órgãos de controle", disse Ana Paula.
Os
funcionários identificados com a prática da "contabilidade criativa"
deixaram seus postos e alguns saíram da STN. Marcos Aucélio, braço direito de
Augustin, que ficou conhecido como o "mago" das finanças públicas -
por ter sido capaz de transformar dívida em receita primária - pediu licença
sem remuneração e é diretor financeiro da Taesa, empresa do grupo Cemig.
A
"operação quadrangular" também não se repetiria. A estranha obra de
engenharia contábil que rendeu, na marra e às pressas, receita de R$ 25,4
bilhões ao Tesouro, em dezembro de 2012, para fechar a meta fiscal daquele ano
teria que passar agora por crivo técnico e jurídico. Haveria alerta e registro
em ata dos riscos daquela operação feita entre o Tesouro, o BNDES, o Fundo
Soberano e a Caixa, levando as informações aos órgãos de controle.
O
sistema de garantias também vai passar por profundas transformações. A
proposta, que muda o regime de classificação de riscos dos Estados, será
colocada em audiência pública este mês. Hoje são avaliados oito indicadores com
foco na média dos últimos três anos. Não fazem parte das análises os riscos à
frente, como o aumento dos gastos da previdência ou do serviço da dívida,
dentre outros.
É o
comitê de garantias que negocia o custo da operação avalizada pelo Tesouro com
os governos dos Estados. O aval é limitado ao custo estabelecido que antes
ficava em aberto, ao sabor das instituições financeiras. O poder de barganha do
Tesouro Nacional com os bancos é bem maior do que o dos governos estaduais.
"Quando
a instituição (Tesouro) se fecha muito, cria uma defasagem cognitiva com a
sociedade", observou a secretária. Ela advoga não só a transparência, mas
uma comunicação inteligível com a sociedade. Não basta despejar os números na
internet. É preciso explica-los de forma que as pessoas entendam. "Isso
vai, aos poucos, criando a cultura do entendimento da importância da política
fiscal, do equilíbrio fiscal, do respeito a lei", acredita. O planejamento
estratégico envolve a transparência, o equilibrio fiscal e a qualidade do gasto
público.
No auge
da crise dos Estados "demos transparência as informações que temos e
estamos fazendo um processo de harmonização dos dados dos entes federados. Isso
é parte da agenda de revitalização da LRF, que sofreu com disfarces e desvios
na contabilidade pública". Ter um padrão contábil é produto da lei
complementar 156. O governo estadual pode até continuar fazendo suas próprias
contas - há casos em que os gastos com pessoal não consideram as despesas com a
previdência dos servidores. Mas a base da contabilidade do Tesouro se conecta
com os dados dos Estados, em um nova tecnologia que vai produzir os relatórios
da LRF segundo o manual do Tesouro a partir deste ano. Um segundo passo será a
certificação para os Estados que seguem o padrão contábil da STN.
Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário