domingo, 12 de março de 2017

O túmulo da verdade (segunda parte)

Vittorio Medioli

Como era previsto, recebi críticas de “credulidade” pela coluna escrita há duas semanas (26/02), “O túmulo da verdade”, que aborda a tese do cronovisor, um invento cercado de mistério e supostamente enterrado no Vaticano. Seria de estranhar o contrário. A regra é essa mesma, ditada inexoravelmente pela história, sempre que algo perturbe o status quo, o poder constituído, ou represente uma ameaça no contato com a estreiteza humana. Impensável dar a todos muito poder;
como explica o mestre: “Não dê pérolas aos porcos... não saberão o que fazer com elas”.

Livros escritos há menos de cem anos, descrevendo televisão de LED e tridimensional, celulares que falam e transmitem imagens, computadores espalhados pelo mundo inteiro que informam o que se possa imaginar, teriam merecido comentários de “maluquices” e deixado o autor numa situação de tresloucado e charlatão.

Tentando descrever o que será, e o que alguns raros indivíduos anunciam, expõe-se fatalmente aos comentários mais ríspidos. O reverendo C. Leadbeater, ao qual se atribuíam os dons da clarividência, publicou em 1913 um livro que explica como os jornais (diários) poderiam ser lidos num futuro iminente, em qualquer local do planeta, olhando-se dentro de uma máquina luminosa, capaz ainda de imprimir em papel as partes desejadas. Morreu acusado de pederastia em 1934.

O inusitado precisa ser recebido como produto de algo “possível”, apesar de improvável. O ser humano almeja contínuos avanços, ao mesmo tempo os teme pelo esforço de quebrar as rotinas. Faz lembrar um improvável, um idoso dando cambalhotas com as articulações calcificadas.

O intelecto também se calcifica pela falta de exercícios, perde-se a elasticidade, e instala-se a incapacidade de enfrentar o inusitado. Para alguns, é impossível mexer num smartphone, que uma criança, mentalmente não calcificada, aprende antes de saber ler e escrever. A rotina nos especializa e limita.

Como norma de prudência, ensinada nos melhores círculos, é conveniente aceitar as ideias malucas com neutralidade, não fechar a porta, não perder tempo em negá-las. Para quem segue a doutrina, aceita-se que as “formas” e “forças” do pensamento são criadoras, que elas chegam e voltam para uma nuvem de ideias (a nooesfera, de Theillard de Chardin), repositório e laboratório da evolução, sob os cuidados de seres superiores.

Galileu Galilei, que aperfeiçoou o telescópio aproximando em 30 vezes a visão dos astros, formulou a tese do heliocentrismo há apenas 400 anos. Foi por isso processado como herege e se livrou da fogueira da Inquisição ao renegar publicamente sua correta teoria, em seguida pacificada. Na brecha provocada pelo florentino Galileu se encontra um exemplo de traumatização da novidade, que desafia ciclicamente a humanidade. O que aconteceu se repete.

Embora os avanços tecnológicos e do conhecimento tenham sido excepcionais e cada vez mais acelerados, passaram-se apenas 16 gerações de Galileu, e muito mais haveremos de descobrir nas próximas 16, 32, 64.

Contemporâneo de Padre Ernetti, o inventor do cronovisor, outro padre italiano, Luigi Borello, italiano, também cientista e físico (em seguida amordaçado pelo Vaticano), anunciou a gravação nas pedras das ondas do passado que reproduzia por meio de um rádio.

A pesquisa de Padre Borello partiu da teoria que reconhece no éter, onipresente, os neutrinos polarizados, união de positrinos e eletrinos, que formam por nodulações estáticas a matéria, por perturbações estatísticas a base da memória e por perturbações móveis fenômenos eletromagnéticos. O espaço seria, assim, prenhe de neutrinos impalpáveis que servem de veículo das vibrações sonorosas, luminosas e magnéticas.

A tendência mais cômoda da humanidade é se cercar de limites positivistas para poder viver dentro deles, criando uma toca, um hábitat, uma previsibilidade confortável, sem gastar muitos neurônios.

Quem assiste ao filme “Energia Pura” tem um vislumbre do homem do futuro. E, se pensarmos no passado, na lenda dos “videntes de Ur” encontraremos como os sacerdotes caldeus, para raptar do céu seus segredos, levavam crianças recém-nascidas ao alto das montanhas, criando-as dentro de um pátio com altos muros. Sem janelas e sem visão para o entorno, faziam crer a elas que aqueles muros eram os limites da realidade e apenas lhes restava enxergar o céu, a única realidade consistente. Educados a ler naquele brilhar do firmamento, acabavam desvendando os nexos de casualidades sutis. Foram essas crianças que abriram as portas da astronomia e da astrologia. Os Reis Magos saíram da Caldeia seguindo o cometa até a manjedoura de Belém.

Assim, o cronovisor, a máquina que viaja no tempo e permite a visão de qualquer acontecimento, para mim, é uma questão do tempo, de anos ou de séculos.

Crer no “impossível” não me envergonha, isso me aproxima de Deus, me faz crer que aquilo que eu sou é nada em comparação com aquilo que serei. Mantenho o olhar nas estrelas.

Nessa caminhada terrena, com a visão limitada ao que vibra entre as ondas infravermelhas e ultravioleta, tenho o sentimento de que o resto é ilimitado, e “o naufragar para mim é doce nesse mar”. No Imenso, no Paraíso, no Nirvana, que me aguarda depois de muito sofrer e muito amar.

Jornal O Tempo

(Referência bibliográfica: em italiano ou francês, “O Cronovisore”, de François Brune; em português, “O Cronovisor”, de Padre Ernetti de Petr Krassa, editora Pensamento)

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