Fernão Lara Mesquita
Esta
quarta-feira, 15, foi daqueles dias em que os fatos se impuseram à “narrativa”
do Brasil com uma contundência de doer. Capital por capital, cidadezinha por
cidadezinha, giro após giro das TVs pelo país, a mesma cena: grupelhos de
funcionários públicos estáveis no emprego, com aposentadorias integrais e
aumentos de salário garantidos até 2020 barrando a passagem das multidões de
desempregados, subempregados e empregados com empregos ameaçados (todos menos
os públicos) e aposentadorias de fome (todas menos as públicas), que esperavam
passivamente nas estações e engarrafamentos gigantes que os “donos do Brasil”
em “greve geral” contra as reformas da previdência e trabalhista lhes
concedessem a graça de seguir na luta pela sobrevivência.
Esse
Brasil órfão, sem voz, abandonado à própria sorte, impedido de trabalhar, está
morrendo de overdose de funcionalismo, de supersalários e, mais especialmente,
de acumulo de aposentadorias e superaposentadorias precoces. Pouco mais de 980
mil aposentados da União geram um déficit maior na previdência que o resto dos
32 milhões de aposentados do setor privado somados. Não se sabe a quanto os 26
estados e 5.570 municípios com seus respectivos executivos, legislativos e
judiciários empurrarão essa conta (“sem contrapartidas”!), mas somente a folha
da União vai subir este ano dos R$ 258 bilhões que custou em 2016 para R$ 283
bilhões. São quase 10% a mais e como o orçamento cresceu só 7%, isso significa
que, no mesmo momento em que estão arrancando catéteres de quimioterapia das
veias de doentes com câncer e abandonando-os para morrer no hospital publico de
referência em oncologia do Rio de Janeiro por “falta de recursos” (imagine nos
“grotões”!), mais e mais dinheiro dos impostos que esses doentes pagaram é
desviado das atividades-fim para os bolsos dos eternamente imunes às crises que
fabricam.
Se todos
os moderadíssimos cortes de despesas propostos pudessem ser executados o
governo Temer prometia aos miseráveis do Brasil que chegariam ao fim de 2017
com um acrescentamento à divida que o estado atira-lhes anualmente às costas de
“apenas” R$ 140 bilhões por cima dos R$ 2,81 trilhões a que o total já chegou.
Mas os últimos “direitos adquiridos” pela casta dos “grevistas” de quarta-feira
vão custar mais que isso e o governo já está desistindo de buscar a diferença
com reformas, mesmo as que mantêm intacta a escandalosa desigualdade que ha
hoje nas contas da previdência. Novos impostos já estão prontos para ser
disparados.
Esta
passando da hora, portanto, de darmos uma “freada de arrumação”. As emoções da
Lava Jato são vertiginosas e a delícia de ver ladrões de casaca perderem o sono
uma vez na vida não tem preço. Mas esquecer o cérebro no meio do caminho é
catastrófico. O primeiro ponto é manter em mente que corrupção não é mais que
déficit de democracia. E democracia é controle do estado pelo povo e não o
contrário. “O pior sistema que existe excluidos todos os outros” como dizia
Winston Churchill. A rápida evolução dessa burrada do “financiamento público”
de campanhas para o seu corolário obrigatório que é a “lista fechada” é mais uma
prova disso. Cassa o seu direito ao voto. O outro ponto essencial é dar a cada
coisa o seu devido peso. A Lava Jato é imprescindivel. Mas fingir que só ela
basta para nos tirar da rota de desastre é nada menos que suicídio. Quanto é
que se rouba do Brasil por fora da lei? Via Odebrecht, a rainha do nosso
cupinzeiro, foram R$ 10 a 12 bilhões de reais em cerca de 10 anos, diz a
polícia. Mas sejamos realisticamente generosos. Multipliquemos esse valor por
10, por 20 vezes. Se tudo parar rigorosamente onde já chegou; se nenhuma obra
mais pagar “pedágio”, funcionário inútil for contratado ou “direito” novo for “adquirido”,
estaremos todos mortos e enterrados, mais nossos filhos e netos, antes que o
completo cessamento da roubalheira “por fora” zere a conta do que nos arrancam
todo santo mês “por dentro” com a vasta coleção de leis que só valem para “eles”.
A
discussão do que realmente decide o nosso destino, portanto, nem começou. Desde
o apeamento do PT do poder só o que não depende do Brasil tem nos dado
sobrevida: a saúde da economia americana, os soluços da China e das commodities,
os capitais que se aventuram por juros maiores que zero. O governo Temer tem
vivido de expedientes; só lhe foi dado mexer naquilo que é possível mexer sem
mexer no que é preciso mexer para o Brasil voltar a respirar: repatriações de
dinheiros fugidos, manipulações do câmbio e dos juros, “ajustes” de estatais
arrombadas via incentivo à aposentadoria, raspagens de fundos de cofres tipo
FGTS para lembrar aos moribundos como é estar vivo…
A mansa
passividade das multidões detidas pelas barricadas da “greve geral” de
quarta-feira estando em causa questão tão explosiva quanto é a aposentadoria em
toda a parte do mundo dá, no entanto, a medida dos sacrifícios que esse Brasil
enjeitado e sem voz estaria disposto a aceitar se lhe acenassem com a menor
contrapartida. Mas a função de expor, de medir, de comparar o que falta aos
miseráveis com o que obscenamente sobra à casta que se apropriou do estado não
é do presidente da republica, muito menos de um acidental e periclitante como o
nosso que sofre represálias cada vez que ousa mover o nariz na direção do
quadrante de onde vem o mau cheiro. Essa função é SEMPRE da imprensa.
Se não
houvesse nenhum sinal de que tudo está derretendo de podre no reino dessa nossa
“dinamarca” lá de cima já seria inaceitável que ela não fosse fuçar esse
departamento dia sim, dia não. Mas no estado de arrebentação em que vai um país
onde os pilotos e aviões da força aérea nacional estão oficialmente reduzidos à
condição de choferes de marajás, as “assessorias” são do tamanho de governos
democráticos inteiros e os salários e mordomias do Poder Judiciário competem
com os dos tubarões de Wall Street esse silêncio é indecente.
VESPEIRO
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