Paulo Nogueira Batista
Júnior
‘A
hipocrisia é a homenagem do vício à virtude”, dizia La Rochefoucauld. Bem, a
hipocrisia certamente não figura entre os defeitos do novo presidente dos EUA,
Donald Trump. Em contraste com muitos dos seus antecessores e vários líderes do
mundo ocidental, Trump se destaca pela clareza e pela sinceridade. Para bem e
para mal, ele desconhece o valor e a utilidade da hipocrisia.
A sua
declaração, no discurso de posse, de que em seu governo o lema seria “America
first”, foi recebida com uivos de indignação em diversos países e mesmo dentro
dos EUA. Ora, ora, em que Trump é diferente dos seus antecessores nesse
particular? Para os americanos, o lema sempre foi “America first”. E, por isso,
aliás, chegaram aonde chegaram. A única diferença é que Trump proclama esse
princípio em alto e bom som.
Outra
declaração típica: “Os EUA estão outra vez preparados para liderar” (no
primeiro discurso de Trump ao Congresso). Nada de novo. Todos os presidentes
americanos, inclusive Obama, sempre repetiram esse mantra. Faz parte da
psicologia básica dos líderes políticos americanos a necessidade, diria,
compulsiva, de declarar liderança — quando, evidentemente, a liderança tem que
ser reconhecida e aceita pelos candidatos a liderados, e não
anunciada urbi et orbi pelo candidato a líder...
Mas,
enfim, Trump tem toda a razão quando diz ao Congresso: “A minha tarefa não é
representar o mundo. A minha tarefa é representar os Estados Unidos da
América”. Em todo o planeta, inclusive aí no Brasil, sempre existiu um grande
número de iludidos que olhavam para o governo dos EUA como referência e fonte
de orientação. A esses, Trump explica: “A América respeita o direito de todas
as nações de definir o próprio caminho”. Em outras palavras: cuidem dos seus
próprios interesses; eu fui eleito para cuidar dos interesses dos Estados
Unidos. No discurso de posse, ele foi ainda mais longe ao reconhecer que “é
direito de todas as nações colocar os seus interesses em primeiro lugar”.
Isso
tudo é de uma obviedade constrangedora, eu sei, mas o fato é que durante
décadas fomos alimentados pela ideia de que, num mundo “globalizado”, as nações
estariam desaparecendo e que todos seríamos, de alguma forma, participantes de
uma “sociedade mundial”. Os Estados Unidos sempre foram grandes propagadores
dessas ilusões. Posso imaginar a desorientação dos que acreditaram na
hipocrisia anterior.
Não
quero aqui discutir se a franqueza de Trump serve aos interesses dos EUA como
grande potência. A hipocrisia tem as suas funções, afinal. Não é por acaso que
o vício homenageia a virtude. Mas os americanos que cuidem dos seus interesses.
O Brasil é que nos interessa, em primeiro lugar.
Aos
brasileiros caberia, no meu entender, observar bem o que está acontecendo no
resto do mundo. E, sem cair na xenofobia, na aversão ao estrangeiro e na
hostilidade irracional para com outros países, reconstruir o sentimento de
nação — sentimento que vem sendo profundamente abalado pela polarização cretina
que tomou conta do nosso país nos anos recentes.
Desculpe,
leitor, se resvalei para uma linguagem agressiva. É que, mesmo estando aqui do
outro lado do mundo, é difícil não se exasperar com o rumo que o Brasil vem
tomando de uns tempos para cá.
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário