sexta-feira, 10 de março de 2017

"Cultura da corrupção torna difícil mudar sistema"

Fernando Caulyt

Diretor da Fundação Konrad Adenauer diz que, após três anos, Lava Jato não gerou mudança na política brasileira. Em parte, segundo ele, devido à aceitação por parte da sociedade de que regras e leis sejam violadas.

Quase três anos após seu início, a Operação Lava Jato ainda não conseguiu gerar uma mudança de comportamento dos políticos e partidos brasileiros, afirma o jurista alemão Jan Woischnik, diretor da Fundação Konrad Adenauer no Brasil.

Em entrevista à DW, Woischnik diz que a cultura da corrupção está presente no cotidiano e que, num panorama assim, "onde todo o tempo as regras e leis são violadas", fica difícil mudar o sistema.

DW Brasil: A Lava Jato está mudando o comportamento dos partidos e políticos brasileiros?

Jan Woischnik:  Na realidade, eu não vejo muita mudança. Os políticos estão tendo um comportamento muito defensivo frente às acusações que surgem com as investigações da Lava Jato, e não estão usando a crise como uma chance para impulsionar mudanças e discutir o problema da corrupção dentro de seus partidos. Eles estão tentando escapar do escândalo ou evitar as investigações, quer dizer, estão tentando sobreviver à turbulência. Eles estão quase todos no "survival mode" e não no "reform mode": cada um está pensando em si mesmo. A desconfiança da população, que já era grande, aumentou. E a única maneira de revertê-la seria assumir as consequências da crise e mostrar ativamente a vontade de reformar o sistema político.

DW Brasil: Por que os partidos não aproveitam a Lava Jato para realizar uma limpeza em seus quadros?

Jan Woischnik:  Infelizmente, é um sistema tido como muito normal, que funciona há muito tempo e que faz parte do jogo. Portanto, é muito difícil mudá-lo. O político que não participa desse sistema corrupto não terá dinheiro para financiar sua campanha na próxima eleição e, consequentemente, não será eleito. Portanto, ninguém quer começar a mudar esse sistema. Os partidos têm associações de jovens, com membros com cerca de 20 a 30 anos. Muitas vezes, eles têm vontade de mudar o sistema, mas, por serem dependentes dos caciques, fica muito difícil alterar esse sistema tão velho e considerado normal. Não há um movimento de renovação política nos partidos e nenhum esforço significativo para evitar tais escândalos no futuro, embora esses sinais fossem necessários para a população brasileira. Parece que falta também um sentimento de culpa nos políticos envolvidos no escândalo.

DW Brasil: Por que a Lava Jato ainda não resultou no surgimento de um novo movimento político e de novos líderes no país?

Jan Woischnik:  De fato, isso é muito estranho e atípico. Normalmente, se partidos tradicionais têm problemas graves, a exemplo da corrupção que está sendo investigada no país, surgiriam novos movimentos políticos ou, ao menos, novos líderes nos partidos tradicionais. Mas, infelizmente, isso não está acontecendo no Brasil. À medida que a democracia é corrompida, somado à falta de novos líderes em partidos tradicionais, cria-se um terreno fértil para candidatos populistas que poderão se aproveitar da crise. Eu vejo um risco, e as maiores legendas deveriam tentar evitar a ascensão de populistas de outras legendas fazendo a renovação de seus quadros políticos.

DW Brasil: E como você enxerga o fato de o juiz Sergio Moro ser elevado a herói por parte da população brasileira?

Jan Woischnik:  Por um lado, é compreensível que a população busque sempre líderes e pessoas responsáveis para dirigir seu país. Já que os políticos não estão cumprindo esse papel, é normal que o povo procure alguém como o juiz Sergio Moro. Mas, por outro lado, não deveria ser o papel do juiz ser herói, afinal, essa não é sua função. Ele deveria trabalhar sem muita publicidade e dar as sentenças mais justas possíveis. Por isso, digo que é compreensível, mas não deveria ser assim.

DW Brasil: A sociedade brasileira é um espelho da corrupção no cenário político?

Jan Woischnik:  Eu posso dizer que no Brasil existe uma certa cultura da corrupção no cotidiano, seja em relação a poucas somas de dinheiro, alguém que fura um semáforo vermelho e suborna um policial... São atos considerados muito normais no país. Mas, em um clima assim, onde todo o tempo as regras e leis são violadas e está "bom" para todos, é muito difícil mudar o sistema. E outro detalhe: socialmente, não é bem visto criticar a ação de outra pessoa – como exemplo, cito furar a fila do supermercado, ato que na Alemanha é criticado abertamente pelos outros clientes e, aqui no Brasil, geralmente não há reclamação. Em situações importantes, como a corrupção na política, temos que nos comportar seriamente, até porque elas afetam a vida em sociedade.


Deutsche Welle

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