Vicente Nunes
A
questão fiscal está na base de todos os problemas econômicos enfrentados pelo
Brasil. Acreditava-se, contudo, que, com Henrique Meirelles à frente do
Ministério da Fazenda e uma gestão eficiente das contas públicas, esse tema
fosse, aos poucos, saindo de cena e a agenda do país, ocupada pela retomada do
crescimento. Quase um ano depois da posse do ministro, não se vê nem uma coisa
nem outra. O avanço da atividade continua sendo apenas um desejo e o rombo nas
finanças federais só faz crescer. Para que o governo não extrapole o deficit
previsto neste ano, de R$ 139 bilhões, será preciso cobrir um buraco de R$ 58,2
bilhões. Ou seja, se nada for feito, o rombo potencial das contas públicas será
de R$ 197,2 bilhões.
A
justificativa do governo para esse quadro assustador é de que a recessão
econômica ainda está fazendo estragos na arrecadação. As empresas, sobretudo,
enfrentam sérias dificuldades para cumprir seus compromissos com a Receita
Federal. Endividadas, mal conseguem pagar as folhas de salários. A equipe
liderada por Meirelles acreditava, porém, que essa situação seria revertida
neste início de ano, com um desempenho mais forte do Produto Interno Bruto
(PIB). A confiança era tanta que o governo chegou a prever crescimento, na Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de 1,6% em 2017. Depois, diante das
dificuldades, passou a estimar um salto de 1% no PIB. Ontem, empurrou essa
projeção para 0,5%.
É
compreensível que o governo tente passar otimismo aos agentes econômicos
projetando números melhores para a economia. O que não dá para assimilar é a
continuidade da gastança no setor público. Mesmo tendo sido aprovado, no
Congresso, um teto para os gastos, as despesas continuam crescentes,
especialmente no Judiciário e no Legislativo, que, sistematicamente, vêm
extrapolando os limites com pessoal. No Executivo, os acordos para reajustes de
salários também contribuem para que o buraco nas finanças só aumente. Com isso,
o discurso da austeridade está ainda pelos ares.
Colo dos contribuintes
Como
sempre acontece em casos de frustração de receitas, a conta acaba caindo no
colo dos contribuintes. Está praticamente certo que, para cobrir parte dos R$
58,2 bilhões, o governo aumentará impostos. Fala-se em alta do PIS, da Cofins e
do IOF. O correto seria o governo cortar os gastos para fechar as contas. Mas o
Orçamento está tão comprometido, que o espaço para passar a tesoura é mínimo. O
jeito, portanto, é avançar sobre o caixa das empresas e o bolso dos cidadãos,
independentemente de a carga tributária no país ser um acinte, especialmente
quando se avalia a qualidade dos serviços prestados à população.
O
discurso preparado pelo governo é de que o aumento de impostos pode ser
temporário. Ainda que seja, é inaceitável. A máquina pública continua inchada,
ineficiente, loteada por indicações políticas. Em troca de apoio no Congresso, o
Palácio do Planalto mantém benesses que custam caro. Então, enquanto não houver
uma mudança de cultura, os contribuintes sempre serão chamados a arcar com a
fatura. É preciso deixar claro, no entanto, que o país está no limite. Não
aguenta mais sustentar grupos específicos que se aproveitam do governo de
plantão para garantir regalias.
O
aumento de impostos deve ser anunciado na próxima terça-feira, 28. Até lá, o
ministro da Fazendo e sua equipe vão repetir um mantra de que não há outro
caminho a não ser elevar a carga tributária, mas que, desta vez, a promessa de
ajuste fiscal será seguida à risca. A despeito da confiança que Meirelles e
subordinados nutrem no mercado, o clima de insatisfação começa a ficar latente.
Está se formando a percepção de que, entre o discurso e a prática, há uma
distância enorme quando o assunto é o ajuste fiscal.
Manancial de dúvidas
Na
avaliação de Eduardo Velho, economista-chefe da gestora de recursos INVX
Global, os investidores estão temerosos de que o governo acabe abrindo brechas
demais no ajuste fiscal. Um sinal importante de que isso pode ocorrer veio do
presidente Michel Temer, ao retirar da proposta da reforma da Previdência os
servidores de estados e municípios. Já havia sido feita uma concessão aos
militares, que terão tratamento diferenciado. O risco, portando, de a reforma
ser desfigurada, aumentou muito. E sem mudanças efetivas no sistema
previdenciário, não há como se falar em ajuste fiscal.
“Ao
abrir exceções, o governo pavimenta um caminho para a judicialização da
Previdência. Mesmo que aprove a idade mínima para a aposentadoria de 65 anos
para homens e mulheres e regras de transição, pode haver questionamentos em
tribunais por parte de trabalhadores cobrando isonomia”, diz Velho. Quer dizer:
pessoas que forem atingidas pelas mudanças tendem a requerer o mesmo tratamento
dado a grupos específicos, alegando terem sido prejudicadas. “A judicialização
pode enfraquecer muito os efeitos da reforma. Por isso, é importante evitar
diferenciações”, acrescenta.
Para o
economista, a hora é de o governo reduzir as incertezas e não de alimentar
dúvidas. Até agora, acrescenta ele, os investidores têm sido complacentes com a
administração de Temer. Os vacilos, entretanto, estão abrindo um fosso na
blindagem que prevaleceu desde que o presidente substituiu Dilma Rousseff no
comando do país. “É preciso que haja um reordenamento das expectativas de curto
prazo do mercado. Se o governo continuar emitindo sinais contraditórios, o
amplo apoio pode se reduzir”, assinala. A inquietação dos agentes financeiros
já começa a ficar visível. E os resultados, todos sabem, são imprevisíveis.
Blog do Vicente – Correio Braziliense
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