A Voz do Cidadão
Desde
março deste ano, quando o Ministério da Educação da Finlândia divulgou uma
maior flexibilização no ensino de matérias em suas escolas, o tema da Educação do
futuro não sai mais do noticiário por aqui. Até 2020, todas as escolas
finlandesas passarão a adotar um viés multidisciplinar em sala de aula,
deixando de lado o antigo sistema de “cada professor, uma matéria”, e com muito
menos provas e avaliações.
O
ensino por tópicos ‑ ou, como eles preferem, por “fenômenos” ‑ será a regra
geral e envolve dois ou mais professores de disciplinas diferentes numa mesma
sala.
Semana
passada, o tema ganhou as páginas de Veja,
com uma extensa reportagem sobre os motivos que mantêm o país nórdico no topo
do ranking de ensino há anos. Falou-se dos salários de professores e do
rigoroso sistema de seleção, da alta carga de horas-aula, da disposição à
inovação e competitividade, e até do desempenho do país na OCDE – Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Mas
nem uma palavra sobre o último item de um gráfico de “7 x 0″ da Finlândia sobre
o Brasil no quesito “Educação”; e que talvez seja o que de fato explique uma
diferença tão alarmante entre os dois países.
Na tabela “Instituições Mais Respeitadas”,
divulgada na matéria, temos no país nórdico “Escolas”, seguida de “Forças
Armadas” e, prestem atenção, “Judiciário”. Pelo lado brasileiro, aparecem as
instituições “Bombeiros”, “Igrejas” e, aí sim, “Forças Armadas”. Analisar esta
diferença talvez seja mais elucidativo do que discutir currículos escolares.
Num
Brasil que segue sem freios rumo a um completo relativismo moral de viés
coletivista, sobretudo à flexibilização do valor absoluto da vida, não chega a
surpreender a inclinação da sociedade por instituições que se dedicam à sua
salvaguarda. Bombeiros salvam vidas heroicamente; isso dispensa explicações.
Igrejas salvam vidas espiritualmente. E as Forças Armadas salvam vidas
epicamente; elas existem para garantir a segurança concreta e final dos
cidadãos. Instintivamente, a sociedade sabe que a questão da insegurança ‑ quer
seja da desvalorização do ideal da vida, quer seja da desvalorização real da
vida, seja nas relações sociais, seja nas relações políticas ‑ é um dos
calcanhares de Aquiles de nossa cultura civilizatória. É o problema mais
imediato de qualquer um de nós e no qual o poder público tem falhado de maneira
aguda.
Daí
a importância do respeito finlandês à Educação, devidamente turbinado pelo
poder público, que oferece ensino básico gratuito de alta qualidade a 98% da
população e revisa a cada dez anos o seu currículo nacional. Um exemplo acabado
e bem sucedido de igualdade de oportunidades, e não da utópica igualdade social
como tantos querem por aqui.
Somente
através da Educação ‑ não apenas como ensino, mas como Paideia ‑ é que se pode
difundir na sociedade uma compreensão abrangente da verdadeira missão do Estado
e dos valores morais essenciais para a vida em sociedade e a política. E que
são ‑ vejam a “coincidência” ‑ garantir a vida (como a missão das Forças
Armadas) e arbitrar conflitos naturais da vida em sociedade (missão da
Justiça). Justamente as três instituições mais respeitadas por lá e
sintomaticamente mal entendidas no Brasil.
Nesse
sentido, se não entendemos a diferença entre igualdade de oportunidades e
igualdade social (que oculta a negação das leis pela celebração de
privilégios), entre Estado e governos, entre legalidade e moralidade pública,
entre Justiça e justiça “social”, e principalmente entre responsabilidade
política, que abrange a responsabilidade social das empresas, a
responsabilidade civil dos cidadãos e a reponsabilidade fiscal dos governos,
não temos condições mínimas de autonomia nem de liberdade. O resultado é uma
crescente dependência assistencial do Estado, que tenta usurpar a missão mesma
das igrejas, e a consequente sensação generalizada de insegurança, de desvalor
da vida, de baixa autoestima e uma capacidade cada vez menor de reação “a tudo
isso que está aí”.
Dizem
os cínicos: tudo bem, mas a Finlândia mal chega a seis milhões de habitantes (o
mesmo que a cidade do Rio de Janeiro), e o Brasil possui regiões com
caraterísticas bem diferentes umas das outras. É tarefa impossível fazer o
salto na qualidade da Educação numa escala tão ampla.
Mas
não é preciso tanto para a virada na Educação que o Brasil necessita. No
momento em que se discute um Plano Nacional de Educação,
tão ou mais importante que definir “fenômenos” a serem estudados pelos alunos,
discutir salários de professores ou “preparar” para a competitividade cada vez
maior do mercado de trabalho, é fundamental que se adote um discurso que passe
ao largo de relativismos morais românticos e inconsequentes, sublinhando
valores da tradição humanista ocidental como os da vida, da liberdade, da
propriedade e da justiça, e os da cidadania, como a moralidade pública, o
império das leis e a responsabilidade política. Uma Educação para além de um
sistema de transmissão de conhecimento e aprendizagem, mas sobretudo de
formação cívica e política de futuros cidadãos.
Em
outras palavras, precisamos de mais cidadania em sala de aula e menos
relativismo moral no imaginário social produzido pela mídia, pelos políticos e
pela nossa academia de doutrinadores.
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