sábado, 11 de julho de 2015

Sistema educacional da Finlândia revela a importância de uma formação cívica e política

A Voz do Cidadão

Desde março deste ano, quando o Ministério da Educação da Finlândia divulgou uma maior flexibilização no ensino de matérias em suas escolas, o tema da Educação do futuro não sai mais do noticiário por aqui. Até 2020, todas as escolas finlandesas passarão a adotar um viés multidisciplinar em sala de aula, deixando de lado o antigo sistema de “cada professor, uma matéria”, e com muito menos provas e avaliações.

O ensino por tópicos ‑ ou, como eles preferem, por “fenômenos” ‑ será a regra geral e envolve dois ou mais professores de disciplinas diferentes numa mesma sala.

Semana passada, o tema ganhou as páginas de Veja, com uma extensa reportagem sobre os motivos que mantêm o país nórdico no topo do ranking de ensino há anos. Falou-se dos salários de professores e do rigoroso sistema de seleção, da alta carga de horas-aula, da disposição à inovação e competitividade, e até do desempenho do país na OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Mas nem uma palavra sobre o último item de um gráfico de “7 x 0″ da Finlândia sobre o Brasil no quesito “Educação”; e que talvez seja o que de fato explique uma diferença tão alarmante entre os dois países.
Na tabela “Instituições Mais Respeitadas”, divulgada na matéria, temos no país nórdico “Escolas”, seguida de “Forças Armadas” e, prestem atenção, “Judiciário”. Pelo lado brasileiro, aparecem as instituições “Bombeiros”, “Igrejas” e, aí sim, “Forças Armadas”. Analisar esta diferença talvez seja mais elucidativo do que discutir currículos escolares.

Num Brasil que segue sem freios rumo a um completo relativismo moral de viés coletivista, sobretudo à flexibilização do valor absoluto da vida, não chega a surpreender a inclinação da sociedade por instituições que se dedicam à sua salvaguarda. Bombeiros salvam vidas heroicamente; isso dispensa explicações. Igrejas salvam vidas espiritualmente. E as Forças Armadas salvam vidas epicamente; elas existem para garantir a segurança concreta e final dos cidadãos. Instintivamente, a sociedade sabe que a questão da insegurança ‑ quer seja da desvalorização do ideal da vida, quer seja da desvalorização real da vida, seja nas relações sociais, seja nas relações políticas ‑ é um dos calcanhares de Aquiles de nossa cultura civilizatória. É o problema mais imediato de qualquer um de nós e no qual o poder público tem falhado de maneira aguda.

Daí a importância do respeito finlandês à Educação, devidamente turbinado pelo poder público, que oferece ensino básico gratuito de alta qualidade a 98% da população e revisa a cada dez anos o seu currículo nacional. Um exemplo acabado e bem sucedido de igualdade de oportunidades, e não da utópica igualdade social como tantos querem por aqui.

Somente através da Educação ‑ não apenas como ensino, mas como Paideia ‑ é que se pode difundir na sociedade uma compreensão abrangente da verdadeira missão do Estado e dos valores morais essenciais para a vida em sociedade e a política. E que são ‑ vejam a “coincidência” ‑ garantir a vida (como a missão das Forças Armadas) e arbitrar conflitos naturais da vida em sociedade (missão da Justiça). Justamente as três instituições mais respeitadas por lá e sintomaticamente mal entendidas no Brasil.

Nesse sentido, se não entendemos a diferença entre igualdade de oportunidades e igualdade social (que oculta a negação das leis pela celebração de privilégios), entre Estado e governos, entre legalidade e moralidade pública, entre Justiça e justiça “social”, e principalmente entre responsabilidade política, que abrange a responsabilidade social das empresas, a responsabilidade civil dos cidadãos e a reponsabilidade fiscal dos governos, não temos condições mínimas de autonomia nem de liberdade. O resultado é uma crescente dependência assistencial do Estado, que tenta usurpar a missão mesma das igrejas, e a consequente sensação generalizada de insegurança, de desvalor da vida, de baixa autoestima e uma capacidade cada vez menor de reação “a tudo isso que está aí”.

Dizem os cínicos: tudo bem, mas a Finlândia mal chega a seis milhões de habitantes (o mesmo que a cidade do Rio de Janeiro), e o Brasil possui regiões com caraterísticas bem diferentes umas das outras. É tarefa impossível fazer o salto na qualidade da Educação numa escala tão ampla.

Mas não é preciso tanto para a virada na Educação que o Brasil necessita. No momento em que se discute um Plano Nacional de Educação, tão ou mais importante que definir “fenômenos” a serem estudados pelos alunos, discutir salários de professores ou “preparar” para a competitividade cada vez maior do mercado de trabalho, é fundamental que se adote um discurso que passe ao largo de relativismos morais românticos e inconsequentes, sublinhando valores da tradição humanista ocidental como os da vida, da liberdade, da propriedade e da justiça, e os da cidadania, como a moralidade pública, o império das leis e a responsabilidade política. Uma Educação para além de um sistema de transmissão de conhecimento e aprendizagem, mas sobretudo de formação cívica e política de futuros cidadãos.

Em outras palavras, precisamos de mais cidadania em sala de aula e menos relativismo moral no imaginário social produzido pela mídia, pelos políticos e pela nossa academia de doutrinadores. 




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