Olavo de Carvalho
Nas discussões públicas, com milhões de assuntos
entrecruzados e novos fatos sucedendo-se a cada instante, o número de
indivíduos com capacidade e tempo para averiguar pessoalmente a veracidade ou
falsidade últimas do que se diz é ínfimo ou nulo. Para a massa dos
observadores, a noção de “verdade” está indissoluvelmente fundida com a de
“confiabilidade”, portanto com a de “autoridade”: o argumentum
auctoritatis – o mais fraco dos argumentos, segundo Sto. Tomás de Aquino –
acaba sendo não apenas o mais usado, mas o único pelo qual a população se deixa
guiar.
Portanto, para saber quais idéias serão aceitas
pela população, basta averiguar o que dizem as “autoridades”. Em geral, as
fontes de autoridade são duas e apenas duas:
(1)O Estado.
(2)O beautiful people: As pessoas famosas e a
mídia que lhes dá a fama. Inclui-se aí a classe acadêmica.
Uma certa margem para a discussão objetiva só
aparece quando essas duas fontes entram em conflito. Quando elas estão de
acordo, a opinião divergente, por mais fundamentada que seja, desaparece no
oceano da indiferença ou é francamente estigmatizada como sintoma de doença
mental.
No Brasil, onde a mídia e a classe acadêmica
dependem quase que inteiramente do Estado, este se torna a fonte única da
autoridade, sua palavra o fundamento inabalável de todas as crenças. Quando a
opinião pública se volta contra o governo existente, é porque este, por
inabilidade ou por qualquer outra razão, relaxou o controle sobre a fonte
secundária. Isso aconteceu no regime militar, na gestão Collor de Mello e agora
neste final melancólico do império comunopetista.
Mesmo na vigência do conflito, no entanto, a mídia,
o show business e a classe acadêmica sabem que, a longo prazo,
continuam dependentes do Estado. Por isso, quando se opõem a um governo, lutam
apenas por mudanças superficiais que preservam intactas as estruturas
fundamentais do poder. A classe governante absorve todos os impactos e sempre
encontra um modo de revertê-los em seu benefício.
Por isso é que, mesmo não sendo tão grande em
termos absolutos – imaginem, somente, uma comparação com a burocracia chinesa
ou cubana --, o Estado brasileiro tem um poder avassalador face à sociedade
civil inerme, incapaz de organizar-se, a qual, mesmo sabendo-se roubada,
ludibriada e humilhada só consegue mobilizar-se quando chamada a isso
pelo beautiful people, que invariavelmente tira vantagem da situação e
acaba recompondo suas boas relações com o Estado na primeira oportunidade.
Com toda a evidência, o problema do Brasil não é o
tamanho do Estado, mas a fraqueza da sociedade civil, isto é, da massa que
trabalha e produz. Querem maior prova disso do que o fenômeno escandaloso de um
partido governante que, rejeitado e abominado por noventa e dois por cento da
população, continua inabalável no seu posto e ainda se permite falar em tom
ameaçador e arrogante?
É uma triste ironia que, nessa hora, mesmo os que
odeiam esse partido com todas as suas forças tomem a precaução de não
combatê-lo senão “pelas vias institucionais e normais”, como se as
instituições, uma vez consagradas no papel, tivessem o direito de revogar a vontade
popular que um dia as criou e legitimou e agora se vê esmagada sob a máquina
infernal da cleptoburocracia.
O cúmulo da demência aparece quando o grito de
“respeitar as instituições” vem das mesmas bocas que acabam de dizer: “As
instituições estão todas aparelhadas”. É um lindo raciocínio: As instituições
não são confiáveis, portanto confiemos nelas.
Fortalecer e organizar a sociedade, apelar à
desobediência civil, incentivar a iniciativa extra-oficial, “ignorar o Estado”
como recomendava Herbert Spencer, são idéias ante as quais essas pessoas recuam
horrorizadas, preferindo antes suportar o descalabro petista por mais não sei
quantas décadas do que admitir que a autoridade legítima não está em Brasília,
e sim nas ruas e nas praças de todo o país.
O sistema comunolarápio não ruirá enquanto
o beautiful people – no qual nós, jornalistas, nos incluímos -- não
aceitar que, acima dele e acima do Estado, existe uma terceira e mais legítima
fonte de autoridade: a opinião de todos, a vox populi.
Enquanto isso não acontece, o povo continua sendo
sacrificado no altar do oficialismo, onde sacerdotes da infâmia repetem dia e
noite o mantra sinistro: “Viva a normalidade institucional! Abaixo o povo
brasileiro!”
Olavo de Carvalho é Jornalista e Filósofo.
http://www.olavodecarvalho.org/ em 20 de julho de 2015.
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