Fábio Góis
Depois de anunciar rompimento pessoal
com o governo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), despachou nesta
sexta-feira (17) ofícios recomendando a atualização e a readequação de 11
requerimentos de impeachment já apresentados à Secretaria Geral da Mesa contra
a presidente Dilma Rousseff. Um dos protocolos foi feito pelo deputado Jair
Bolsonaro (PP-RJ), e os demais partiram de cidadãos de diversas localidades do
país (leia abaixo).
O Congresso em Foco obteve
junto à Secretaria Geral da Mesa (SGM) da Câmara os nomes dos autores dos
ofícios protocolados. Os 11 ofícios são idênticos, e dão prazo de dez dias para
que os respectivos signatários atualizem os documentos. Segundo a SGM, o fato
de Cunha ter sugerido “emenda” aos pedidos originais é apenas o cumprimento de
uma exigência regimental.
O deputado Bolsonaro formalizou em
março o pedido de cassação de Dilma. Na argumentação do requerimento, o
parlamentar fluminense acusou a presidenta de ter responsabilidade nos
desmandos praticados na Petrobras e desvendados pela Operação Lava Jato,
investigação que tem Cunha entre os alvos.
“Fica Vossa Excelência notificado
para, no prazo de 10 (dez) dias, emendar a denúncia referida em epígrafe,
adequando-a aos requisitos da Lei n. 1079/1950 e do Regimento Interno da Câmara
dos Deputados”, notifica Cunha, no ofício encaminhado a Bolsonaro e aos demais
cidadãos, obviamente alterado o pronome de tratamento para os outros 11
subscritores.
A Secretaria explica que, embora já
tenham sido admitidos como demanda formal prevista em lei, os pedidos
apresentaram algum tipo inadequação (formal, material, de conteúdo etc) que
precisa ser reparada. Só depois dessa atualização os documentos podem
tramitar. Depois das respostas dos autores, o departamento competente da
Câmara fará a devida análise jurídica e regimental de cada peça, para então
submeter pareceres individuais a Eduardo Cunha. A partir daí, caberá ao mais
novo oposicionista do Congresso decidir se dá prosseguimento aos processos.
A reportagem tentou obter cópias dos
protocolos de impeachment e dos ofícios despachados por Eduardo Cunha, mas a
SGM explicou que não pode fornecê-las em plena execução dos procedimentos
burocráticos. Mas, em tese, qualquer cidadão pode solicitar ao órgão da Câmara
acesso aos documentos, com base na Lei de Acesso à Informação.
Uma das razões para a quase nula
publicidade a respeito dos pedidos de impeachment é a própria natureza das
proposições: como não são projetos legislativos, elas deixam de ser inseridas
como tal nos arquivos virtuais da Câmara, onde a tramitação de pedidos de
impeachment tem início. Assim, ficam materialmente restritas ao departamento de
arquivos da SGM, que faz o registro virtual apenas em rede interna.
Além de Bolsonaro, assinam
requerimentos de abertura de processo de impedimento presidencial os cidadãos
Walter Marcelo dos Santos (dois pedidos apresentados, por motivos diferentes);
Marcelo Pereira Lima; Carolina Cristina Crestani; Pedro Geraldo Cancian;
Lagomarcino Gomes; Marcelo Cleiton Leite Borba; Adolfo Sashsida; Rafael
Francisco Carvalho; Luiz Adrian de Moraes Paz e Caio Belloti Delgado Marczuk
(assinam o mesmo pedido); e Carla Zambelli, líder do movimento NasRuas –
Mobilização. Com a decisão, Cunha cumpre o que prometeu quando disse que, caso
fosse ameaçado na Lava Jato, retaliaria o
Planalto, com direito a instalação de CPIs prejudiciais
ao governo.
Recorrência
O Congresso em Foco acompanha
os bastidores dos pedidos de impeachment protocolados na Câmara desde 2012,
segundo ano do primeiro mandato de Dilma. À época, o presidente da Casa era o
deputado petista Marco Maia (RS), que marcou sua passagem pelo comando
institucional com a fidelidade ao Palácio do Planalto. Na primeira reportagem
publicada por este site sobre o assunto,
verificou-se que os pedidos de impeachment eram tão desconhecidos quanto inusitados.
Dois anos depois, a reportagem
descobriu que um presidiário escreveu
uma carta, à mão, e conseguiu que ela chegasse ao conhecimento da Central do
Cidadão do Supremo Tribunal Federal (STF), departamento subordinado à
Secretaria Geral da Presidência do STF. Na carta, João Pedro Boria Caiado
de Castro, de 37 anos, condenado a seis anos e 11 meses de prisão, pediu o
enquadramento de Dilma em “crime de responsabilidade”, com base no artigo 8º
da Lei nº
1.079/50, estendendo a acusação ao governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e à “Justiça Pública Estadual”. Com
fundamentação jurídica, por tanto ler sobre Direito em sua cela, ele relatou
desmandos como superlotação e desrespeito aos direitos humanos, mas não viu seu
pedido prosperar. Apesar da menção ao tucano como uma espécie de autor dos
desmandos, o pedido de impeachment era direcionado apenas à petista, e foi
encaminhado ao arquivo.
Muitos dos pedidos sequer chegam ao
conhecimento do presidente da Câmara. Como este site mostrou
em 2012, cidadãos até agem dentro de seus direitos ao recorrer à Câmara com o
intuito do impeachment, mas pecam por desconhecer a legislação
pertinente. Alguns pedidos de impeachment são levados ao
lugar errado. De acordo com a lei em vigor desde 1950, apenas os crimes de
responsabilidade devem ser denunciados ao Congresso.
Congresso
em Foco
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