quarta-feira, 15 de julho de 2015

Operação Condor


Carlos I.S. Azambuja

Quando da prisão do general Augusto Pinochet, em Londres, em 1999, foram publicadas no Brasil uma série de reportagens, algumas de páginas inteiras, sobre a denominada “Operação Condor” (década de 70), buscando vincular órgãos de Inteligência brasileiros, especialmente o extinto Serviço Nacional de Informações com a referida operação, por ter “cooperado para formar e preparar quadros para os órgãos de repressão das ditaduras chilena, argentina, boliviana, uruguaia e paraguaia” (O Globo de 5 de janeiro de 1999. Sempre O Globo....           

Após indiciar o general Pinochet por genocídio, o juiz espanhol Baltasar Garzón (ex-deputado socialista) passou a buscar documentos objetivando demonstrar que, depois da deposição de Salvador Allende, no Chile, em 11 de setembro de 1973, os governos de cinco países - Argentina, BRASIL, Bolívia, Paraguai e Uruguai - uniram-se, sob o comando da DINA, o Serviço de Inteligência chileno, numa espécie de“Mercosul do terror”. A parceria teria sido formalizada em 1975, sendo denominada “Operação Condor”.

Nesse mister, o juiz Garzón contou com a colaboração do advogado espanhol Joan E. Garcés, assessor de Allende, no Chile, nos anos 1971-1973, que abandonou o Palácio La Moneda  minutos antes de este cometer suicídio. Joan Garcés, posteriormente, em 1976, foi o fundador, na Espanha, da Federação dos Partidos Socialistas e, em 1979, da esquerda socialista do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Felipe Gonzalez.

Em 1976, Joan Garcés escreveu o livro“Allende e as Armas da Política”, editado no Brasil em 1993 pela “Editora Scritta”, traduzido pelo escritor e jornalista brasileiro Emir Sader, que viveu no Chile como auto-exilado durante o governo Allende, onde integrou os quadros do Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR.

Vamos aos fatos. Àquilo que os jornalistas que abordaram o tema não disseram ou não quiseram dizer. Muitos dados aqui relatados foram extraídos do livro “Europa Versus Pinochet - Indebido Proceso”, escrito por Hermógenes Perez de Arce - professor universitário e colaborador do jornal chileno “El Mercurio” - lançado em Santiago, Chile em 1998, e já em segunda edição.

Deve ficar claro que quando existe uma ameaça terrorista de caráter internacional, os órgãos de Segurança dos países ameaçados se coordenam. Sempre foi e continua sendo assim. Nesse sentido, a “France-Press” divulgou, em 21 de novembro de 1998, o seguinte telegrama: “O presidente francês, Jacques Chirac, e o Primeiro-Ministro Lionel Jospin, confirmaram ao chefe do governo espanhol, José Maria Aznar, a adesão da França à luta antiterrorista na Espanha, ao ser concluída, ontem, a reunião de cúpula França-Espanha, em La Rochelle”.  Ou seja, esses dois países coordenaram seus órgãos de Inteligência para combater a ETA-BASCA.

Esse acordo não ficou no papel. Dia 10 de março de 1999, “O Globo” transcreveu um telegrama vindo de Paris, segundo o qual “as forças de segurança da França e da Espanha” haviam detido no dia anterior, em território francês, seis espanhóis, membros do grupo ETA, “incluindo o chefe militar José Javier Arizcuren Ruiz, conhecido como ‘Kantari’, procurado desde a década de 80 e acusado de haver tentado matar o rei Juan Carlos I, em Palma de Mallorca, em 1995 (...) A prisão foi resultado de uma operação conjunta entre a França e a Espanha”.

Voltando à América Latina, deve ser recordado que o desafio terrorista contra os governos do continente nada mais era do que uma derivação da Guerra-Fria.

Em 1974 - menos de um ano após a deposição de Allende - foi fundada em Paris uma Junta de Coordenação Revolucionária (JCR), integrada peloExército de Libertação Nacional (ELN), da Bolívia, oExército Revolucionário do Povo (ERP), da Argentina, oMovimento de Libertação Nacional-Tupamaros MLN-T),do Uruguai, e o Movimento de Izquierda Revolucionário (MIR), do Chile.

O Secretário-Geral da JCR era o cubano Fernando Luis Alvarez, membro da Direção Geral de Inteligência (DGI) cubana, casado com Ana Maria Guevara, irmã de Che Guevara, o que conferia à JCR o caráter de instrumento do Estado cubano.

Pouco tempo depois, em outubro de 1974, a Comissão Política do MIR, através de seu jornal “El Rebelde en la Clandestinidad”, dava conta desse fato nos seguintes termos: “No campo internacional, nosso partido redobrará a coordenação e o trabalho conjunto com o ERP, O MLN-T e o ELN da Bolívia, e junto com eles lutará para fortalecer e acelerar o processo de coordenação da Esquerda Revolucionária Latino-Americana e Mundial (...). Chamamos a todas as organizações e movimentos irmãos a redobrar a luta em seus próprios países, a fortalecer e ampliar a Junta Coordenadora do Cone Sul (...)”.

O dirigente do PC Chileno, já falecido, que também foi Ministro do governo Allende, Orlando Millas, escreveu em suas “Memórias, 1957-1991”, “Ediciones Chile - América”, Santiago, 1995, páginas 186 e 187, o seguinte: “Reunimo-nos em Moscou, em 1974, os membros da Comissão Política do partido que estávamos no exílio, ou seja, os titulares Volodia Teitelboim, Gladys Marin (na época Secretária-Geral do Partido Comunista Chileno) e eu, e o suplente Manuel Cantero. Nessa oportunidade soube do acordo que haviam chegado, em Havana, dirigentes dos respectivos partidos (chileno e cubano), para que contingentes de militantes comunistas chilenos fossem aceitos como alunos, na qualidade de cadetes, na Escola Militar de Cuba.
                
Foi recrutado para essa tarefa o melhor do melhor da nova geração no exílio. Senti que os conduzíamos a queimar-se no Chile em batalhas impossíveis. Quem menos direito tem de criticá-los somos nós, que assumimos a responsabilidade, estremecedora, de sugerir-lhes, sendo adolescentes, que o caminho para ser dignos de seu povo deveria ser percorrido empunhando armas”.

Infelizmente, isso não aconteceu somente no Chile. No Brasil, também na década de 70, mais da metade dos que foram mandados para a morte pela direção do Partido Comunista do Brasil, nas selvas do Araguaia, eram jovens estudantes ou recém-formados.
      
Anteriormente a tudo isso, no Congresso do Partido Socialista Chileno, ao qual pertencia Salvador Allende, realizado na cidade de Chillán, em 1967, foi aprovada uma Resolução Política que dizia: “(...) A violência revolucionária é inevitável e legítima (...). Só destruindo o aparato burocrático e militar do Estado-burguês, pode consolidar-se a revolução socialista”. Essa linha política foi confirmada no Congresso realizado em 1971 - ano em que Allende assumiu o governo - realizado na cidade de La Serena.

A decisão do PS chileno de optar pela“violência revolucionária” estava de acordo com os protocolos adotados no ano anterior, 1966, em Havana, na “Conferência Tricontinental”, quando foi aprovada pela unanimidade das 27 delegações presentes a sugestão de criar a “Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS)” uma cópia do Komintern dos anos 30, um pacto político-militar para revolucionar a América Latina. O autor dessa proposta foi o delegado que representava o Partido Socialista Chileno. Chamava-se Salvador Allende.

Quem melhor resumiu a consistência da ameaça armada ilegal constituída durante os quase três anos em que Allende esteve no governo foi o ex-senador e ex-presidente do Partido Socialista durante o referido governo, Carlos Altamirano. No livro da jornalista Patrícia Politzer, editado no Chile em 1995, pode ser lido o seguinte diálogo: Entrevistadora: “Quantos homens formavam esse modestíssimo aparato armado do Partido Socialista?” Altamirano: “Mas ou menos mil a mil e quinhentos homens, com armas leves”. Entrevistadora:“Mil homens não é pouco”. Altamirano: “Não era pouco se houvesse uma coordenação com o aparato militar do MIR, que supostamente era bastante mais importante que o nosso; com o do Partido Comunista, que também era maior, e com os que tinham o MAPU e a Esquerda Cristã. Porém, essa coordenação não aconteceu...”.

É evidente que o número de 1.000 a 1.500 homens, do PS, 3.000 a 5.000 do MIR (“bastante mais importante”, 2000 do Partido Comunista (“também era maior”), do MAPU e Esquerda Cristã, aproximadamente 1.000, redundava em um total aproximado de 10.000 homens armados que, somado aos “companheiros de Tropas” (referidos por Patrício La Guardia, como se verá adiante) e a um número indeterminado de outros estrangeiros, inclusive brasileiros, era, sem dúvida, um contingente respeitável.

Nos anos 80, a ação armada subversiva, no Chile, ganhou impulso com os sucessivos desembarques de armas realizados desde navios cubanos, em janeiro, junho e julho de 1986: 3.200 fuzis, 114 lança-foguetes soviéticos RPG-7, 167 foguetes anti-blindagem LAW (alguns utilizados no atentado contra Pinochet nesse mesmo ano de 1986, que causou a morte de 5 militares de sua escolta), granadas, munições e outras armas (livro“Chile, Crônica de um Assédio”, Santiago, 1992, tomo I, página 98). Ou seja, o maior contrabando de armas jamais registrado na América Latina.

A prova da intervenção cubana e de que um contingente dessa nacionalidade encontrava-se no Chile durante o governo Allende, inclusive integrando a segurança pessoal do presidente, pode ser encontrada em uma publicação cubana sobre o julgamento, muitos anos mais tarde, já no final da década de 80, de diversos altos oficiais do Exército cubano, acusados de narcotráfico. Um desses oficiais, Patrício La Guardia, amigo pessoal de Fidel Castro, condenado à morte e fuzilado, viu-se submetido ao seguinte interrogatório:

Pergunta: “E missões internacionalistas, além dessa de Angola, que cumpriu anteriormente? Resposta de Patrício La Guardia: “Estive no Chile. Fui condecorado com a Medalha Internacionalista de Primeiro Grau porque estava no Chile à frente dos companheiros de Tropas, quando do golpe de Estado, e cumpri outras operações especiais” (“Vindicación de Cuba 1989”, “Editorial Política”, Havana, Cuba, página 291.  

Carlos I.S. Azambuja é Historiador.

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net


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