João
Pereira Coutinho
No
dia 5 de julho, os gregos foram às urnas. E, em gesto de coragem, disseram
"não" à "austeridade". A Europa exigia que os gregos
subissem a idade da aposentadoria? Os gregos disseram "não". A Europa
exigia aumento de impostos em setores estratégicos do país, como o turismo? Os gregos
disseram "não". A Europa desejava mais cortes na despesa do Estado?
"Não", "não" e "não".
Foi
uma noite de festa em Atenas, provavelmente esgotaram-se as garrafas de
"retsina" e Alexis Tsipras, o premiê do país, surgiu perante o seu
povo garantindo que tinha mais poder para negociar –e que um acordo com os
outros governos europeus (que ele classificou de "mentirosos" e seu
ex-ministro das Finanças, de "terroristas") seria conseguido em
poucos dias.
O
clima era tão heroico que Vladimir Safatle, colunista desta Folha, declarava poeticamente
que os gregos tinham "um governo que sabe como a política é a definição do
inegociável". O título do texto era ainda mais poético: "Aquele que
diz 'não'" (7/7/2015)
Amanheceu
em Atenas. E o mesmo premiê que pedira "não" aos seus compatriotas
tinha agora uma contraproposta para apresentar em Bruxelas. E que nos dizia
essa contraproposta?
Fácil:
o leitor pode fazer "copiar+colar" da proposta inicial da União
Europeia e terá a nova proposta grega quase "ipsis verbis". Com um
pormenor: a "austeridade" que o governo grego recusara era defendida
pelo mesmo governo em termos ainda mais violentos (tradução: € 12 bilhões em
cortes). Como explicar a mudança de Alexis Tsipras em 24 horas? E como explicar
que a utilidade do plebiscito que ele convocou com arrogância suicidaria,
abandonando as negociações? Três hipóteses:
a) O premiê grego não leu a coluna de
Vladimir Safatle.
b) O premiê grego sofre de um distúrbio de personalidade.
c) O premiê grego brincou com o destino do país, esperando que o "não" assustasse a Europa inteira.
b) O premiê grego sofre de um distúrbio de personalidade.
c) O premiê grego brincou com o destino do país, esperando que o "não" assustasse a Europa inteira.
Eliminando
as duas primeiras hipóteses como irracionais, resta a terceira: o mesmo governo
que disse "não" à austeridade e insultou os credores com vigor, olhou
para o abismo econômico que tinha à frente e, no dia seguinte, já estava a
pedir aos credores (aos "mentirosos", aos "terroristas") um
novo cheque de € 50 bilhões para não naufragar.
Perante esta história, digna de Marx (o
Groucho, não o Karl; como dizia o primeiro, "esses são os meus princípios;
mas se você não gosta, eu tenho outros"), será de admirar que a Europa
considere o governo grego um parceiro "não confiável" (para usar um
eufemismo)?
E
será de admirar que com a economia do país paralisada durante duas semanas
–bancos fechados, controlo de capitais etc.– as necessidades de financiamento
grego já estejam acima dos € 80 bilhões?
O
resultado do circo está à vista: depois de 17 horas de negociações, a Grécia
está de joelhos como nunca esteve em cinco anos de ajustamento. Da subida de
impostos à imposição das privatizações; do controlo das contas do país pelo FMI
à venda de ativos públicos (€ 50 bilhões), pior era impossível. E agora?
Agora,
o governo grego tem 48 horas para passar no Parlamento este novo plano, que
transforma o plano original recusado por Tsipras em brincadeira de crianças.
Desconheço
se Atenas aceitará a terapêutica. Desconheço se o governo de Tsipras irá
sobreviver a esta monumental humilhação. E mesmo que o Parlamento aceite tudo,
desconheço se o povo grego ficará tranquilamente em casa, depois das ilusões (e
das traições) do seu próprio governo.
Por
agora, o "caso grego" apenas oferece uma lição aos pequenos "che
guevaras" que gostam de brincar à política com a vida de milhões de seres
humanos: ocultar a realidade com mentiras e soberba é o primeiro passo para que
a realidade nos esmague sem perdão.
João
Pereira Coutinho
Escritor português, é doutor em
ciência política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português.
Escreve às terças-feiras na versão impressa, e a cada duas semanas no site.
Folha de São Paulo
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