João
Luiz Mauad
O
Brasil é um país estranho, cheio de contradições, onde direitos e deveres
frequentemente se confundem – vejam, por exemplo, a instituição do voto
obrigatório, recentemente ratificada pelo Congresso Nacional no último arremedo
de reforma política ali negociada.
Nossos
legisladores gostam de editar leis dizendo que somos livres, que temos
liberdade de escolha, mas logo em seguida nos brindam com alguma obrigação
totalmente cerceadora dessa liberdade. Peguemos o exemplo da organização
sindical no país. O artigo 8º da Constituição, em seu inciso V,
estabelece que“ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a
sindicato”. Tal dispositivo, evidentemente, conta com apoio total e irrestrita
aprovação dos liberais.
Entretanto,
a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, estabelece, em seu artigo 579, que
será devida, anualmente uma contribuição sindical por todos aqueles que
participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma
profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou
profissão. Resumindo: ainda que você opte, de acordo com dispositivo
constitucional, a não filiar-se a um sindicato, você estará obrigado a pagar um
dia do seu salário ao sistema. Ou seja, existem associações às quais você
só se associa se quiser, porém, em qualquer hipótese, você é obrigado a
contribuir para a sua manutenção – e para a boa vida dos seus mandatários.
E
não pensem que o descalabro para por aí. Além do imposto sindical anual,
muitos trabalhadores têm sido recorrentemente obrigados a dar parte de seus
salários, mensalmente, aos sindicalistas de suas respectivas categorias.
Tais “contribuições”, descontadas diretamente em folha, em alguns casos superam
em muito o próprio imposto sindical. Vejam esta matéria,
publicada hoje, no jornal O Globo, sobre a cobrança da “contribuição
assistencial” pelo Sindicato da Construção Civil do RJ:
Além do
chamado Imposto Sindical, que equivale a um dia de salário no ano, um
profissional da construção civil do Rio deixa o equivalente a outros dez dias
de trabalho para seu sindicato. Isso graças à Contribuição Assistencial. Na
prática, o operário que ganha R$ 2 mil por mês, pagará R$ 714 por ano à
entidade que o representa, ou algo próximo a um salário mínimo. A defesa da
cobrança compulsória dessa taxa é o ponto principal de uma luta internacional
das centrais sindicais brasileiras na Organização Internacional do Trabalho
(OIT).
O
desconto de 11 dias de trabalho é a realidade de 183 mil trabalhadores dos
setores da construção civil, montagem industrial, mármores e granitos, produtos
de cimento, reformas e manutenção do município do Rio. O Sintraconst-Rio
aprovou cobrar o equivalente a 2,7% do salário mensal de toda a categoria como
contribuição assistencial.
O país
tem três formas de financiamento a sindicatos: mensalidade dos associados, o
Imposto Sindical (…) e as Contribuições Assistenciais. Ninguém no país tem
ideia do tamanho dos recursos gerados por esta última. Não há nenhuma
fiscalização, a não ser interna. Mas especialistas alertam que deve superar o
Imposto Sindical, que ano passado ficou em R$ 3,18 bilhões.
Em
tese, essa “contribuição” não é obrigatória, mas, na prática, dadas as
dificuldades impostas pelos sindicatos para que os trabalhadores livrem-se
dela, acaba sendo, tanto que a própria OIT, como indicado acima, vem
questionando a estrovenga.
Tais
cobranças, normalmente, são instituídas na Convenção Coletiva dos
trabalhadores, da qual participa uma quantidade ínfima dos trabalhadores
alcançados por elas. Para “facilitar a cobrança”, a famigerada taxa é
descontada dos salários pelas empresas, que a repassa aos respectivos
sindicatos.
Pela
norma, se o pobre trabalhador não manifestar vontade expressa em contrário, ele
estará, tácita e automaticamente, de acordo com o desconto. No passado,
bastava que o empregado comunicasse à empresa sua decisão de não contribuir
para ficar isento. Muitas empresas mantinham inclusive formulários
próprios para esta eventualidade, bastando preenchê-los e assiná-los, na hora
da contratação, caso os interessados assim desejassem.
A
partir de determinado momento, entretanto, os sindicatos, espertamente,
passaram a exigir a presença pessoal do trabalhador na sede da entidade, onde
ele deve fazer uma declaração de próprio punho manifestando o desejo de não ser
tungado pelos pelegos. O leitor já pode imaginar as inúmeras dificuldades
impostas pelas secretarias dos sindicatos para a formalização desse
procedimento, sem contar que, além do tempo perdido, para muitos trabalhadores
analfabetos, ou semianalfabetos, tal exigência pode transformar-se num grande
constrangimento.
Não
por acaso, num universo de cerca de 200 mil trabalhadores da construção civil,
no estado do Rio, apenas 17 mil conseguiram isenção dessa espúria “taxa
associativa”.
Brasil,
uma nação de espertos! E depois não sabem por que somos o eterno país do
futuro (que nunca chega).
João
Luiz Mauad
é
administrador de empresas.
A VOZ DO CIDADÃO
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