Mariana Sanches
Mais de 30 entidades empresariais
brasileiras e americanas encaminharam há uma semana uma carta para os governos
de Brasil e Estados Unidos cobrando urgência na conclusão de ao menos uma parte
do acordo bilateral de comércio que os países se dizem dispostos a negociar.
Lideradas
pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) e a U.S. Chamber of Commerce, as entidades defendem
que os representantes das duas nações assinem até junho ou julho acordos
comerciais nas áreas que não envolvem necessidade de aprovação pelos Congressos
dos países ou negociações em conjunto com o Mercosul.
A
motivação da carta é a percepção de que, embora demonstrem boa vontade mútua,
nem Donald Trump nem Jair Bolsonaro foram capazes de gerar resultados concretos
da atual aproximação até agora. Para os empresários, após quase 17 meses de
intensas negociações, as possíveis mudanças nas circunstâncias políticas de
cada país podem levar a uma perda quase total do trabalho.
"Você
pode ter cem conversas bilaterais, se nada muda depois delas, isso quer dizer
que elas eram só papo mesmo. Se perdermos essa curta janela agora de ter um
acordo entre Estados Unidos e Brasil, a próxima pode levar mais 20 anos para
abrir", diz à BBC News Brasil Steven Bipes, vice-presidente da Advanced
Medical Technology Association, associação americana de produtores de alta
tecnologia médica, uma das signatárias da carta.
De
acordo com Bipes, como o momento atual é especialmente favorável pela relação
pessoal dos dois líderes, a possibilidade de que um dos dois saia de cena
preocupa. O presidente americano Donald Trump concorrerá à reeleição daqui a
seis meses, em novembro, em um pleito cujos resultados são imprevisíveis, em
meio à pandemia de coronavírus que já matou mais de 60 mil americanos. Além
disso, no Brasil, as sucessivas crises políticas ameaçam continuamente a
estabilidade do governo Bolsonaro. O mandatário hoje enfrenta uma investigação
no âmbito do Supremo Tribunal Federal que poderia desaguar em um processo de
impeachment.
"O
povo brasileiro gosta de grandes emoções, como diria o Roberto Carlos. Não
podemos passar sem emoções diárias. Hoje nomeia novo chefe da Polícia Federal,
amanhã 'desnomeia'. Mas a questão é que queremos que essa agenda do comércio
entre os dois países seja vista como algo que qualquer governo, de qualquer um
dos países, possa levar adiante", afirmou Carlos Eduardo Abiajodi, diretor
de desenvolvimento da CNI.
Um acordo na mão
De
acordo com Abrão Árabe Neto, vice-presidente-executivo da Amcham Brasil, um
acordo completo de livre comércio é desejado pelo empresariado dos dois países,
mas a complexidade de uma negociação como essa pode fazer com que o resultado
final leve anos para chegar. Exemplo disso seriam os 20 anos de trabalho para a
conclusão do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia ou os sete anos
para a elaboração do Tratado de Comércio Transpacífico, envolvendo 12 países
banhados por esse oceano.
"Um
acordo de livre comércio é uma viagem muito longa. O que estamos propondo é que
façamos uma escala no meio dessa viagem, com esse pacote de medidas comerciais
bilaterais aprovadas ainda em 2020. É já uma medida eficiente e que pode
garantir o resto da viagem no futuro", diz Árabe Neto.
O pacote
prevê a abolição de barreiras não-tarifárias: o corte em procedimentos
burocráticos, conhecidos como facilitação de comércio, a adoção de boas
práticas regulatórias, a unificação de regras para comércio eletrônico e
propriedade intelectual, e o fim de barreiras técnicas e sanitárias.
"Na
verdade, esse acordo não tarifário poderia ser até mais importante do que uma
discussão de tarifas, que é longa e complexa. Estimamos hoje que as barreiras
não tarifárias acabam por custar ao empresário entre seis e 12 vezes o valor
das tarifas de importação e exportação atuais", argumenta Bites.
"É preciso dar uma
forcinha"
Os
empresários afirmam que, como essas medidas dependem só de atos dos dois
Executivos, elas poderiam ser tomadas a qualquer momento. "Esse trabalho
dos países poderia ser mais proveitoso. Tem coisas que a gente não consegue
explicar ou justificar porque ainda não aconteceram. A gente de vez em quando
tem que dar uma forcinha", diz Abiajodi.
De
acordo com Bipes, há uma percepção no mercado de que o patamar de negociações
mudou após o jantar entre os dois presidentes e alguns ministros em Mar-a-Lago,
na Flórida, no começo de março. À mesa, Trump explicitou suas preocupações
quanto à concorrência entre produtos agrícolas brasileiros e americanos e teria
sido convencido de que esses aspectos poderiam ser contornados em uma
negociação.
Há dez
dias, o Itamaraty e o Representante de Comércio dos Estados Unidos divulgaram
um comunicado conjunto em que afirmam que "ambos os países concordaram em
acelerar seu diálogo comercial em andamento na Comissão de Relações Econômicas
e Comerciais (ATEC) - Brasil-EUA, com o objetivo de concluir em 2020 um acordo
sobre regras comerciais e transparência, incluindo facilitação do comércio e
boas práticas regulatórias".
Mas
especialistas nesse tipo de negociação diplomática veem com ceticismo a
possibilidade de que algum acordo acabe finalmente anunciado nos próximos
meses, durante um ano eleitoral.
Até
porque, ainda que Trump possa mesmo estar mais simpático à ideia de um comércio
facilitado entre os dois países, sua base eleitoral é composta por fazendeiros
que não veem com bons olhos a entrada sem restrição de produtos brasileiros no
mercado dos Estados Unidos. Para a plataforma de campanha do americano, cujo
mote é "America First" (Estados Unidos primeiro), o anúncio de uma
medida como essas poderia soar contraditória.
"Hoje
Brasil e Estados Unidos não têm nenhum acordo. A gente sabe que é mais difícil
sair do zero para alguma coisa do que depois seguir melhorando o que se tem. É
o mais perto que chegamos de sair do zero. A ver se vamos mesmo conseguir nos mover",
resume Bipes.
BBC News Brasil em
Washington
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