quinta-feira, 21 de maio de 2020

Correr atrás do impossível

Silvia Caetano

Lisboa – Não será surpresa se Angela Dorothea Merkel encerrar com chave de ouro sua carreira como Chanceler da Alemanha, cargo que ocupa desde novembro de 2005 e cujo mandato expira no próximo ano. Ela já disse que não concorrerá à reeleição, mas antes disso, com apoio da França de Macron, pretende quebrar o tabu da mutualização da dívida da União Europeia que dominou a política do seu país até agora.

Não importa o nome da medida, eurobonds ou o que for, mas não será um empréstimo como defendem os Países Baixos, apelidados como grupo dos frugais. Isso Merkel não aceita. Ela quer criar um Fundo de Recuperação da Dívida de 500 mil milhões de euros, a fundo perdido,para ajudar os Estado membros mais afetados pela Pandemia

Não será a primeira vez que Merkel confronta a União Europeia-UE-, como quando, por exemplo, abriu as fronteiras da Alemanha às centenas de milhares de refugiados da Síria e de zonas de guerra e crise vizinhas enquanto os demais países que se fecharam. Novamente, ela está empenhada em atravessar uma fronteira até então considerada intransponível. Vai fazê-lo porque sabe  que  em risco  está o futuro da UE.

Merkel não acredita na possibilidade de uma república europeia dos iguais num Continente tão diverso como o atual, com um Norte rico e um Sul pobre e a enfrentar dificuldades gravíssimas, sobretudo decorrentes da Pandemia. Ela defende que, sem solidariedade e leis que estabeleçam um grupo de iguais com direitos comuns, o sonho dos pioneiros UE se perderá nas sombras do egoísmo dos mais ricos.

No longínquo 1933, ano do avanço nazista, o escritor Francês, Julien Benda, escreveu um discurso à Europa apelando aos europeus a se unirem em torno dos seus valores universalistas e contra o monstro do nacionalismo que crescia. A Europa marchava para a morte e poucos sonhavam com o impossível. O perigo agora é outro,mas Angela Merkel costuma correr atrás do impossível .

Ela sabe que sem a união dos Estados membros, a União Europeia chegará ao fim. O projeto franco-alemão é financiar os países mais necessitados através de um fundo de emissão da dívida europeia, sob a forma de subvenção. Seria uma transferência de recursos, ainda que passando pela Comissão Europeia, dos Estados com maior capacidade de endividamento para os com menos capacidade.

A proposta é ousada, mas que Merkel não é nenhum aprendiz na política. Tem anos de estrada e já deve ter acertada com seus parceiros favoráveis à medida. Foi também a fórmula que ela encontrou para contornar a decisão do Tribunal Constitucional alemão, que se meteu na política monetária do Banco Comum Europeu, vetando este tipo de ajuda. Se a lei alemã, não permite Merkel, recorre à via orçamental, contra a qual a Justiça alemã nada pode.

O dinheiro chegaria ao Estado necessitados através de programas comunitários existentes e só seria devolvido no exercício de 2028. Os custos da operação seriam proporcionais à contribuição de cada país para o orçamento comunitário, cuja maior parcela de 27% é da própria Alemanha.

A ideia será apreciada na apresentação do plano para o relançamento da economia europeia, que deve ocorrer na próxima semana quando também será discutida a proposta de revisão do próximo quadro financeiro plurianual do Conselho Europeu. Fica aqui a lembrança da frase de Merkel que se tornou famosa: Nós vamos conseguir.


Diário do Poder

Nenhum comentário: