quarta-feira, 11 de março de 2020

Por que a Arábia Saudita deflagrou uma guerra de preços que fez o petróleo desabar – e o que esperar agora

Lara Rizério, Rodrigo Tolotti

Expectativa é de guerra de preços prolongada entre Rússia e Arábia Saudita, que pode levar petróleo a US$ 20 e afetar fortemente o mercado brasileiro

SÃO PAULO – Como se não bastasse o coronavírus levar a uma forte aversão ao risco e fazer as bolsas pelo mundo desabarem, entre o fim da semana passada e o começo desta, um outro fator de risco vem abalando fortemente as bolsas pelo mundo.

Trata-se da forte tensão da última reunião da Opep+, que inclui os maiores produtores do mundo, além da Rússia. O imbróglio teve como protagonistas a Arábia Saudita e o país governado por Vladimir Putin, levando a uma derrocada do preço do barril brent de até 31% no último pregão, na maior baixa desde a Guerra do Golfo de 1991.

Na última sexta-feira (9), os preços do petróleo tipo brent já tinham caído 9,3%, a US$ 45,40 o barril, após os países da Opep+ não chegarem a um acordo para realizar cortes adicionais na produção para reduzir a oferta coletiva em mais de 1,5 milhão de barris por dia de forma a diminuir o impacto do coronavírus sobre a demanda pela commodity.

O imbróglio ocorreu por desacordo entre a Arábia Saudita e a Rússia, interrompendo uma parceria de mais de quatro anos que ajudou a reequilibrar os preços do petróleo após a commodity atingir mínimas de US$ 28 em janeiro daquele ano.

Porém, o pior ainda estaria por vir. A Arábia Saudita iniciou durante o fim de semana um processo de retaliação ao fracasso do acordo, anunciando uma queda do preço oficial de venda do barril para abril entre US$ 6 e US$ 8 o barril. Além disso, ela planeja elevar a sua produção para acima de 10 milhões de barris por dia (bpd) em abril, depois que expirar o acordo atual para restringir a produção entre os integrantes da Opep+, o que ocorrerá no fim de março.

Vale ressaltar que a Rússia não quis ceder a uma iniciativa liderada pelos sauditas para obrigá-la a se juntar ao cartel nos cortes de produção por um motivo em especial. A ideia de Moscou era pressionar os produtores de gás de xisto dos EUA, que elevaram a sua produção enquanto os países que formavam a Opep+ reduziam a sua produção.

Muitas empresas americanas vem perdendo dinheiro e correm risco de falir, a não ser que haja um forte aumento dos preços. Mesmo antes da reunião sem acordo na sexta-feira, bancos já restringiam empréstimos aos perfuradores de gás de xisto, destacou a Bloomberg.

Por mais que os russos também fossem prejudicados, os produtores do país são mais resistente a preços mais baixos. Os russos possuem moeda flutuante – ao contrário da Arábia Saudita – e podem sustentar o orçamento com receitas de petróleo menores.

“A Rússia e o presidente Putin estão em melhor posição para lutar nesta guerra do que a Arábia Saudita ou seu príncipe herdeiro”, destacou à Bloomberg Chris Weafer, CEO da Macro Advisory, consultoria com sede em Moscou. Tanto estão, que Moscou disse ser capaz de suportar os preços baixos por até uma década.

Desta forma, enquanto o foco da Rússia era a produção americana, quem pode sofrer mais no curto prazo é a Arábia Saudita. Uma eventual vitória saudita teria um custo que talvez não possa ser arcado pelo país.

Conforme destaca o Abu Dhabi Commercial Bank, caso o petróleo Brent permaneça em US$ 35 sem um ajuste nos gastos, a Arábia Saudita teria um déficit de quase 15% do PIB em 2020. Já as reservas internacionais líquidas poderiam esgotar-se em cerca de cinco anos, a menos que o país use outras fontes de financiamento. O setor de energia responde por cerca de 80% das exportações do reino e por 66% da receita fiscal.

“A Arábia Saudita acumulou reservas significativas que a permitirão enfrentar um período prolongado de preços baixos, mas isso pode ter um custo”, disse Tarek Fadlallah, CEO da unidade de Oriente Médio da Nomura Asset Management, para a Bloomberg. “O custo é o dinheiro que poderia ser usado para ajudar a diversificar a economia.”

O que esperar?
Com esse cenário se desenhando no mercado, analistas de mercado não descartam que o preço da commodity possa chegar a US$ 20 nas próximas semanas, como apontado pelo Goldman Sachs e Bank of America.

O evento do fim de semana mudou completamente as perspectivas para os mercados de petróleo e gás, disse o Goldman, que reduziu as previsões para o segundo e terceiro trimestres para US$ 30 o barril, mas não descarta que a commodity possa cair para a casa dos US$ 20 no curto prazo.

“Acreditamos que a guerra dos preços do petróleo da Opep e da Rússia começou inequivocamente neste fim de semana”, apontaram os analistas. “O prognóstico para o mercado de petróleo é ainda mais sombrio do que em novembro de 2014”, quando houve a última guerra de preços, já que coincide com o colapso significativo na demanda por petróleo devido ao coronavírus.

Na mesma linha, Ali Khedery, ex-conselheiro sênior da Exxon para o Oriente Médio e agora CEO da empresa americana de estratégia Dragoman Ventures, destacou: “Está chegando em 2020 o petróleo a US$ 20. As implicações geopolíticas são enormes”, avaliou em post no Twitter.

O BofA, que também não descarta que o brent caia na faixa de US$ 20 por algumas semanas, traça alguns cenários para o mercado de commodities. Eles avaliam que é importante questionar se essa nova ação saudita está sendo travada contra a Rússia ou contra o xisto dos EUA.

Os analistas do banco americano reduziram as previsões do brent de US$ 54 para US$ 45 o barril em 2020 e os valores do WTI de US$ 49 para US$ 41. “Não assumimos mais que a Arábia Saudita tentará equilibrar o mercado de petróleo, e nossas projeções mostram agora uma grande oferta no mercado de petróleo neste ano”, apontam os analistas do BofA.

Já para 2021, o banco americano revisou os preços de US$ 60 para US$ 55, sem descartar um cenário de barril a US$ 50 se a demanda permanecer fraca e a guerra de preços continuar. “No entanto, mesmo que os riscos negativos estejam crescendo, a longo prazo ainda acreditamos que o brent é uma commodity de US$ 50 a US$ 70 devido à dinâmica global dos custos de produção de petróleo”, completam.

Para eles, se os sauditas ofereceram descontos ao mercado com a intenção de trazer a Rússia de volta à mesa de negociações, os preços poderão se recuperar um pouco mais rápido.

Contudo, avaliam, se a guerra de participação de mercado estiver sendo travada contra o gás de xisto dos EUA, é provável que haja uma queda mais duradoura no preço do petróleo. Para o BofA, neste cenário, a projeção do barril mudaria de US$ 45 para US$ 40 porque a recuperação no segundo semestre seria menos provável.

“Olhando para trás, vemos que o fornecimento de xisto nos EUA proporcionou cerca de 10 milhões de barris por dia de crescimento da oferta de petróleo e gás liquefeito na última década. No entanto, a produção nos EUA é muito sensível ao preço e provavelmente sofrerá bastante à medida que o petróleo caia”, destaca o BofA.

O Bradesco BBI, por sua vez, revisou para baixo as suas expectativas para os preços do brent de US$ 65 para US$ 35 o barril este ano, com a cotação avançando gradualmente para US$ 55 o barril no longo prazo. Para a equipe de análise do banco, o movimento surpreendente dos sauditas pode ser uma tentativa de trazer a Rússia de volta à mesa de negociações. Contudo, eles não avaliam que essa “queda de braço” será vencida rapidamente. Assim, é difícil saber quanto esse imbróglio terminará, devendo trazer resultados negativos por um longo período.

Os impactos no Brasil
Assim como nos mercados do mundo todo, o primeiro reflexo da derrocada do petróleo foi na bolsa, com o Ibovespa caindo mais de 12%. O pior desempenho ficou para a Petrobras, que viu suas ações desabarem 30% em meio às incertezas sobre os impactos deste novo cenário.

Mais cedo, a estatal afirmou que está monitorando o petróleo e que ainda é prematuro projetar os efeitos da queda dos preços do barril em suas operações. Apesar disso, a petroleira não deu indicações se fará alguma revisão no preço dos combustíveis por conta da queda do petróleo.

Analistas lembram que uma das alternativas que o governo tem para ajudar a Petrobras neste momento é aumentar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), um dos impostos que incide sobre os combustíveis.

Porém, o presidente Jair Bolsonaro já declarou em seu Twitter hoje que “não existe a possibilidade” de o governo elevar a tributação. Segundo Bolsonaro, a estatal manterá sua política de preços, que segue a cotação do petróleo, o que, segundo ele deve resultar em uma redução do preço dos combustíveis nas refinarias.

Segundo Rafael Schiozer, professor de finanças da FGV EAESP, se a queda do barril de petróleo perdurar, realmente os combustíveis devem cair, mas isso não será algo imediato e pode não ser tão forte quanto se imagina.
“Tem alguns fatores envolvidos: se o preço baixo dos barris perdurar e a Petrobras mantiver sua política de repassar os preços internacionais, o valor do combustível na bomba deve cair nas próximas semanas, mas esse processo nunca é imediato. Ainda, essa queda no preço deve ser revertida em breve, não totalmente mas boa parte do preço deve ser recuperado”, afirma.

Ele explica ainda que o rali do dólar também tem seu peso nessa conta. “Na prática, a alta do dólar deve compensar parte da queda do preço do barril. O rali de alta da moeda está muito forte. Por isso, esse repasse da Petrobras para o consumidor final deve acontecer gradualmente, e dependendo do comportamento do dólar, o impacto líquido dessa redução será pequeno em termos numéricos”.

Além de Bolsonaro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também reforçou que o governo não estuda neste momento nenhuma medida emergencial para conter a derrocada do petróleo. “No momento não há nenhuma medida emergencial que será adotada pelo Executivo. Estamos acompanhando e no momento oportuno serão adotadas as medidas necessárias”, afirmou ele.

Apesar da situação, entre os analistas apenas a equipe do Bradesco BBI já revisou suas projeções para a Petrobras, reduzindo sua recomendação para neutra enquanto aguarda mais detalhes para avaliar os impactos na companhia. O preço-alvo foi cortado de R$ 38 para R$ 23,50.

Segundo os analistas, a desalavancagem da companhia deve levar “muito mais tempo”, com a dívida líquida/EBITDA caindo abaixo de 1,5 vez após 2025. Com isso, eles avaliam que “dividendos mais altos não devem ocorrer tão cedo”.

Já o Morgan Stanley, sem revisar suas projeções, destacou que os campos competitivos do pré-sal devem tornar a Petrobras o player mais bem posicionado dentre os que eles cobrem, enquanto a colombiana Ecopetrol pode ficar entre as mais pressionadas.

InfoMoney

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