Lara Rizério, Rodrigo Tolotti
Expectativa
é de guerra de preços prolongada entre Rússia e Arábia Saudita, que pode levar
petróleo a US$ 20 e afetar fortemente o mercado brasileiro
SÃO
PAULO – Como se não bastasse o coronavírus levar a uma forte aversão ao risco e
fazer as bolsas pelo mundo desabarem, entre o fim da semana passada e o começo
desta, um outro fator de risco vem abalando fortemente as bolsas pelo mundo.
Trata-se
da forte tensão da última reunião da Opep+, que inclui os maiores produtores do
mundo, além da Rússia. O imbróglio teve como protagonistas a Arábia Saudita e o
país governado por Vladimir Putin, levando a uma derrocada do preço do barril
brent de até 31% no último pregão, na maior baixa desde a Guerra do Golfo de
1991.
Na
última sexta-feira (9), os preços do petróleo tipo brent já tinham caído 9,3%,
a US$ 45,40 o barril, após os países da Opep+ não chegarem a um acordo para
realizar cortes adicionais na produção para reduzir a oferta coletiva em mais
de 1,5 milhão de barris por dia de forma a diminuir o impacto do coronavírus
sobre a demanda pela commodity.
O
imbróglio ocorreu por desacordo entre a Arábia Saudita e a Rússia,
interrompendo uma parceria de mais de quatro anos que ajudou a reequilibrar os
preços do petróleo após a commodity atingir mínimas de US$ 28 em janeiro
daquele ano.
Porém, o
pior ainda estaria por vir. A Arábia Saudita iniciou durante o fim de semana um
processo de retaliação ao fracasso do acordo, anunciando uma queda do preço
oficial de venda do barril para abril entre US$ 6 e US$ 8 o barril. Além disso,
ela planeja elevar a sua produção para acima de 10 milhões de barris por dia
(bpd) em abril, depois que expirar o acordo atual para restringir a produção
entre os integrantes da Opep+, o que ocorrerá no fim de março.
Vale
ressaltar que a Rússia não quis ceder a uma iniciativa liderada pelos sauditas
para obrigá-la a se juntar ao cartel nos cortes de produção por um motivo em
especial. A ideia de Moscou era pressionar os produtores de gás de xisto dos
EUA, que elevaram a sua produção enquanto os países que formavam a Opep+
reduziam a sua produção.
Muitas
empresas americanas vem perdendo dinheiro e correm risco de falir, a não ser
que haja um forte aumento dos preços. Mesmo antes da reunião sem acordo na
sexta-feira, bancos já restringiam empréstimos aos perfuradores de gás de
xisto, destacou a Bloomberg.
Por mais
que os russos também fossem prejudicados, os produtores do país são mais
resistente a preços mais baixos. Os russos possuem moeda flutuante – ao
contrário da Arábia Saudita – e podem
sustentar o orçamento com receitas de petróleo menores.
“A
Rússia e o presidente Putin estão em melhor posição para lutar nesta guerra do
que a Arábia Saudita ou seu príncipe herdeiro”, destacou à Bloomberg Chris
Weafer, CEO da Macro Advisory, consultoria com sede em Moscou. Tanto estão, que
Moscou disse ser capaz de suportar os preços baixos por até uma década.
Desta
forma, enquanto o foco da Rússia era a produção americana, quem pode sofrer
mais no curto prazo é a Arábia Saudita. Uma eventual vitória saudita teria um
custo que talvez não possa ser arcado pelo país.
Conforme
destaca o Abu Dhabi Commercial Bank, caso o petróleo Brent permaneça em US$ 35
sem um ajuste nos gastos, a Arábia Saudita teria um déficit de quase 15% do PIB
em 2020. Já as reservas internacionais líquidas poderiam esgotar-se em cerca de
cinco anos, a menos que o país use outras fontes de financiamento. O setor de
energia responde por cerca de 80% das exportações do reino e por 66% da receita
fiscal.
“A
Arábia Saudita acumulou reservas significativas que a permitirão enfrentar um
período prolongado de preços baixos, mas isso pode ter um custo”, disse Tarek
Fadlallah, CEO da unidade de Oriente Médio da Nomura Asset Management, para a
Bloomberg. “O custo é o dinheiro que poderia ser usado para ajudar a
diversificar a economia.”
O que esperar?
Com esse
cenário se desenhando no mercado, analistas de mercado não descartam que o preço
da commodity possa chegar a US$ 20 nas próximas semanas, como apontado
pelo Goldman Sachs e Bank of America.
O evento
do fim de semana mudou completamente as perspectivas para os mercados de
petróleo e gás, disse o Goldman, que reduziu as previsões para o segundo e
terceiro trimestres para US$ 30 o barril, mas não descarta que a commodity
possa cair para a casa dos US$ 20 no curto prazo.
“Acreditamos
que a guerra dos preços do petróleo da Opep e da Rússia começou inequivocamente
neste fim de semana”, apontaram os analistas. “O prognóstico para o mercado de
petróleo é ainda mais sombrio do que em novembro de 2014”, quando houve a
última guerra de preços, já que coincide com o colapso significativo na demanda
por petróleo devido ao coronavírus.
Na mesma
linha, Ali Khedery, ex-conselheiro sênior da Exxon para o Oriente Médio e agora
CEO da empresa americana de estratégia Dragoman Ventures, destacou: “Está
chegando em 2020 o petróleo a US$ 20. As implicações geopolíticas são enormes”,
avaliou em post no Twitter.
O BofA,
que também não descarta que o brent caia na faixa de US$ 20 por algumas
semanas, traça alguns cenários para o mercado de commodities. Eles avaliam que
é importante questionar se essa nova ação saudita está sendo travada contra a
Rússia ou contra o xisto dos EUA.
Os
analistas do banco americano reduziram as previsões do brent de US$ 54 para US$
45 o barril em 2020 e os valores do WTI de US$ 49 para US$ 41. “Não assumimos
mais que a Arábia Saudita tentará equilibrar o mercado de petróleo, e nossas
projeções mostram agora uma grande oferta no mercado de petróleo neste ano”, apontam
os analistas do BofA.
Já para
2021, o banco americano revisou os preços de US$ 60 para US$ 55, sem descartar
um cenário de barril a US$ 50 se a demanda permanecer fraca e a guerra de
preços continuar. “No entanto, mesmo que os riscos negativos estejam crescendo,
a longo prazo ainda acreditamos que o brent é uma commodity de US$ 50 a US$ 70
devido à dinâmica global dos custos de produção de petróleo”, completam.
Para
eles, se os sauditas ofereceram descontos ao mercado com a intenção de trazer a
Rússia de volta à mesa de negociações, os preços poderão se recuperar um pouco
mais rápido.
Contudo,
avaliam, se a guerra de participação de mercado estiver sendo travada contra o
gás de xisto dos EUA, é provável que haja uma queda mais duradoura no preço do
petróleo. Para o BofA, neste cenário, a projeção do barril mudaria de US$ 45
para US$ 40 porque a recuperação no segundo semestre seria menos provável.
“Olhando
para trás, vemos que o fornecimento de xisto nos EUA proporcionou cerca de 10
milhões de barris por dia de crescimento da oferta de petróleo e gás liquefeito
na última década. No entanto, a produção nos EUA é muito sensível ao preço e
provavelmente sofrerá bastante à medida que o petróleo caia”, destaca o BofA.
O
Bradesco BBI, por sua vez, revisou para baixo as suas expectativas para os
preços do brent de US$ 65 para US$ 35 o barril este ano, com a cotação
avançando gradualmente para US$ 55 o barril no longo prazo. Para a equipe de
análise do banco, o movimento surpreendente dos sauditas pode ser uma tentativa
de trazer a Rússia de volta à mesa de negociações. Contudo, eles não avaliam
que essa “queda de braço” será vencida rapidamente. Assim, é difícil saber quanto
esse imbróglio terminará, devendo trazer resultados negativos por um longo
período.
Os impactos no Brasil
Assim
como nos mercados do mundo todo, o primeiro reflexo da derrocada do petróleo
foi na bolsa, com o Ibovespa caindo mais de 12%. O pior desempenho ficou para a
Petrobras, que viu suas ações desabarem 30% em meio às incertezas sobre os
impactos deste novo cenário.
Mais
cedo, a estatal afirmou que está monitorando o petróleo e que ainda é prematuro
projetar os efeitos da queda dos preços do barril em suas operações. Apesar
disso, a petroleira não deu indicações se fará alguma revisão no preço dos
combustíveis por conta da queda do petróleo.
Analistas
lembram que uma das alternativas que o governo tem para ajudar a Petrobras
neste momento é aumentar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
(Cide), um dos impostos que incide sobre os combustíveis.
Porém, o
presidente Jair Bolsonaro já declarou em seu Twitter hoje que “não existe a
possibilidade” de o governo elevar a tributação. Segundo Bolsonaro, a estatal
manterá sua política de preços, que segue a cotação do petróleo, o que, segundo
ele deve resultar em uma redução do preço dos combustíveis nas refinarias.
Segundo Rafael
Schiozer, professor de finanças da FGV EAESP, se a queda do barril de petróleo
perdurar, realmente os combustíveis devem cair, mas isso não será algo imediato
e pode não ser tão forte quanto se imagina.
“Tem
alguns fatores envolvidos: se o preço baixo dos barris perdurar e a Petrobras
mantiver sua política de repassar os preços internacionais, o valor do
combustível na bomba deve cair nas próximas semanas, mas esse processo nunca é
imediato. Ainda, essa queda no preço deve ser revertida em breve, não
totalmente mas boa parte do preço deve ser recuperado”, afirma.
Ele
explica ainda que o rali do dólar também tem seu peso nessa conta. “Na prática,
a alta do dólar deve compensar parte da queda do preço do barril. O rali de
alta da moeda está muito forte. Por isso, esse repasse da Petrobras para o
consumidor final deve acontecer gradualmente, e dependendo do comportamento do
dólar, o impacto líquido dessa redução será pequeno em termos numéricos”.
Além de
Bolsonaro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também reforçou
que o governo não estuda neste momento nenhuma medida emergencial para conter a
derrocada do petróleo. “No momento não há nenhuma medida emergencial que será
adotada pelo Executivo. Estamos acompanhando e no momento oportuno serão
adotadas as medidas necessárias”, afirmou ele.
Apesar
da situação, entre os analistas apenas a equipe do Bradesco BBI já revisou suas
projeções para a Petrobras, reduzindo sua recomendação para neutra enquanto
aguarda mais detalhes para avaliar os impactos na companhia. O preço-alvo foi
cortado de R$ 38 para R$ 23,50.
Segundo
os analistas, a desalavancagem da companhia deve levar “muito mais tempo”, com
a dívida líquida/EBITDA caindo abaixo de 1,5 vez após 2025. Com isso, eles
avaliam que “dividendos mais altos não devem ocorrer tão cedo”.
Já o
Morgan Stanley, sem revisar suas projeções, destacou que os campos competitivos
do pré-sal devem tornar a Petrobras o player mais bem posicionado dentre os que
eles cobrem, enquanto a colombiana Ecopetrol pode ficar entre as mais
pressionadas.
InfoMoney
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