sábado, 7 de março de 2020

Arquidiocese de São Paulo cria comissão para combater pedofilia. Grupo de trabalho começa a atuar na próxima segunda-feira

Redação

A Arquidiocese de São Paulo anunciou oficialmente, na manhã de hoje (5), a criação de uma comissão para proteger crianças e adolescentes e pessoas vulneráveis contra a violência sexual, tipificação que inclui abuso sexual, estupro e também a produção, a distribuição e o consumo de materiais pornográficos. A comissão começa a atuar na próxima segunda-feira (8).

O grupo contará com um coordenador e outros oito membros, entre clérigos, religiosos, leigos, peritos do Direito Canônico, Civil e Penal, psicologia, assistência social e pastoral, todos nomeados pelo arcebispo metropolitano. Os integrantes deverão se reunir a cada duas semanas, para avaliar as denúncias recebidas.

Depois de recebê-las e analisá-las, o próximo passo é encaminhar ao arcebispo um parecer detalhando os fatos relatados pelo denunciante. Além de registrar as denúncias, a comissão arquidiocesana terá como atribuição indicar formas de acolher as vítimas e prestar assistência pastoral, espiritual e psicológica. Esta recomendação também será apresentada ao arcebispo.

Alterações na legislação
A criação da comissão cumpre uma determinação definida pelo Papa Francisco, em um documento chamado Motu Proprio, Vos estis lux mundo. Na carta apostólica, de maio de 2019, constam normas de prevenção e combate à violência sexual infantil cometida por clérigos e membros de Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. A proteção se estende a pessoas vulneráveis, descritas no documento como “toda pessoa em estado de enfermidade, deficiência física ou psíquica, ou de privação da liberdade pessoa que, de fato, mesmo ocasionalmente, limite a sua capacidade de entender ou querer ou, em todo o caso, resistir à ofensa [sexual]”.

Ao promulgar a carta, que tem força de lei, o pontífice estabeleceu que todas as dioceses do mundo e instituições equiparadas a elas componham comissões. O prazo se encerra em junho deste ano, de acordo com a Arquidiocese de São Paulo.

Juntamente com o Motu Proprio, o líder religioso promoveu outras duas medidas. A primeira é a Lei 297 para o Estado da Cidade do Vaticano, que, entre outras coisas, impõe às autoridades católicas a obrigação de registrar denúncia penal, ao serem comunicados de casos de violência sexual. A segunda foi reúne critérios que devem servir de parâmetro para a escolha de agentes pastorais, também orientando sobre comportamentos considerados apropriados para a relação que mantêm com crianças, adolescentes e pessoas vulneráveis, além de estipular os procedimentos a serem aplicados contra abusadores.

Responsabilidade das instituições
Segundo o arcebispo metropolitano de São Paulo, cardeal Odilo Pedro Scherer, a medida do Papa Francisco visa combater esse tipo de crime “não só no clero, mas na Igreja, entre os fiéis”. Em coletiva de imprensa, ele declarou que o papel da comissão não é de ser “um tribunal”, e sim próximo ao de “uma ouvidoria”. A avaliação feita por ele é de que, frequentemente, o “único” indício de que um crime foi realmente cometido é a palavra da vítima, o que vê como obstáculo para as apurações.

“Eu creio que é um avanço, um esforço interior para a superação de um problema que está aí. Que está aí e, atualmente, requer um enorme esforço também de mudança de cultura, de postura, e que, atualmente, não atinge somente o clero. Evidentemente que um grande número de abusos sexuais não acontece no âmbito dos clérigos. Nós, aqui, tentamos assumir as nossas responsabilidades”, afirmou.

“Nem sempre é fácil, isso é um fato, nem sempre são comprováveis, verificáveis. São, muitas vezes, questões que acontecem entre quatro paredes, duas pessoas apenas e que dificilmente são verificáveis. E, portanto, há uma dificuldade maior, às vezes, de se chegar a comprovação, à verificação. Porém, existe todo um esforço, a tentativa, sim, de se chegar aos fatos”, acrescentou, pontuando que a providência tomada pelo papa Francisco reflete uma diligência da Igreja Católica que antecede o papado do argentino.

O arcebispo ponderou, ainda, que “a aplicação local depende sempre, localmente, de como essa legislação da Igreja consegue ser aplicada” e assegurou que todos os casos que têm chegado ao seu conhecimento são averiguados. “Nem sempre se consegue facilmente se aplicar aquilo que é a legislação geral, por muitos motivos. Mas eu falo agora por nós aqui. Não falo por outros, eu falo por nós,a Arquidiocese de São Paulo: toda denúncia que tem chegado, procuramos ir atrás [para apurar o que ocorreu]. Toda denúncia que tem chegado que, de alguma forma foi formalizada”, disse.

“O que entendo por formalizada? A pessoa assume uma denúncia. Denúncia anônima não tem como ir atrás. Ou denúncia ‘Eu ouvi dizer que’. Que me digam, então, os nomes. ‘Ah, eu não posso dizer nome de ninguém’. Então, não tem mais como ir adiante. Então, denúncias assumidas, a gente vai atrás”.

Scherer admitiu, contudo, que a Arquidiocese de São Paulo já afastou clérigos de suas funções após serem denunciados por pedofilia. Porém, mesmo diante de reiterado questionamento dos jornalistas sobre quantos casos foram, não respondeu com o número exato.

“Casos como eu disse, houve, sim, na Arquidiocese de São Paulo. Não estou agora me recordando do número exato, foram diversos casos”, resumiu. “Eles tiveram seu encaminhamento, sua verificação, investigação. Alguns casos foram, sim, parar na Justiça comum, porque as pessoas têm a liberdade de fazer a denúncia, sempre tiveram, e foram orientadas a fazer a denúncia, assim como agora também orientadas a fazer a denúncia por sua conta, na Justiça comum, às autoridades policiais.”

Perguntado pela reportagem sobre como avalia o grau de rigor adotado pela Igreja Católica diante das denúncias já recebidas, o cardeal afirmou que pode falar em nome da Arquidiocese de São Paulo. “Para falar de rigor, de forma geral, tenho que falar dos documentos, de forma geral. Os documentos, de forma geral, são documentos da Igreja, do papa. São muito rigorosos. Portanto, a Igreja trata isso com extremo rigor, com muita seriedade”, disse.

Como registrar uma denúncia
As denúncias poderão ser feitas presencialmente, pelo e-mail e por carta registrada, que deverá ser enviada para o endereço da arquidiocese (Rua Xavier de Almeida, 818 – Ipiranga. São Paulo/SP – CEP 04211-001). Tanto as vítimas como alguém que saiba do caso poderão dar parte, desde que sejam maiores de idade. Se a vitima tiver menos de 18 anos ou for vulnerável, deve estar acompanhada de um dos pais ou por tutor legal. Na denúncia, deve-se informar o nome da vítima e do autor do crime, a data e o local da ocorrência. Se possível, os dados devem ser complementados por materiais comprobatórios, como fotos, gravações, nomes e contatos de testemunhas. (ABr)


Diário do Poder

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