Evandro
Carvalho
Os últimos meses de 2019 foram importantes para eliminar a atmosfera
de dúvida que pairava sobre o futuro da relação do Brasil com a China. Esta
dúvida tinha dois fatos geradores: a retórica anticomunista assumida pelo então
candidato Bolsonaro durante a sua campanha presidencial no final de 2018 e, já
no exercício da presidência, o alinhamento da política externa brasileira aos
Estados Unidos. Apesar destes fatos, a diplomacia chinesa manteve-se serena,
paciente e buscou o caminho do diálogo. Além disto, mostrou respeito à
soberania brasileira. O episódio dos incêndios florestais na Amazônia é digno
de nota. Enquanto o presidente francês Emmanuel Macron declarava que a Amazônia
é “nosso bem comum” e pedia ao G7 a “mobilização de todas as potências” contra
o desmatamento, provocando intranquilidade no governo brasileiro, a resposta do
governo chinês por meio do diplomata encarregado dos assuntos políticos da
Embaixada da China em Brasília, Qu Yuhui, foi mais prudente e respeitosa. Para
ele, parte da crise internacional gerada pelo fogo na Amazônia teria sido
“fabricada” e o Brasil, acrescentou, tem um dos melhores padrões de preservação
ambiental do mundo. Bolsonaro deve ter tirado boas lições sobre as diferenças
entre a diplomacia ocidental e a chinesa a partir deste fato.
A ida do vice-presidente Hamilton Mourão à China para participar da
reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação
(COSBAN), em maio de 2019, acenou na direção do pragmatismo da política externa
brasileira na relação com a China. O Brasil manteria o diálogo e as parcerias
comerciais e econômicas com os chineses mesmo com a inflexão do Itamaraty para
o lado dos Estados Unidos. Um equilíbrio diplomático difícil, mas possível. É
para isto que existem os (bons) diplomatas.
Em outubro de 2019 Bolsonaro visitou a China. Um momento pacientemente
aguardado pelos chineses. Ao chegar lá, afirmou: “Estou num país capitalista”.
Tal declaração foi dirigida aos seus eleitores a fim de dissipar a contradição
entre o seu discurso de campanha e a sua presença no maior país comunista do
mundo. Havia motivos para isso. Em janeiro de 2019, deputados do seu partido à
época (o PSL) tinham feito uma visita à China. Um dos integrantes da comitiva
ficou positivamente impressionado com o que viu e chegou a declarar que a
“China é um socialismo mais light”. Declarações como esta foram duramente
criticadas pelo ideólogo do governo, Olavo de Carvalho – um defensor do
alinhamento com os Estados Unidos. Bolsonaro quis evitar reação similar por
parte de seus apoiadores.
Mas às vésperas da XI Cúpula do BRICS, em Brasília, Bolsonaro parecia
mais à vontade e, também, seguro da importância da relação com a China.
Ao encontrar-se com o presidente Xi Jinping, Bolsonaro surpreendeu ao
dizer que “a China cada vez mais faz parte do futuro do Brasil”. O presidente
chinês, por sua vez, havia anunciado que colocaria à disposição do governo
brasileiro mais de US$100 bilhões de fundos estatais chineses para uma nova
rodada de investimentos no Brasil. A maior parte destes recursos deverão
financiar projetos de infraestrutura.
Entre a visita do Bolsonaro à China e a do Xi Jinping ao Brasil, outro
fato realçou a confiança dos chineses no Brasil: o leilão dos excedentes da
cessão onerosa do pré-sal na área de Búzios (RJ) foi arrematado por um
consórcio formado pela Petrobras (com participação de 90%) e as estatais
chinesas China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) e a CNODC, subsidiária
da China National Petroleum Corporation (CNPC) que é a principal petroleira da
China, com 5% cada uma.
A atitude do governo chinês na relação com o governo Bolsonaro
baseia-se não na promessa de um futuro que nunca chega, mas na construção de
uma parceria concreta onde os resultados positivos são percebidos desde agora.
É por este motivo que há um otimismo inequívoco entre os empresários dos dois
países – mesmo diante do delicado contexto latino-americano.
O pragmatismo e o bom senso na política externa brasileira prevaleceram.
O ano de 2020 poderá, portanto, ser ainda melhor para a relação
sino-brasileira. Mas pode-se ir além. Afinal, uma política externa pragmática é
um recurso que se coloca quando “temos que” estabelecer relações com um país
com o qual temos diferenças ideológicas relativamente substantivas. É diferente
do “querer se relacionar” que se baseia na construção de laços de afinidade
mais duradouros. Dado que a China é o maior parceiro comercial do Brasil e seu
maior investidor, é fato que o nosso país definitivamente tem que se relacionar
com a China. Mas faríamos melhor – e teríamos ganhos ainda maiores não só no
campo econômico mas, também, no cultural – se a relação com a China fosse
construída tendo como base um querer.
China
hoje
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