segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Sobre os Totalitarismos

Isaac Averbuch

O recente episódio envolvendo o ex-Secretário de Cultura levou muita gente, especialmente na esquerda, a um repentino e surpreendente frenesi democrático que permite vislumbrar muito de ignorância e, em vários casos, má fé nos posicionamentos. Pessoas aparentemente tomadas de fervor humanista apressaram-se a reiterar sua condenação ao nazismo (o que não é nada demais, porque quase todo mundo condena, mesmo), mas essas mesmas pessoas, em muitos casos apoiam outros regimes totalitários, sem que isso lhes perturbe a consciência.

É preciso esclarecer alguns pontos:

1) o nazismo foi um regime totalitário, da mesma forma que o fascismo e o comunismo (em suas diversas manifestações, inclusive rebatizado de socialismo);

2) mas o que diferencia o nazismo dos demais (inclusive do fascismo)? basicamente, o componente racista, algo particularmente odioso. A crença numa raça superior e numa cultura superior, que deveria exterminar as demais, para o progresso da humanidade, sob a liderança germânica. Para Hitler não bastava subjugar e escravizar outros povos (como fizeram seus aliados japoneses), era necessário eliminá-los, para evitar futuras possíveis "contaminações". Assim, pretendia exterminar não apenas judeus (ao contrário do que muitos pensam), mas também eslavos, além de ciganos, Testemunhas de Jeová, homossexuais, esquerdistas ou livres-pensadores e religiosos em geral. Curiosamente, Hitler mantinha relações de amizade com destacados líderes muçulmanos, sendo os árabes de origem semita como os judeus, e aliou-se aos japoneses, que muitos europeus consideravam uma "raça inferior" (pouco desenvolvidos fisicamente e de cultura estranha e atrasada). Não sei se Hitler tinha planos para os negros. Felizmente não houve tempo de descobrir.

3) Embora o nazismo buscasse a "raça pura", a eugenia não foi criação dos nazistas. Já foi considerada ciência em muitas partes do mundo.

4) Há inúmeras semelhanças entre nazismo, fascismo e comunismo: forte interferência do estado na Economia, supressão das liberdades individuais, partido único, ausência de Poderes independentes, militarismo - o que se conjuga com nacionalismo extremo, ausência de imprensa livre, política cultural dirigida pelo Estado, grupos paramilitares, sindicatos controlados pelo Estado, polícia política poderosa, anticlericalismo (ou ateísmo), propaganda massiva do regime, moralismo exacerbado na área dos costumes, culto à personalidade do líder.... tudo isso existe ou existiu na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, mas também em Cuba, na China, na União Soviética, na Coreia do Norte, na Albânia, no Cambodja e caminha na mesma direção na Venezuela. Só que nada disso incomoda os esquerdistas, que até hoje defendem esses regimes e tentam implantá-lo no nosso país. Quando alguém acusa outro de "utilizar métodos fascistas" poderia, sem erro, falar em "utilizar métodos comunistas", porque ambos os regimes atuavam de modo muito semelhante, lembrando que o mais provável é que os fascistas tenham copiado os comunistas, já que esses surgiram antes.

5) Todos os regimes citados acima mataram centenas de milhares ou milhões. Todos tiveram campos de concentração ou de reeducação forçada (não há muita diferença). Todos se envolveram em guerras (próprias ou por procuração, como Cuba). O que os distingue? Primeiramente, o regime nazista tinha uma disciplina que vinha da cultura alemã e promoveu uma estrutura industrial de matar gente, algo nunca visto ou repetido (felizmente) na história da humanidade. Os demais, embora tenham perpetrado massacres terríveis, nunca chegaram a tal requinte: as mortes eram produzidas, digamos assim, em bateladas...

6) Outra diferença: Hitler perpetrou grande parte do seu morticínio contra cidadãos estrangeiros (judeus que não eram nascidos ou não viviam na Alemanha) e em tempo de guerra. Os demais se voltaram para seus próprios cidadãos e em tempos, tecnicamente, de paz, ou seja, não no bojo de uma guerra civil. Assim foram a Revolução Cultural na China, os Gulags de Stalin, o confinamento de gays numa ilha por Fidel Castro, os campos de reeducação do regime de Pol Pot e os campos de trabalho escravo que ainda existem na Coreia do Norte.

7) mais uma diferença é a tentativa de exportação da ideologia. Os comunistas se envolveram diretamente em guerras e revoluções para implantar ou defender regimes ideologicamente semelhantes em diversos locais do mundo. É uma ideologia internacionalista (ou como se fala atualmente, globalista). A única participação nazista foi na Guerra Civil Espanhola, mas poucos frutos Hitler colheu, já que a Espanha não se envolveu na Segunda Guerra Mundial.

Mas porque o nazismo e o fascismo são tão (merecidamente) execrados e o comunismo não passa pela mesma condenação? entendo que há quatro razões:

- primeiramente, porque o comunismo nunca passou por um julgamento como o de Nuremberg, onde os crimes nazistas foram expostos detalhadamente, ainda sobre as cinzas de uma guerra mundial. Além disso, Stalin foi muito importante para a vitória contra Hitler e até então seus crimes não eram conhecidos e o comunismo se restringia à URSS, um país do qual pouco se sabia e cujo povo nunca conheceu a liberdade.

- Em segundo lugar porque o comunismo se apresenta com várias faces, o que permite aos seus defensores escapar com um "ah, no país X houve erros, mas aquilo não é o verdadeiro comunismo - ou socialismo", e prometer que na próxima experiência será diferente (já houve cerca de 70, todas fracassadas).

- Em terceiro, os nazistas enfrentaram uma guerra direta com os EUA, o que gerou uma infinidade de livros e filmes de Hollywood sobre os horrores nazistas, algo que nunca ocorreu entre americanos e comunistas, à exceção do Vietnam, país inexpressivo que não incorporava o arquétipo ideológico do comunismo e de onde os americanos saíram desmoralizados.

- Por fim, há um incansável esforço de escritores e artistas comunistas em reescrever a história, apresentando como herois criminosos sanguinários, como Che Guevara, e criando mitos como o de que Cuba antes de Fidel não passava de um prostíbulo para os americanos...quem, ingenuamente, acha que a ideia de que uma mentira deve ser repetida até se tornar verdade é uma exclusividade dos nazistas é porque ainda não observou como agem os comunistas.

Para resumir: o regime nazista foi o mais letal da história da humanidade, na medida em que causou diretamente milhões de mortes e provocou outros milhões em consequência da guerra que provocou. Outros regimes de inspiração totalitária, mas no lado esquerdista, ao longo da história também mataram milhões e somados superam as cifras do nazi-fascismo e seus assemelhados, com o agravante de serem mais duradouros - o Terceiro Reich durou 12 anos, o regime soviético durou mais de 70, o chinês, o cubano e o norte-coreano ainda estão aí...

Que fique claro, então: um verdadeiro democrata, alguém humanista, que se preocupa com as liberdades individuais, rejeita tanto o nazi-fascismo quanto o comunismo (em suas várias apresentações). Quem condena o totalitarismo de direita e ao ser questionado sobre os de esquerda começa a resposta com "mas, veja bem..." pode ser tudo, menos um verdadeiro democrata. Em tempo: há cerca de quatro meses o Parlamento Europeu considerou nazismo e comunismo formas equivalentes de totalitarismo.

Facebook

Nenhum comentário: