Redação
Conscientes das consequências de matar o general iraniano
Qassim Suleimani, os presidentes americanos George W. Bush e Barack Obama
preferiram não agir durante seus mandatos. Sobrou ao imprevisível Donald Trump
a decisão de cutucar a onça persa com vara curta, uma medida arriscada que pode
alterar a balança de poderes no Oriente Médio, potencialmente levando à
escalada do conflito entre os Estados Unidos e o Irã.
Forças americanas mataram Suleimani, 62 anos, na
madrugada desta sexta-feira (3). Segundo relatos, um drone disparou contra o
iraniano no aeroporto de Bagdá. A ação é controversa não apenas porque pode
motivar um revide iraniano. Os EUA dispararam, afinal, contra o general de um
país com o qual não estão formalmente em guerra. Ademais, Suleimani morreu em
território iraquiano, complicando todo o imbróglio jurídico.
Mas, do ponto de vista militar americano, não faltavam
razões. Número dois do Irã, Suleimani desafiava os Estados Unidos há duas
décadas e o seu legado sombrio inclui morte e destruição por todo o Oriente
Médio. De acordo com a conta feita pelos Estados Unidos, Suleimani é
responsável pela morte de 700 militares americanos em todo o mundo.
Suleimani chefiava desde 1998 a força Quds, a elite da
Guarda Revolucionária do Irã. A força Quds, nome árabe para Jerusalém, é uma
versão turbinada da CIA americana, atuando no exterior para promover os
interesses iranianos. Assim, o general era o responsável por quase todas as
operações iranianas, incluindo aquelas que vitimaram civis.
Sem Suleimani, por exemplo, o ditador sírio Bashar
al-Assad dificilmente teria sobrevivido à guerra civil que assola seu país
desde 2011. Foi o general iraniano que supervisionou a intervenção iraniana em
Damasco, protegendo Assad, e desmoronando cidades como Aleppo. Regiões tomadas
por rebeldes em todo o país foram sitiadas e esfomeadas nos últimos anos como
resultado da sombra de Suleimani.
Sob os estandartes das forças Quds, o Irã também atuou no
Líbano, fortalecendo a milícia xiita Hizbullah, considerada terrorista pelos
EUA. O general iraniano é acusado, ainda, de ter armado e treinado milícias no
Iraque para enfrentar as tropas americanas desde a invasão de 2003. Com isso,
ele causou a morte de centenas de soldados.
Em seu conjunto, as intervenções de Suleimani seguiam a
mesma linha condutora: consolidar a influência iraniana no Oriente Médio.
Síria, Líbano e Iraque formam um território contínuo em que o Irã pode mover
tropas e armamentos — daí a ansiedade de Teerã, por exemplo, em salvar Assad. O
Irã de Suleimani apoiou, ainda, forças hostis aos Estados Unidos em outros
países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita e o Bahrein.
Dado o assombroso histórico de Suleimani, a pergunta não
é exatamente por que a administração de Trump decidiu atacá-lo neste início de
2020, e sim por que outros presidentes americanos decidiram esperar tanto.
Uma das explicações é a necessidade de enviar uma
mensagem ao regime iraniano. Trump decidiu não agir em outras ocasiões, quando
o Irã parecia estar provocando uma reação americana. Com isso, Teerã passou a
considerá-lo como alguém averso ao confronto, uma carta branca para o Irã
expandir ainda mais as suas operações no Oriente Médio.
Com essa ilusão de impunidade, o Irã vinha escalando suas
ações no Iraque. Segundo o governo dos Estados Unidos, Suleimani orquestrou
ataques de milícias contra bases da coalizão americana nos últimos meses. Entre
elas, a ação que matou um funcionário terceirizado do Exército americano no
último dia 27 em uma base no nordeste iraquiano. Suleimani aprovou, segundo os
Estados Unidos, o ataque à embaixada americana em Bagdá no dia 31.
A decisão de Trump pode ter sido súbita, mas não foi
irracional. A medida pode ser criticada também no quesito moral, uma vez que
para muitos iranianos Suleimani era o herói, e os EUA, os vilões. Mas raramente
a política externa de um país segue, afinal, esse tipo de consideração.
O que vai importar, nos próximos dias, é se o cálculo foi
equivocado no aspecto estratégico, se motivou, por exemplo, ataques iranianos
contra alvos americanos ou se levou a um confronto entre os Estados Unidos e o
Irã. Justamente o resultado que Bush e Obama queriam evitar. (Com informações
da Folha de São Paulo)
O Sul
Nenhum comentário:
Postar um comentário