J.R. Guzzo
É
possível que nunca se saiba ao certo o que realmente aconteceu na defunta
história das gravações de conversas entre o ministro Sérgio Moro e o procurador
federal Deltan Dallagnol, furtadas no ano passado por uma gangue de criminosos
digitais de segunda divisão. Durante alguns dias, pelo que será lido no futuro
nos arquivos da mídia, o caso foi descrito como uma bomba de hidrogênio capaz
de mudar os destinos da República. Hoje, com a apresentação da denúncia penal
contra os marginais e o jornalista que divulgou o fruto do seu golpe, parece
ter sobrado uma coleção de impressões pequenas. Numa interpretação mais
ambiciosa, “as fitas do Moro” foram mais uma pobre Batalha de Itararé – a
batalha famosa porque “não houve”, como tantas outras na notável tradição brasileira
de multiplicar zero por zero. Numa visão mais realista, não se chegou nem a
isso. Foi apenas uma história que nasceu em estado de coma, teve morte cerebral
em 24 horas e desde então vive por aparelhos.
Com
Sérgio Moro, que pelo roteiro escrito na ocasião, seria destruído e levaria
para a cova, junto com ele, toda a Operação Lava Jato, não aconteceu
absolutamente nada, porque nada se apurou de real contra ele – seu nome, na
verdade, mal apareceu no noticiário neste fecho de novela, quando se apresentou
a denúncia. Quem apareceu segurando o caixão, no fim das contas, foram os
delinquentes que furtaram suas comunicações, e o jornalista que fez uso delas.
É pouco para tanto barulho. Sobra, num gesto final de resistência para dar
algum verniz de seriedade ao episódio, uma tentativa de escrever o último
capítulo da história como um combate em favor da liberdade de expressão. A
dificuldade prática para se montar essa causa será encontrar, ao longo de toda
a “narrativa”, algum momento em que a liberdade de imprensa tenha sido
desrespeitada.
Não
houve, desde que apareceu a primeira fita, nenhum gesto dos poderes Executivo,
Legislativo ou Judiciário para impedir ou dificultar a publicação de coisa
nenhuma. Não se tentou qualquer tipo de censura. Não houve ameaças a ninguém. O
jornalista que originou as publicações chegou a receber uma espécie de
salvo-conduto do STF, no qual se proibia que a polícia investigasse qualquer
dos seus atos. A um certo momento, inclusive, formou-se uma espécie de
consórcio entre órgãos de comunicação para dar mais impacto ao que ia sendo
divulgado. A única coisa que houve foi um inquérito policial para apurar os
crimes cometidos pela gangue. Não se trata de uma opção – é o que a lei manda
que se faça. Se o jornalista envolvido na história foi denunciado, é porque o
Ministério Público acha que ele participou dos delitos – e não porque publicou
as fitas. Um juiz decidirá se aceita ou não a denúncia, e a partir daí a
justiça segue seu curso. A liberdade de imprensa não tem nada a ver com isso.
(Publicado
no Estadão, em 22 de janeiro de 2020)
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