Eurico Borba
Não
poderia deixar começar 2020 sem externar, uma vez mais, minha preocupação com a
crise global, que afeta a todos nós. É preciso enfrentar, com coragem e
honestidade intelectual, a questão do papel e funções do Estado na promoção do
bem comum.
O
sistema liberal capitalista, orientado pelas sinalizações do livre mercado,
movido pelo pensamento individualista, age para atender a demanda de bens e
serviços e assim organiza o funcionamento da maioria das sociedades. No
entanto, o referido sistema, responsável pelas maravilhosas conquistas da
humanidade é também o responsável pela persistente miséria e opressão politica
que se espalha por todo o planeta.
O
comunismo dirigista, inibidor da liberdade, proprietário do sistema produtivo e
distributivo, não funcionou no atendimento das aspirações humanas e é uma
experiência politica ultrapassada, após décadas de ações extremamente
ditatoriais, sacrificando os direitos humanos.
A
socialdemocracia avançou bastante nos países nórdicos, na promoção do bem
comum, mas esgotou suas possibilidades de revolucionar, pelo voto livre dos
parlamentos – “o supremo poder” – as formas de operar as sociedades, face o
empobrecimento cultural e o descaso das novas gerações para com as
responsabilidades solidarias que o necessário viver coletivo impõe.
A
Doutrina Social da Igreja Católica – “perita em humanidade” – um repositório de
preciosas reflexões sobre a sociedade e a organização do necessário viver
coletivo, é desconhecida pela quase totalidade dos cristãos, uma omissão
perante o quadro de crescentes injustiças sociais, que se manifestam em todo o
mundo. A Civilização Ocidental, hoje paradigma para todo o planeta, construiu
suas estruturas sociais, politicas, econômicas e jurídicas sobre o pensamento
greco-judaico-cristão, e tal legado está se perdendo nas sociedades
culturalmente fragilizadas pela crise global que a todos afeta.
A questão central da politica continua em aberto desde o sec. XIX: – Qual o papel do Estado no atendimento das necessidades básicas dos povos? Quais os limites de sua ingerência na organização das sociedades de tal forma que garanta a justiça social e os direitos inalienáveis dos cidadãos? Certamente a democracia deverá ser preservada, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de eleição de legítimos e competentes representantes dos povos. Igualmente, caberá ao Estado a garantia de um meio ambiente sadio de tal forma que se possa afastar, com urgência, as ameaças de desastres com inimagináveis consequências, como os que já estão sendo provocados pelo aquecimento da atmosfera. Também é inegável responsabilidade do Estado criar as condições necessárias para a geração de empregos para todos e providenciar, por meio de politicas publicas adequadas, a diminuição dos desníveis de renda, que humilham milhões de pessoas destruindo suas expectativas e sonhos de vida. Não deve pairar duvida de que é papel do Estado garantir sistemas de educação de qualidade para todos, como a única forma de ser ter efetiva igualdade de condições de trabalho na vida coletiva, fortalecendo a virtude da solidariedade como principal fundamento da inescapável vida em comum nas sociedades democráticas.
Os donos
do poder, a classe dominante, que cada vez mais se fortalece com o uso dos
mecanismos de ação que lhe são característicos, como o uso intensivo da mídia e
agora com o uso da moderna tecnologia da IA, (inteligência artificial), mantem
as atuais estruturas de dominação politica, com a argumentação que operam o
mais eficiente e o mais justo sistema de funcionamento das sociedades – o
liberal capitalismo. Apontam os que pretendem alertar para os erros que estão
sendo cometidos como comunistas ou anarquistas retrógados, perturbadores da
ordem. Por sua vez a chamada “esquerda”, depois da queda da União Soviética
(1989), continua sem saber o que fazer e prossegue na divulgação de soluções
pouco eficientes e totalmente impossíveis de serem implantadas por uma
população anestesiada e não preparada para o desenvolvimento de um pensamento
critico apropriado ao renascimento do Humanismo Integral – o entendimento da
prevalência da dignidade das pessoas no processo histórico.
O risco,
se tudo permanecer como está, fato que poucos percebem, é a eclosão de um
enorme e irreprimível confronto físico entre os que cada vez possuem menos,
inclusive a possibilidade de empregos e de sonhos, e os poucos que cada vez
possuem mais da riqueza gerada e do poder politico. As lideranças politicas
atuais precisam apresentar alternativas para a situação de miséria e injustiça
crescentes, com a construção de uma nova ordem social e politica que garanta a
liberdade, a justiça social, a paz e a solidariedade, em todo o planeta. Com o
objetivo de assegurar a sobrevivência da espécie humana essas questões
precisarão ser, no curto prazo, debatidas, acordadas e implementadas por todos
os países do planeta – é uma imposição dos fatos que estão aí na nossa frente.
Não é tarefa fácil de ser realizada, mas é uma necessidade evidente, se
quisermos, simplesmente, continuar a existir.
Eurico de Andrade Neves Borba, 79,
aposentado, ex professor da PUC RIO, ex Presidente do IBGE, mora em Ana Rech,
Caxias do Sul, RS.
Diário do Poder
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