Marcelo Cantelmi
As razões pelas quais o Legislativo
venezuelano volta a ser essencial para o regime chavista e o papel da Rússia
nesse contexto.
Era
inevitável que a recente tentativa de controle do Parlamento em Caracas acabasse
colocando a tragédia venezuelana novamente nas manchetes mundiais. No entanto,
o mais importante é entender as razões pelas quais o Legislativo volta a ser
essencial para o regime chavista, e o papel da Rússia nesse contexto.
Juan
Guaidó, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, e reconhecido como
presidente interino da nação por cinquenta países, foi impedido de ser reeleito
ao seu cargo no Congresso neste mês. No domingo (5) um fantoche do regime, que
atua como dissidente, Luis Parra, foi colocado em seu lugar. Guaidó tomou
posse mais tarde na sede do jornal El Nacional e na segunda (6) conseguiu
entrar no Parlamento.
Esses
foram gestos de forte valor simbólico, mas que não conseguirão impedir que o
governo antecipe as eleições legislativas e estabeleça uma liderança vertical
sob o comando de Nicolás Maduro.
A partir
de dezembro de 2015, quando o chavismo perdeu o controle do Congresso, o
governo lançou uma campanha contra a oposição legislativa. Tentou acabar com o
Parlamento, ignorou o corpo legislativo, retirou a verba destinada a ele, e até
tentou, sem êxito, que a Corte Suprema de Justiça "legislasse", além
de usar a Assembleia Constituinte, dominada pelo partido no poder, como uma
rival do Congresso.
Mas agora esse comportamento mudou
Maduro
foi convencido, principalmente pelos aliados russos, a deixar de lado essas
manobras ‘bananeiras’ e entendeu que seria melhor voltar ao Congresso e à
legalidade institucional que esse corpo representa. A Assembleia Nacional é a
única instituição daVenezuela que a comunidade internacional considera
legítima, assim como suas decisões.
Para
Moscou, o principal foco na Venezuela são os negócios de petróleo, gás e
mineração, que pretende usar para mudar e melhorar o formato do regime. Mas
considera que, para isso, essas mudanças precisam ser votadas e aprovadas pelo
Congresso. Por essa razão, essa batalha não se resume a uma disputa política, e
sim a um duelo mais complexo de interesses e perspectivas que vão além das
fronteiras venezuelanas. O apoio dos EUA a Guaidó, renovado em meio ao atual
conflito, tem a ver com bloquear a expansão da agenda comercial russa.
Em
setembro do ano passado, Maduro foi a Moscou. O objetivo da viagem não era
conseguir ajuda imediata para conter o agravamento da crise econômica e social,
como foi informado, ou renegociar a dívida de quase 3,5 bilhões de dólares do
país com a Rússia. Na reunião foram tratadas a questão do petróleo e "os
erros" cometidos com as nacionalizações realizadas pelo líder bolivariano
Hugo Chávez em 2009.
O
vice-ministro das Finanças da Rússia, Sergey Storchak, chama esses “erros” de
"distorções administrativas". Entre suas funções, Storchak está a
cargo de uma equipe de 12 especialistas russos dedicados à Venezuela, com um
programa econômico e político que pretendem aplicar neste ano se conseguirem o
controle legislativo. Segundo eles, o modelo que estudam preservará o regime e
ressuscitará a economia através de um forte viés de abertura que o líder
bolivariano certamente explicará, quando chegar o momento, como um grande salto
revolucionário.
No
último dia de dezembro, em declarações à agência Bloomberg, Storchak reiterou
que sua equipe já listou uma "série de sugestões para erradicar as
distorções que ocorreram durante a nacionalização" do petróleo. O comentário
implica, simplesmente, revisar o que acabou sendo a raiz do colapso da
indústria petrolífera venezuelana, o principal produto da cesta de exportações
do país.
Com o
petróleo em mãos do Estado, a produção da Venezuela despencou de três milhões
de barris por dia para cerca de 700.000 atualmente. A péssima gestão se
refletiu no corte de investimentos em refinarias e campos de petróleo e até na
necessidade de importar gasolina. Mas essa distorção não foi consequência das
sanções impostas pelos EUA, como o regime venezuelano argumenta, mas sim das
falhas da estatal PDVSA e do próprio estado chavista. Esse é o diagnóstico do
presidente russo Vladimir Putin, revelado em um discurso em São Petersburgo em
junho do ano passado.
A
incapacidade de Maduro de resolver esse desafio ficou patente em sua proposta
de que a Venezuela abandonasse a dependência do petróleo e tentasse ganhar
dinheiro com o turismo ou alguma outra alternativa vaga.
Storchak
discorda desse plano. "O foco principal é o petróleo", afirmou. E
acrescentou um ponto-chave no qual poucos prestaram atenção: "Se Gauidó
não renovar seu mandato, a Rússia intensificará os esforços para ajudar Caracas
a enfrentar a crise econômica".
A
condição russa de derrocar o líder da oposição apoiado pelos EUA aponta à
necessidade de formalizar, por meio de um novo Parlamento, o que vem
acontecendo no dia a dia e sem uma estrutura legal. Devido à anarquia no
governo e ao colapso do negócio de combustíveis, a operação de petróleo tem sido
transferida para as multinacionais que ainda permanecem na Venezuela, incluindo
as russas Rosneft e Gazprom. Esse modelo de privatização exige
um pacote de leis que lhe dê legitimidade, algo que a oposição que dominava o
Congresso não estava disposta a endossar, principalmente se do outro lado está
Moscou.
A mão
imperial russa nessa região pode ser vista em outros comentários surpreendentes
do vice-ministro Storchak. "A Venezuela tem um sistema antigo que
redistribui os bens de maneira equitativa", afirmou em tom crítico e
cortante. "Isso tem sido considerado um elemento de justiça social, mas
certamente só aprofundou a estratificação social no país", acrescentou,
desdenhando, com poucas palavras, da narrativa principal que há vinte e cinco
anos vem sendo usada para justificar o magro experimento chavista.
El Clarín
Nenhum comentário:
Postar um comentário