José Padilha
Vinte e sete enunciados sobre a oportunidade de desmontar o mecanismo de exploração da sociedade brasileira
01) Na
base do sistema político brasileiro, opera um mecanismo de exploração da
sociedade por quadrilhas formadas por fornecedores do Estado e grandes partidos
políticos. (Em meu último artigo, intitulado Desobediência Civil, descrevi como
este mecanismo exploratório opera. Adiante, me refiro a ele apenas como “o
mecanismo”.)
02) O
mecanismo opera em todas as esferas do setor público: no Legislativo, no
Executivo, no governo federal, nos estados e nos municípios.
03) No
Executivo, ele opera via superfaturamento de obras e de serviços prestados ao
estado e às empresas estatais.
04) No
Legislativo, ele opera via a formulação de legislações que dão vantagens
indevidas a grupos empresariais dispostos a pagar por elas.
05) O
mecanismo existe à revelia da ideologia.
06) O
mecanismo viabilizou a eleição de todos os governos brasileiros desde a
retomada das eleições diretas, sejam eles de esquerda ou de direita.
07) Foi
o mecanismo quem manipulou as massas para eleger: o PMDB, o DEM, o PSDB e o PT.
Foi o mecanismo quem elegeu José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar
Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e
Michel Temer.
08) No
sistema político brasileiro, a ideologia está limitada pelo mecanismo: ela pode
balizar políticas públicas, mas somente quando estas políticas não interferem
com o funcionamento do mecanismo.
09) O
mecanismo opera uma seleção: políticos que não aderem a ele têm poucos recursos
para fazer campanhas eleitorais e raramente são eleitos ou re-eleitos.
10) A
seleção operada pelo mecanismo é ética e moral: políticos que têm valores
incompatíveis com a corrupção tendem a ser eliminados do sistema político
brasileiro pelo mecanismo.
11) O
mecanismo impõe uma barreira para a entrada de pessoas inteligentes e honestas
na política nacional, posto que as pessoas inteligentes entendem como ele
funciona e as pessoas honestas não o aceitam.
12) A
grande maioria dos políticos brasileiros tem baixos padrões morais e éticos.
(Não se sabe se isto decorre do mecanismo, ou se o mecanismo decorre disto.
Sabe-se, todavia, que na vigência do mecanismo este sempre será o caso.)
13) A administração
pública brasileira se constitui a partir de acordos relativos a repartição dos
recursos desviados pelo mecanismo.
14) Um
político que chega ao poder pode fazer mudanças administrativas no país, mas
somente quando estas mudanças não colocam em xeque o funcionamento do
mecanismo.
15) Um
político honesto que porventura chegue ao poder e tente fazer mudanças
administrativas e legais que vão contra o mecanismo terá contra ele a maioria
dos membros da sua classe.
16) A
eficiência e a transparência estão em contradição com o mecanismo.
17)
Resulta daí que na vigência do mecanismo o Estado brasileiro jamais poderá ser
eficiente no controle dos gastos públicos.
18) As
políticas econômicas e as práticas administrativas que levam ao crescimento
econômico sustentável são, portanto, incompatíveis com o mecanismo, que tende a
gerar um estado cronicamente deficitário.
19)
Embora o mecanismo não possa conviver com um Estado eficiente, ele também não
pode deixar o Estado falir. Se o Estado falir o mecanismo morre.
20) A
combinação destes dois fatores faz com que a economia brasileira tenha períodos
de crescimento baixos, seguidos de crise fiscal, seguidos de ajustes que visam
conter os gastos públicos, seguidos de novos períodos de crescimento baixo,
seguidos de nova crise fiscal...
21) Como
as leis são feitas por congressistas corruptos, e os magistrados das cortes
superiores são indicados por políticos eleitos pelo mecanismo, é natural que
tanto a lei quanto os magistrados das instâncias superiores tendam a ser lenientes
com a corrupção. (Pense no foro privilegiado. Pense no fato de que apesar de
mais de 500 parlamentares terem sido investigados pelo STF desde 1998, a
primeira condenação só tenha ocorrido em 2010.)
22) A
operação Lava-Jato só foi possível por causa de uma conjunção improvável de
fatores: um governo extremamente incompetente e fragilizado diante da derrocada
econômica que causou, uma bobeada do parlamento que não percebeu que a
legislação que operacionalizou a delação premiada era incompatível com o
mecanismo, e o fato de que uma investigação potencialmente explosiva caiu nas
mãos de uma equipe de investigadores, procuradores e de juízes, rígida,
competente e com bastante sorte.
23) Não
é certo que a Lava-Jato vai promover o desmonte do mecanismo. As forças
politicas e jurídicas contrárias são significativas.
24) O
Brasil atual está sendo administrado por um grupo de políticos especializados
em operar o mecanismo, e que quer mantê-lo funcionando.
25) O
desmonte definitivo do mecanismo é mais importante para o Brasil do que a
estabilidade econômica de curto prazo.
26) Sem
forte mobilização popular, é improvável que a Lava-Jato promova o desmonte do
mecanismo.
27) Se o
desmonte do mecanismo não decorrer da Lava-Jato, os políticos vão alterar a lei,
e o Brasil terá que conviver com o mecanismo por um longo tempo."
O Globo
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