Guido Orgis
"As três propostas de emendas
constitucionais (PECs) apresentadas nesta terça-feira pela equipe econômica têm
uma característica marcante: mais do que trazerem coisas novas, os projetos
desconstroem erros que custaram muito ao país nas últimas décadas.
O caos
fiscal no Brasil é resultado de uma visão de Estado grande, que precisa
resolver toda sorte de problemas através de gastos carimbados, fundos
especiais, benefícios fiscais e transferências obrigatórias. É um arcabouço
institucional complexo que cria coisas bizarras que começam a ser atacadas de
frente.
Um
exemplo de como o modelo institucional faliu está nos fundos setoriais que o ministro Paulo Guedes propõe extinguir em uma
das PECs. Ao longo dos anos, foram criados 281
fundos que hoje têm R$ 220 bilhões
parados. Eles surgiram com propósitos nobres, mas se tornaram um problema de
gestão, porque não estão atrelados a projetos objetivos, e um problema para o
cidadão, que é obrigado a pagar a conta."
"Essa
fragmentação de recursos públicos para atender objetivos setoriais (via de
regra, um fundo atende um propósito muito específico de algum grupo de pressão)
tem um irmão nos benefícios fiscais. A lógica, nesse caso, não é arrecadar para
atender um propósito previsto em lei, mas abrir mão da receita para beneficiar
algum setor econômico.
A
estimativa é que os benefícios fiscais concedidos pela União custem cerca de 5%
do PIB neste ano. É muito dinheiro, mas já foi pior. No auge da loucura
desenvolvimentista do governo Dilma Rousseff, chegamos em 6,7% do PIB. A ideia
de Paulo Guedes é colocar um limite nas benesses do Estado: no máximo 2% do PIB
a partir de 2026.
É uma
meta bastante ambiciosa, já que haverá muita resistência para reduzir
benefícios como o Simples, o apoio às montadoras (que vai até 2030), o
bolsa-refrigerante (que foi reduzido e depois aumentado no governo Michel
Temer), isenções fiscais para entidades filantrópicas e o legado de
financiamentos já "concedidos pelo BNDES e que serão carregados pela União
por mais duas décadas, pelo menos.
Mexer
com os fundos e com os benefícios fiscais vai melhorar a alocação dos recursos
públicos. O que é arrecadado precisa ir para projetos reais, bem planejados e
com o fluxo financeiro adequado para não termos obras paradas. E é preciso
enxergar de vez os benefícios fiscais como gastos públicos que distorcem
mercados - ter limites, prazos e análise de custo-benefício é o mínimo que se
deve exigir."
"Fusão dos municípios e choque
no funcionalismo
O
esforço para desarmar a bomba fiscal vai mexer com outros dois legados
importantes, o custo do funcionalismo e os municípios insustentáveis. Esse
segundo ponto é o mais interessante e que provavelmente levantará mais polêmica
em sua aplicação, pois a proposta da equipe econômica prevê a incorporação de
cidades com receita fraca e menos de 5 mil habitantes por outras maiores.
O Brasil
teve nas últimas três décadas uma onda de criação de novos municípios sem
condições financeiras. Eles servem apenas para que haja uma prefeitura, câmara
municipais e outros cargos públicos. Segundo um estudo lançado há poucos dias
pela Firjan, 1856 prefeituras não arrecadam por conta própria o suficiente para
pagar as despesas da prefeitura e da câmara de vereadores (o país tem 1250
cidades com menos de 5 mil habitantes). Pela PEC apresentada por Guedes, os
municípios que não pagarem no mínimo 10% das contas com receitas próprias terão
de se juntar a uma cidade maior.
A fusão
de municípios é uma peça importante no fortalecimento das cidades como ponto
focal dos serviços prestados à população. E eles precisam ter uma viabilidade
financeira e uma capacidade de gestão mínimas, inclusive para lidar com os
recursos extras do pré-sal que podem chegar com a aprovação das reformas. No
longo prazo, seria importante que o governo federal reduzisse sua parcela na
tributação e permitisse que municípios arrecadem mais sobre serviços e
propriedades urbanas e rurais.
Para
fechar a conta dos pontos mais importantes de desconstrução dos erros do
passado, a equipe econômica propõe um choque de curto prazo sobre o
funcionalismo. É algo que precede e complementa a reforma administrativa que
deve ser apresentada nesta semana e provavelmente só lidará com novas
contratações. As PECs propõem o congelamento de concursos, redução de jornada
de trabalho e de salários e a suspensão de reajustes, criação de cargos e
benefícios enquanto houver uma situação de crise fiscal.
Isso
significa que haverá um custo ao funcionalismo se sua pressão sobre o poder
público provocar uma crise fiscal - realidade vivida em vários estados do país.
No caso da União, emergencialmente essas travas ao gasto com pessoal serão
acionadas enquanto não se cumprir a regra de ouro. Será um pequeno passo para
estourar a bolha de salários fora da realidade, em especial no Judiciário e no
Legislativo."
Gazeta do Povo
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