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Ela é a nata do
capitalismo americano e agora quer mudar a maneira de fazer negócios naquele
país.
A organização Business Roundtable reúne os presidentes
executivos de 181 das maiores corporações dos Estados Unidos - da Amazon à
Xerox, passando pelas maiores empresas de varejo (Walmart), tecnologia (Apple),
energia (Exxon Mobil), telecomunicações (AT&T), automóveis (Ford), finanças
(JP Morgan Chase), entre muitas outras áreas.
Juntas, as companhias têm mais de 15 milhões de
funcionários e faturamento anual superior a US$ 7 trilhões.
Na segunda-feira passada (19/8), os líderes dessas
empresas divulgaram comunicado em que anunciam uma mudança radical de visão
sobre o propósito de suas corporações, rompendo com a política mantida há mais
de 20 anos, que privilegiava a maximização dos lucros dos acionistas acima de
tudo.
A partir de agora, diz o comunicado, o propósito dessas
empresas será ampliado com o objetivo de favorecer também seus funcionários,
clientes e as comunidades em que atuam.
Mas a que se deve essa mudança?
Além do lucro
Desde 1978, a Business Roundtable publica declarações
sobre os princípios de governança corporativa e, em todos os documentos
divulgados desde 1997, respalda o conceito da "primazia do
acionista".
Essa visão se tornou popular na década de 1970,
alimentada em grande parte pela doutrina elaborada pelo renomado e controverso
economista Milton Friedman, da Universidade de Chicago, que publicou um artigo
no jornal americano The New York Times afirmando que "a responsabilidade
social de uma empresa é gerar lucro".
Em um sistema de livre comércio e propriedade privada, um
executivo corporativo é um funcionário dos donos da empresa. Ele tem uma
responsabilidade direta com seus empregadores."
"Essa responsabilidade significa fazer negócios de
acordo com seus desejos, que geralmente se resumem a fazer o máximo de dinheiro
possível, respeitando as normas básicas da sociedade, tanto aquelas
incorporadas nas leis quanto as entremeadas nos costumes éticos", escreveu
Friedman.
A proposta do economista surgiu em um momento em que as
empresas americanas ofereciam planos de aposentadoria generosos aos
funcionários e faziam doações importantes para as comunidades, mas os gestores
eram criticados por trabalhar mais em benefício próprio do que a favor dos
acionistas.
Foi então que houve a guinada que levou à era da
"primazia dos acionistas", na qual a política corporativa se
concentra em maximizar os lucros às custas da redução dos benefícios dos
empregados, assim como de quaisquer outras "despesas improdutivas".
Para garantir que essas mudanças ocorressem, as empresas
também criaram programas de incentivo, em que o bônus de seus principais
executivos depende dos dividendos produzidos pela empresa no curto prazo.
Mas, se os lucros das grandes empresas aumentaram, também
reforçaram uma imagem pública negativa.
"A desconfiança em relação às empresas americanas
cresceu a tal ponto que a própria ideia de capitalismo está sendo debatida na
cena política",escreveu Andrew Ross Sorkin, colunista do New York Times,
sobre a mudança proposta pela Business Roundtable. "O populismo está sendo
acolhido nos dois extremos do espectro político, quer se trate do protecionismo
comercial de Donald Trump ou da supremacia da rede de proteção social do
senador (e pré-candidato à Presidência dos EUA) Bernie Sanders."
Ao mesmo tempo, Sorkin destaca suas dúvidas em relação à
proposta do Business Roundtable, afirmando que mudar a "supremacia do
acionista" é por enquanto apenas uma possibilidade, e não uma certeza.
Aposta no longo
prazo
No novo posicionamento sobre o objetivo de suas corporações,
a Business Roundtable se compromete com cinco pontos específicos:
- Entregar serviços ou bens de valor aos clientes.
- Investir nos funcionários e recompensá-los de maneira
justa.
- Negociar de forma justa e ética com os fornecedores.
- Apoiar as comunidades em que as empresas estão
inseridas.
- Gerar rentabilidade de longo prazo para os acionistas.
Jamie Dimon, chefe da Business Roundatble e CEO do banco
JP Morgan Chase, destacou que essa guinada está vinculada a uma visão de
sustentabilidade no longo prazo.
"O sonho americano está vivo, mas está se
desgastando. Os grandes empregadores estão investindo em seus funcionários e em
suas comunidades porque sabem que esse é o único caminho para serem
bem-sucedidos no longo prazo".
"Esses princípios modernizados refletem o
compromisso firme da comunidade empresarial de continuar a impulsionar uma
economia que sirva a todos os americanos", acrescentou por meio de um
comunicado à imprensa.
Tricia Griffith, presidente-executiva da seguradora
Progressive Corporation, disse que, embora os gestores trabalhem para gerar
receita e oferecer lucro aos acionistas, as melhores empresas vão mais além.
"Elas colocam os clientes em primeiro lugar e
investem em seus funcionários e comunidades. No fim das contas, essa é a via
mais promissora de construir valor no longo prazo", afirmou.
Promessas ou
ações?
A Business Roundtable foi criada em 1972 pela fusão de
três diferentes organizações que compartilhavam a crença de que o setor
empresarial deveria desempenhar um papel ativo no desenvolvimento de políticas
públicas.
Desde então, teve uma participação importante na
aprovação e veto de uma série de propostas legislativas.
Em 1975, por exemplo, suas atividades de lobby foram
consideradas fundamentais para derrubar uma proposta que buscava reformar as
regras antimonopólio para permitir aos procuradores-gerais dos 50 Estados
americanos processar empresas em nome dos cidadãos.
Em 1982, o grupo se opôs às metas de déficit fiscal
propostas pelo governo do então presidente Ronald Reagan. Nos anos 1990, se
mobilizou para fazer com que que o governo de George H.W. Bush promovesse o
Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) com o México e o Canadá.
Nos últimos tempos, a Business Roundtable tem defendido
uma reforma migratória que abra as portas e facilite a entrada e permanência
não só de mão de obra qualificada, mas também de trabalhadores agrícolas nos
Estados Unidos.
A mudança de visão do grupo em relação ao propósito de
suas corporações, anunciada nesta semana, foi recebida com certo ceticismo.
"Não acreditamos que seja por benevolência que os
CEOs (presidentes-executivos) da Business Roundtable finalmente reconheceram
que precisam defender mais do que os interesses dos acionistas", escreveu
Kenneth Roth, diretor-executivo da ONG Human Rights Watch, no Twitter.
"Ignorar questões como a cumplicidade a abusos de direitos humanos é um
convite a um desastre em termos de relações públicas."
Outros críticos destacaram que o anúncio é mais uma
declaração de intenções do que um plano de ação, por isso é razoável que haja
dúvidas em relação a sua real aplicação.
"Não se enganem, não foi a democracia dos acionistas
que deu origem a este novo momento de iluminação. A indignação pública levou a
isso."
"Os acionistas - com algumas exceções - não se
deixaram convencer até que não tiveram escolha, a não ser entender que essas
forças poderiam ter um impacto sobre seus investimentos", escreveu Ross
Sorkin no jornal The New York Times.
Assim, essa mudança na visão dos propósitos corporativos
das grandes empresas dos EUA é, por enquanto, uma semente, cujo cultivo não
parece garantido.
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