Celso Ming
A presidente Dilma Rousseff sancionou
no dia 5 de agosto a Lei Complementar 151/2015, que permite a utilização por
Estados e municípios e até mesmo pelo Tesouro Federal dos depósitos judiciais
para pagamento de certas despesas públicas. É um afago – estimado em R$ 21
bilhões – aos Estados e municípios hoje fortemente endividados.
Também o Tesouro Federal pode tirar
proveito da novidade, que desperta questionamentos jurídicos e tende a produzir
sérias consequências sobre as contas públicas.
Depósitos judiciais são recursos
depositados por pessoas ou empresas ao longo das disputas na Justiça que
envolvam pagamentos ou indenizações a serem pagos pelas partes. Esse dinheiro
fica depositado nos bancos oficiais (Caixa Econômica Federal ou Banco do
Brasil) e pode ser sacado prontamente por quem ganha a ação.
Há no País R$ 174 bilhões em
depósitos judiciais, o equivalente a 3% do PIB , como apontam os balanços dos
dois bancos (veja o gráfico ao lado). Só para comparar: o superávit primário
(sobra de arrecadação para o pagamento da dívida) deste ano, que o governo já
desistiu de cumprir, equivalia a menos da metade disso aí, ou 1,1% do PIB.
A nova lei prevê que 70% dos
depósitos judiciais correspondentes a processos nos quais os governos (federal,
estaduais ou municipais) sejam parte poderão ser utilizados para cumprir
obrigações como pagamento de precatórios judiciais, recomposição atuarial dos
fundos de previdência dos funcionários públicos e certas dívidas públicas.
Para entender, simplificadamente,
precatório judicial é o calote que o poder público deu, quase sempre em
consequência de desapropriações, e que o juiz mandou pagar, mas não foi
obedecido. A dívida, então, se arrasta anos a fio.
Pelas estimativas não oficiais, esses 70% correspondem hoje a
aproximadamente R$ 20 bilhões. São os recursos que podem ser prontamente
colocados à disposição do poder público.
Os outros 30% (cerca de R$ 8,5 bilhões) deverão ficar
depositados em fundo especial, para garantir os pagamentos das ações em que o
setor público será parte perdedora.
A partir desses números, já dá para ver o tamanho da encrenca.
Ninguém pode garantir a priori que os governos saiam vencedores em cerca de 70%
das ações judiciais de que são parte. “Se os Estados não têm dinheiro hoje para
pagar os precatórios ou as dívidas consolidadas, o que garante que terão
recursos suficientes quando tiverem de desembolsá-los?”, pergunta o coordenador
da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Gervásio
Santos.
Os números atualizados do Conselho Nacional de Justiça mostram
que a dívida total da União, dos Estados e dos municípios apenas com
precatórios, até junho deste ano, atingiu R$ 97,3 bilhões. A maior parte foi
contraída pelos Estados: R$ 52,7 bilhões. Só a do Estado de São Paulo alcança
R$ 21,4 bilhões.
No dia seguinte ao que a Lei Complementar 151 foi sancionada, a
AMB entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal
Federal. “É uma intervenção do Poder Executivo no Judiciário, vedada pela
Constituição. Até agora, a devolução desses depósitos só dependia do alvará do
juiz. A Lei Complementar dispõe que vai depender também da liberação pelos
Estados. Funciona como empréstimo compulsório, sem os requisitos
constitucionais para tal”, defende Santos.
Os questionamentos não param por aí. Para o pesquisador do
Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas e ex-consultor do Fundo
Monetário Internacional (FMI) Isaías Coelho, a lei desveste um santo para
vestir outro.
“Expõe
a baixa qualidade da administração das finanças públicas. A gente conhece a
história dessas coisas no Brasil. Estamos adicionando uma etapa a mais nos
precatórios e, quase com certeza, vamos ter problemas no futuro.”
Se o Estado utilizar os recursos dos depósitos judiciários para
pagar
precatórios e depois os 30% do fundo não forem suficientes para
dar cobertura às ações a que não tiverem ganho de causa, teremos situações
esdrúxulas, como precatórios de precatórios. É a situação de quem não receber
os recursos depois de vencer uma ação contra o Estado e que terá de acionar a
Justiça para ver cumprido seu direito. Portanto, o Estado terá nova dívida a
enfrentar.
Celso Ming
ESTADÃO
16 Agosto 2015 | 03h 00
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