Hélio Duque
Em 20 de maio de 2015, a “Folha de S.
Paulo” publicava no “Contratempo”, por título “O avalista de Tancredo”, o
testemunho de um tempo parlamentar. Transcrevo:
“O ex-deputado Genival Tourinho, que
exerceu mandatos entre 1975 e 1983 pelo MDB mineiro, decidiu escrever um livro
comparando o estilo de vida dos parlamentares de sua geração com os dos atuais.
- Quanto mais recordo mais fico
indignado!
Ele conta que, no meio do mês, perto
do dia 15, era comum que os colegas da Câmara formassem filas em uma agência da
Caixa Econômica Federal para pegar um empréstimo para segurar o resto do
período.
- Nesses casos, nós trocávamos avais
de operações. Eu cansei de pedir ao colega Tancredo Neves que fosse meu
avalista. E eu o avalizava quando ele precisava!”
Advogado e excelente parlamentar
Genival Tourinho, no livro que escreve na sua querida Belo Horizonte,
demonstrará que a Câmara nunca foi, ao longo da sua história, um clube de
privilégios e mordomias. Quando era no Rio de Janeiro, os deputados não tinham
gabinetes privativos, o mesmo ocorrendo nos primeiros anos em Brasília.
Além do subsídio mensal, existia a
verba de transporte, representada por 4 passagens aéreas de Brasília até a
capital do estado que representava. Tinha direito de contratar 3 funcionários.
Igualmente ao apartamento funcional para residência. Tudo isso mudou a
partir de 1991, quando a mesa da Câmara promoveu “reforma administrativa”
alargando benefícios que se estendem até hoje. Penduricalhos foram introduzidos
com verbas variadas e podendo contratar até 27 funcionários. O estilo da
representação mudou e não foi para melhor. O legislativo coleciona “déficit” de
credibilidade.
Não por acaso alguns dos
parlamentares que introduziram o “reformismo” eram egressos da Comissão de
Orçamento. Recordo que aprovada a Constituição, certo dia o presidente da
Câmara, o saudoso Ulysses Guimarães deu-me uma missão: integrar a Comissão de
Orçamento. Ex-presidente da Comissão de Economia da Câmara e um dos
vice-presidentes, ao lado de Jarbas Vasconcellos e José Fogaça, da executiva
nacional do PMDB, atendi a convocação. Sábio e experiente, Ulysses Guimarães
desconfiava do que acontecia na Comissão.
Nela fiquei por 15 dias, renunciando
em seguida e relatando ao presidente da Câmara o que lá ocorria: um grupo de
parlamentares eram fiéis subordinados aos interesses das grandes empreiteiras
nacionais. Dois anos depois, (já não era deputado) o escândalo dos “Anões do
Orçamento” chocou o Brasil levando a cassação do mandato de alguns dos seus
membros. Um deles justificou com cinismo que o seu enorme patrimônio
originara-se de ter dezenas de vezes ganho na loteria esportiva.
Hoje a “Operação Lava Jato”, com
competência elenca relação de homens públicos, investidos de mandato, operando
como despachante de grandes empreiteiras e auferindo vantagens na escala de
milhões. Os parlamentares sérios e vocacionados a servir (e não servir-se)
pagam um preço elevado e injusto quando vê a credibilidade da representação
popular ser atropelada pelos espertos que compram o mandato e usam a imunidade
parlamentar para incorporar patrimônio ilícito.
Nos próximos meses, o Supremo
Tribunal Federal, através o ministro Teori Zavascki, relator do processo que
envolve os políticos envolvidos na “Lava Jato”, poderá escrever e definir um
novo tempo na vida política brasileira, banindo da vida pública os “sepulcros
caiados.”
A rigor, a indignação em nome da sua
geração externada pelo antigo colega de parlamento e estimado amigo Genival
Tourinho, invade hoje a alma de todos os brasileiros éticos e decentes. Não é
mais aceitável conviver com a filosofia do “é dando que se recebe”. Mandato é
dicionarizado: “Poderes políticos outorgados pelo povo a um cidadão por meio do
voto.” Quem faz uso dessa outorga para levar vantagens pessoais, acumulando
privilégios e mercadejando a consciência, é um energúmeno de fácil tradução: um
malandro da pior espécie.
Os fatos elencados justificam o
desencanto e afastamento da vida pública de figuras vocacionadas a servir ao
Estado e ao País. Infelizmente, sem profunda reforma política e institucional,
será impossível mudar essa realidade. A crise de representatividade é real.
Hélio Duque
É doutor em Ciências,
área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado
Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
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