VINICIUS MOTA
Um
presidencialismo forte, como o brasileiro, foi concebido para o presidente
liderar. O truísmo parece detestável, mas pode ser útil para entender o que
está acontecendo no Brasil.
Apenas
o presidente da República detém a chave institucional para coordenar a agenda
política do país. Trata-se de um pequeno czar, eleito a cada quatro anos,
perante quem todos os outros atores se medem e em torno de quem todo o jogo se
organiza.
Quando
a liderança do presidente entra em colapso, como ocorre com Dilma Rousseff neste
segundo mandato, o sistema inteiro se desestabiliza. Os arranjos para
substituir o vácuo deixado são necessariamente improvisados e fugazes.
A incoesão lança no tabuleiro uma série de
variáveis autônomas, cujo entrechoque produz compostos instáveis e, sobretudo,
imprevisíveis.
Na
semana passada, o vice-presidente Michel Temer, provavelmente num ato
involuntário, cometeu o que nesse caso terá sido a imprudência de reclamar
alguém para reunificar a nação. Constitucionalista e tarimbado na alta
política, Temer sabe por essas duas vias que a liderança do presidente da
República no Brasil é insubstituível.
Os
seres ariscos em que se transformam os políticos quando o jogo está
desorganizado entenderam a fala de Temer como uma iniciativa pessoal de poder.
Emissários de Aécio Neves no PSDB correram a bloquear o avanço do vice:
queremos antecipar a eleição; não aceitamos composição com Temer.
Um
passo em falso, o de Temer, levou a uma disparada, a do time de Aécio, rumo ao
precipício. E deixar Eduardo Cunha –feito um Godzila ferido pela Lava Jato,
metido em sabotagens alucinadas das finanças públicas– governando o país por 90
dias? Assim pensou muita gente ainda ajuizada no final da semana passada. Pela
Constituição, é o presidente da Câmara quem assume o Palácio do Planalto
interinamente, até haver novas eleições, no caso de o presidente e o
vice-presidente da República serem cassados.
Um
grupo de empresários influentes já ativara suas conexões políticas no intuito
de acelerar a solução para as empreiteiras encalacradas na Lava Jato. Passava o
recado de que é preciso salvar a parte operacional dessas gigantes, sob o risco
de produzir-se um estrago ainda maior e mais duradouro na economia nacional.
A
fome desmedida dos aecistas, ao avivar o temor das implicações prováveis de uma
cassação da chapa Dilma-Temer, soou para esse movimento político-empresarial
como um alerta vermelho. Enquanto isso, o cavalo de Renan Calheiros passava
encilhado e já oportunamente montado pela presidente.
Tudo
convergiu para um acordo que oferece novas perspectivas para a sustentação da
presidente da República. O TCU adiou a votação das contas de 2014, afastando-a
da data dos protestos contra Dilma. Até lá ministros das contas ligados a Renan
e Temer poderão ser convencidos a não endossar a tese da rejeição. A reoneração
da folha trabalhista, parte importante do ajuste fiscal do ano que vem, voltou
a ter chances de ser aprovada logo e definitivamente no Senado.
Nessa
cadeia amalucada de acontecimentos, um discurso esquisito de Temer, supostamente
visando ao cenário pós-Dilma, acabou beneficiando, no final das contas, a
própria Dilma.
Não é o final do jogo, entretanto, pois o
fator que torna os arranjos labirínticos, efêmeros e instáveis –a derrocada do
poder presidencial– continua a prevalecer. Têm maior probabilidade de lucrar
aqueles que, como diz a gente do mercado, estiverem "comprados em
volatilidade".
VINICIUS MOTA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário