Fernão
Lara Mesquita
O
Brasil que sobrou é Gramsci mordendo o próprio rabo. O certo virou errado e o
errado virou certo. O “senso comum
está organicamente superado” e já ninguém diz coisa com coisa. Mas se
tudo começou como uma conspiração racional para demolir a base cultural da “democracia burguesa” e substituí-la pela “hegemonia do discurso ideológico da classe trabalhadora”, o local de
destino – o “paraíso socialista” – desapareceu de
cena depois que a primeira parte da obra estava pronta.
A
meio do caminho “O Muro” caiu, o sonho
acabou, o “intelectual coletivo” vendeu-se ao
capitalismo pistoleiro e os “intelectuais
orgânicos”
que realmente serviam uma causa morreram de overdose ou de vergonha. Os que
sobraram são as criaturas de Gramsci; a segunda geração que pensa, sim, pelo
avesso, mas já involuntariamente, sem saber exatamente por quê ou para quê.
Foi-se
o que haveria de ser; já não ha para onde voltar. E nesse grande “Nada”, a corrupção é que tornou-se “orgânica”; instrumento por excelência de “reprodução da hegemonia da nova classe dominante”.
E
cá estamos, ao fim de mais uma “temporada” do dramalhão com
que o Brasil imita a arte, onde a cada capítulo os heróis viram bandidos e
vice-versa, com o flagrado “dono” da Transpetro
alçado de volta à condição de “interessado
no Brasil”
– com possíveis repercussões nessa Lava-Jato já tão cheia de figurinhas das
empreiteiras e estatais e vazia dos figurões da politica para quem e graças a
quem eles operam e podem operar – ao fazer-se porta-voz da “agenda” com que Dilma trata de safar-se do impeachment a que poderá levá-la esta paralisia
econômica verborrágico-induzida a que chegamos.
O
nó a desatar é a desarticulada dispersão do “lado de cá” depois de décadas desse trabalho de
desconstrução.
Brasília,
onde não há crise nem pressa, trabalha coesa como sempre. Tudo segue sendo
decidido nos bastidores do “quem
indica quem para roubar onde”; só a narrativa aqui para fora é que
varia. Agora querem vender como atos politicamente orientados de um único
indivíduo a enxurrada anual de pornografia remuneratória da corte. Como há uma
disputa de poder entre a nova e a velha guarda de comerciantes de
governabilidade, foi cunhada a expressão “pautas-bombas” para designar a fila dos aumentos
auto-atribuidos do funcionalismo puxados, como é tradição, pelo do Judiciário
que, neste ano de penúria, abocanhou retumbantes 78% quase no mesmo dia em que
o governo “dos trabalhadores” confiscava o abono
de quem ganha dois salários mínimos. No vácuo dessa “conquista” veio o escárnio da multiplicação por três
do Fundo Partidário. Agora é a vez da nobreza menor, auditores da Receita à
frente. As tais “pautas-bombas” não passam,
portanto, da obra coletiva de parasitose de sempre que resulta na progressiva
pauperização do resto do Brasil.
A relação de causa e efeito entre esses
fatos — assunto “tabu” na academia e na
imprensa brasileiras — quase chegou a ser afirmada recentemente. De tanto
demonstrar em suas reuniões quantas gerações de brasileiros entram para a lista
dos sem futuro a cada semana de atraso no que terá um dia de ser feito, o dr.
Levy conseguiu levar até profissionais calejados como Michael Temer a sentir
pena do Brasil. O vice-presidente “pediu
água”.
Até Aloizio Mercadante “pediu água”.
Dilma
mesmo animou-se a fazer uma tímida menção à idéia de reduzir o numero de
ministérios…
A obscena montanha de gordura, afinal de
contas, está onde sempre esteve e quanto mais tudo ao redor vai sendo reduzido
a pele e ossos, mais escandalosamente visível ela se torna. Mas como a metástase
do Estado que sufoca o país, a ser amputada se não se quiser matá-lo,
corresponde à exata soma de todos quantos decidem se haverá ou não impeachment e suas cortes, a represália dos bastidores
veio implacável. Tanto Dilma quanto o PT passaram, então, a negar nas mesmas
frases em que a pediam a necessidade de uma “união nacional” para fazer frente “a crise tão pouca” – o tipo de tapa na cara da realidade que
configura a “indução verborrágica” da paralisia
econômica e da disparada do dólar – enquanto Temer e Mercadante, embora
sustentando ainda a sua necessidade, davam o dito por não dito ao declinar
especificar para quê a queriam.
Agora “a lista de Renan” vem, de novo, tirar a solução de onde o
problema está, e apaziguar os ânimos no rico condomínio dos Tres Poderes.
Aqui
fora, nesse meio tempo, o Quarto Poder, cuja função já foi a de captar pleitos
difusos da cidadania, formatá-los referenciado-os às melhores práticas internacionais
e empurrá-los para dentro do “Sistema” na forma de
campanhas por reformas, passou a ter outro tipo de preocupação depois que o
comando de empresas jornalísticas e redações passou das mãos de jornalistas às
de empresários e gerentes administrativos que nunca leram Gramsci.
Assim
chegamos a este Brasil reduzido a dois tipos de “discursos inarticulados“: o do dinheiro e o do coração.
Nem o consumo subsidiado de “espelhinhos e missangas” de véspera de eleição, nem os impeachments das ressacas de estelionato eleitoral, se
houverem, vão alterar essencialmente, porém, a desordem institucional que nos
mantem na montanha russa. Instituições são tecnologias que — bons ou ruins —
produzem resultados inexoráveis. E nesse campo, ha um nítido divisor de águas
no mundo. De um lado estão os que distribuem mandatos como se fossem capitanias
hereditárias, dão a seus detentores poderes absolutos para definir a pauta
política da Nação e, com eles, a prerrogativa de transformar impunemente as
vidas de seus representados num inferno. Do outro os povos que, armando-se do
poder de retomar a qualquer momento os mandatos que concedem usando, entre
outros, o instrumento do recall, mantêm o estrito
comando da pauta política dos seus representantes e assim põem o governo a
serviço do pais e o país a serviço de seu povo.
Este é o caminho.
PS.: Este artigo foi escrito antes do
irresponsável convescote proto-terrorista promovido 5a feira no Palácio de
Dilma
Fernão
Lara Mesquita
Vespeiro
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