Redação
André Luiz Mendonça
explica que a pessoa depois de solta ainda pode usufruir do patrimômio
O advogado-geral da União, André Luiz Mendonça, afirmou
que recuperar dinheiro de corrupção ainda é muito difícil no Brasil e no mundo.
Mas ressaltou que devolver os valores aos cofres públicos funciona mais do
que simplesmente mandar a pessoa para a prisão. “Porque na cadeia, depois de um
tempo, ela [a pessoa condenada] pode sair e usufruir daquele patrimônio.
Recuperando o dinheiro, você tira todo um estímulo à prática da corrupção.”
Em entrevista à jornalista Roseann Kennedy, para o
programa Impressões, da TV Brasil, ele disse que, com a soma do
valor a ser devolvido aos cofres públicos nos próximos dois anos e do montante
recuperado no ano passado, a expectativa do governo é reaver R$ 25 bilhões,
frutos de acordo de leniência. Para o advogado-geral, é muito
gratificante trabalhar nessa área “por ajudar o país a ter uma mudança de
perspectiva, na cultura de corrupção que, em certo momento, está
impregnada no servidor público”.
Apesar de trabalhar num segmento tão árido, André Luiz
Mendonça avaliou que não fez inimigos na sua trajetória. “Eu pautei a atividade
de combate à corrupção por uma premissa: responsabilidade e respeito às pessoas.
Eu vou agir de acordo com a lei. Mas isso não significa que eu preciso criar
inimizades ou agir de modo à espetacularizar esse tipo de atuação”, destacou.
Na entrevista, o advogado-geral da União, que também é
pastor, falou das ações religiosas que ainda consegue desenvolver. Destacou a
importância de agradecer a Deus e de o ser humano saber que saber que é
passageiro. “Padre Antônio Vieira tinha uma frase mais ou menos assim: pó que
está em pé não se esqueça que serás pó deitado. Então, a gente é passageiro por
aqui e vai levar o que foi capaz de construir de bom para as pessoas”,
refletiu. (ABr)
Roseann Kennedy: Entre
os pilares de sua atuação na AGU, o senhor coloca o combate à corrupção e a
recuperação de ativos. Ainda é muito difícil recuperar o dinheiro da corrupção
no Brasil?
André Luiz
Mendonça: Não só no país como no mundo. Um dos grandes desafios é criar
mecanismos eficientes para recuperação de valores desviados. Porque a pessoa
que pratica corrupção tem, desde o nascedouro da prática, a intenção de ocultar
o patrimônio desviado do Erário. Ou seja, a lavagem de dinheiro, a inserção de
bens no nome de pessoas laranjas, de empresas fictícias. A Convenção da ONU
coloca que esse é um princípio fundamental, do combate à corrupção à
recuperação de valores. Porque, se você tiver mecanismos eficientes para
recuperar esse dinheiro, você desincentiva, muitas vezes, mais a prática da
corrupção do que simplesmente mandar a pessoa para a cadeia. Porque na cadeia,
depois de um tempo, ela pode sair e usufruir daquele patrimônio. Recuperando o
dinheiro, você tira todo um estímulo à prática da corrupção.
Roseann: Neste
ano, vocês fecharam acordos de leniência importantes, inclusive o primeiro
acordo global, numa ação com os Estados Unidos. Quanto já recuperaram e qual é
sua meta?
Mendonça: A
nossa ideia é que, somados os próximos dois anos com aquilo que nós realizamos
no ano passado, nós tenhamos cerca de R$ 25 bilhões em recuperação de valores,
frutos do acordo de leniência. Nós redimensionamos o trabalho do grupo de
recuperação. Esse grupo estava com recursos humanos em números insuficientes,
para a propositura de ações, bloqueio de bens, para conseguir de fato que os
valores retornassem de forma mais célere. A segunda medida que adotamos, nós
criamos um grupo específico que está analisando o que é fruto dos acordos de
leniência. Então, fazendo links de pessoas envolvidas nos ilícitos,
principalmente relacionados à Lava Jato, isso ainda está numa fase de
transição. Então, nós tivemos uma melhora significativa, vamos ter uma melhora
maior, no futuro.
Roseann: Algumas
pessoas pensam assim: “Ah! Estão ajudando bandido quando fecham acordo de
leniência?”. Então, qual é a vantagem para o Estado se comparar, por exemplo, a
uma ação judicial?
Mendonça: Na
ação judicial, nós não abrimos mão de nada, levamos 10, 15, 20 anos e recebemos
15%. Nos acordos, nós fazemos concessões, mas, além de resolver o problema com
a empresa que veio a colaborar, ela me traz informações de outras pessoas que
praticaram o ilícito. [No caso da] Odebrecht foram mais de 250 pessoas físicas
e jurídicas que a empresa trouxe de informação. A Andrade Guttierrez, mais de
200 pessoas físicas e jurídicas. Pessoas que agora eu vou poder ir atrás para
buscar mais dinheiro. Segundo, eu saí de indicadores de 15% e fui pra 60, 70,
80%, conforme o caso. Eu consigo mais do que numa ação judicial.
Roseann: Cem
por cento é impossível?
Mendonça: Cem
por cento vai ser sempre muito difícil. Em algumas ações judiciais, você vai
poder ter 100%, mas se você dilui isso no universo de ações judiciais, é um
caso em mil, dois mil.
Roseann: Quando
o senhor decidiu focar a carreira no combate à corrupção? Foi algum fato
específico que o motivou?
Mendonça: Não,
acho que foi a condução da história da minha vida funcional. É uma área
desgastante em que você e sua família acabam se sujeitando a situações
difíceis, de exposição à risco, então quis submergir um pouco. Mas Deus
foi me encaminhando, foram vários fatores que foram me levando a isso, mas é
uma área que traz muita gratificação para quem é servidor público. Porque
é uma possibilidade de você construir e ajudar o país a ter uma mudança de
perspectiva, de uma cultura de corrupção que, em certo momento, está
impregnada no servidor público. E nós não podemos dizer que está
resolvido. Há muito por se fazer. O Brasil ainda está muito aquém nos
indicadores relacionados à corrupção. A gente espera que a Lava Jato funcione
como um ponto de inflexão. Era uma descida, nós descobrimos e fomos capazes
como país de lidar com o problema, como nenhum país do mundo foi capaz. Mas,
agora, precisamos avançar. Avançar na questão da corrupção, na transparência
pública, numa série de fatores e principalmente em indicadores de governança
pública, porque será a melhora conjuntural desses fatores que permitirá ao
país dar um salto de qualidade enquanto nação. Os melhores indicadores de governança
pública, na América Latina, estão no Chile. Se nós, com a potência econômica
que temos, nos aproximarmos do Chile, o país será um dos grandes líderes
mundiais em todos os setores. Eu acho que esse é o grande desafio do país, nos
próximos anos.
Roseann: Está
muito distante?
Mendonça: Nós
ainda estamos muito distantes. Estudando esses indicadores, hoje, o país desceu
tanto de 2011 a 2017, só retrocedemos menos que países como Moçambique e Síria.
Estamos em quarto, quinto lugar no maior retrocesso de 2011 a 2017. Nós
precisamos avançar muito, estamos em muitos quesitos cerca de 20 pontos
percentuais atrás do Chile. Logicamente que, em quatro anos, nós não vamos
estar no nível do Chile, mas talvez em oito, dez anos nós consigamos isso.
Roseann: Quando
o senhor estava como corregedor na Advocacia-Geral da União, participou de
investigações que geraram a demissão de advogados da União. Criou inimigos?
Mendonça: Não,
creio que não. Eu pautei a atividade de combate à corrupção por uma premissa:
responsabilidade e respeito às pessoas. Eu não preciso tratar o outro
desrespeitosamente. Eu vou agir de acordo com a lei. Mas isso não significa que
eu preciso criar inimizades ou agir de modo a espetacularizar esse tipo de
atuação. Ela tem que ser uma atuação técnica, muitas das vezes, calada. Ao
fazer dessa forma, você ganha a compreensão do outro de que você está fazendo
simplesmente o seu trabalho.
Roseann: Teve
uma polêmica recente sobre a criação do fundo da Lava Jato. O senhor se
manifestou contrariamente a essa ideia, por quê?
Mendonça: Ao
saber da forma como havia sido feito o procedimento, explicamos a eles nossa
opinião de que, pela lei brasileira, esse dinheiro tinha que ir para o Tesouro,
que é a autoridade brasileira responsável por gerir recursos que devem ter uma
destinação pública, e que estávamos à disposição para construir uma solução
diversa da que eles haviam pensado inicialmente, por melhores que sejam e que
de fato eram as intenções deles. No meio do caminho, veio uma ação proposta
pela doutora Raquel Dodge [procuradora-geral da República] questionando
junto ao Supremo a destinação que havia sido pensada inicialmente. A posição da
AGU é sem paixão, nós precisamos dar uma destinação pública. Há um interesse
por parte dos atores de dar essa destinação mais específica para a área
educacional. O trabalho da AGU é tentar equacionar os interesses. Todos sob
a égide do interesse público, porque tem que ser dada uma destinação
pública.
Roseann: Tem
prazo para fechar esse entendimento?
Mendonça: Há
uma expectativa de que, até agosto, a gente consiga. Mas é uma expectativa. O
papel nosso na AGU vai ser de tentar ser um facilitador desse processo.
Roseann: Agora
uma questão mais pessoal. No primeiro discurso à AGU, o senhor agradeceu
bastante a Deus e disse que era um privilegiado? Por quê?
Mendonça: A
Deus a gente agradece pela vida. Eu agradeço pela vida, pela saúde, por ter me
permitido estar na AGU, ter estudado fora, me preparado para ajudar o país.
Esse sempre foi meu compromisso. E agradecer porque Deus constrói a vida da
gente e a gente tem que reconhecer. Dentro desse agradecimento a Deus a gente
inclui a família, todos aqueles que acreditaram. Eu incluo de modo muito firme
a sociedade brasileira, porque é ela que paga os meus salários, que permite eu ter
o pão de cada dia, que me permitiu dedicar anos da minha vida me preparando
para ter o melhor preparo possível para combater a corrupção e ajudar na
construção de políticas públicas. E agradecer a Deus por esse momento que a
gente vive de transformação no país. De esperança para o povo brasileiro.
Quando a gente tem a dimensão de Deus, a gente tem uma dimensão também de que
somos pó. Padre Antônio Vieira tinha uma frase mais ou menos assim: pó que está
em pé não se esqueça que serás pó deitado. Então, a gente é passageiro por aqui
e vai levar daqui o que a gente foi capaz de construir de bom. É uma luta
diária.
Diário do Poder
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